sábado, 6 de março de 2010

LUZ

Primeira parte.

Fiat lux! Ordem emanada do ser divino, ao criar o mundo, para afastar as trevas, segundo o relato do indivíduo ou do grupo de indivíduos que escreveu o Gênesis, primeiro livro da bíblia. Eis a seqüência: no princípio, deus criou os céus e a terra; a terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo; o espírito de deus pairava sobre as águas. Então, deus disse: faça-se a luz! E a luz foi feita. À luz, deus chamou dia; às trevas, chamou noite.

Esse livro é hebreu, como os demais livros do Antigo Testamento. Os povos da Idade Antiga eram politeístas; cada povo tinha vários deuses. O povo hebreu não era exceção: por 400 anos, afeiçoou-se bem ao politeísmo egípcio; também se afeiçoou a deuses de outros povos. O deus citado no Gênesis é Javé ou Jeová, criado por Moisés e imposto aos hebreus a golpes de espada. A história contada nesse livro teria sido escrita ou ditada por Moisés, porém o rolo que a continha queimou-se. O sacerdote Esdras, sozinho ou ajudado por outros sacerdotes judeus, o escreveu novamente, por volta do século V a.C. Foi essa versão, escrita por Esdras e não por Moisés, que chegou até a Idade Contemporânea, depois de revisada no século II d.C.

Ao narrar a criação do mundo, o escritor do Gênesis citou a terra à parte. Desse modo, fez do nosso planeta o centro da atenção divina, como se a terra estivesse fixa no espaço e separada dos céus (cosmos, universo). A teoria geocêntrica de Ptolomeu recebeu as bênçãos do Papa tendo em vista se harmonizar com essa narrativa do livro hebraico, além de encontrar apoio filosófico no conhecido sofisma de Aristóteles: “as coisas pesadas tendem a cair para o centro do universo; ora, as coisas pesadas tendem a cair para o centro da terra; logo, o centro da terra é o centro do universo”. Ninguém se lembrou de perguntar a Aristóteles, de onde ele sacou a premissa maior; onde estava a prova de que o universo tinha um centro. A sua autoridade intelectual era o quanto bastava. A igreja católica aceitou o sofisma de bom grado e abriu os braços a Aristóteles, trazido para o seio da doutrina pelas mãos de Tomaz de Aquino. Ao surgir, a teoria heliocêntrica, de Copérnico, foi considerada herética.

O abismo referido no texto bíblico está como sinônimo de vórtice, caos, pois seria incongruente como sinônimo de precipício. Estranho: o espírito divino pairava sobre as águas e não sobre o mundo criado. O que ele fazia ali concentrado? Parece que ele estava na dúvida se mergulhava ou se planava.

Na opinião do escritor do citado livro, deus falava, mas ninguém sabe ao certo em que idioma, se no edênico, hebraico, grego ou latim, até porque naquele momento solene ainda não havia auditório com pessoas e holofotes. O primeiro homem só foi criado no sexto dia. Javé emitira aquela ordem no primeiro dia e não se mostrava apressado. De acordo com o escritor, Jeová viu a uva – perdão – Jeová viu que a luz era boa e a separou das trevas. Essa afirmativa revela o receio desse deus de criar coisa ruim. Ao emitir o divino juízo, Jeová parecia aliviado: “Ufa! Criei coisa boa!” O escritor lançava no mencionado livro, os seus temores, as suas incertezas, as suas crenças, as suas angústias, a sua ignorância, como se fossem de Jeová.

Em termos bíblicos, pois, luz significa ausência das trevas; claridade que torna as coisas visíveis. Em termos científicos, luz é explicada como radiação eletromagnética produzida por uma fonte natural, como as estrelas, ou por uma fonte artificial, como a lâmpada elétrica. Essa radiação se propaga em ondas à velocidade de quase 300 milhões de metros por segundo e resulta da liberação de elétrons pela ação do calor ou da descarga elétrica em corpos sólidos ou gasosos.

No sentido figurado e por analogia com a claridade, aplica-se o vocábulo luz ao entendimento humano, ao pensamento claro, à compreensão plena, à evidência do conhecimento adquirido mediante processo racional ou irracional. Daí falar-se em luz da razão, pessoa iluminada, pessoa intuitiva. Mediante operação analógica, a inteligência relaciona luz ao saber e trevas à ignorância. A luz que no plano sensorial permite ver (com os olhos do corpo) simboliza a inteligência que no plano racional permite conhecer (com os olhos da alma). Ver com clareza, no sentido físico, significa bem distinguir as coisas captadas pelo órgão da visão; no sentido cognoscitivo, significa apreender e compreender plenamente o objeto visado. Assim como a luz física (natural ou artificial) não se confunde com a coisa ou o ambiente iluminado, a luz intelectual também não se confunde com a coisa apreendida e compreendida. A inteligência é função da vida para o ato de conhecer. No ser humano, a inteligência atende a uma curiosidade inata, a um desejo de conhecer e compreender.

Nas trevas, o ser humano fica impossibilitado de enxergar o que está à sua volta, de se orientar ou de se defender de eventual perigo. O medo e a necessidade incitam o ser humano a buscar a claridade, seja a solar, a lunar, a produzida por uma fogueira ou por uma lâmpada. A busca do conhecimento, a busca da luz do saber pode ser provocada pela tomada de consciência dos males advindos da ignorância. Na escuridão mental, a pessoa corre o risco de ficar privada dos seus bens, da sua liberdade, dos seus meios de defesa e das oportunidades de progresso.

O temor de sofrer males derivados da ignorância agrava a fragilidade e o desamparo da pessoa e intensifica a necessidade de segurança. Enxergando e conhecendo o terreno em que pisa, a pessoa se movimenta com segurança, toma decisões acertadas, questiona e responde corretamente nas diferentes situações em que se encontra na vida, tais como: entrevistas, exame de aptidões técnicas e intelectuais, viagem de trabalho e de lazer, escolha de parceiro e de profissão e assim por diante. Quanto mais informação tiver sobre o alvo do seu interesse e sobre os atributos e recursos dos concorrentes, maior será a chance de a pessoa bem avaliar a situação e estabelecer estratégias adequadas.

Nenhum comentário: