terça-feira, 16 de março de 2010

POESIAS

Bendito o que, na terra, o fogo fez e o teto / e o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo / e o que encontrou a enxada, e o que, do chá abjeto / fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo / e o que o ferro forjou, e o piedoso arquiteto / que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo/ e o que os fios urdiu, e o que achou o alfabeto / e o que deu uma esmola ao primeiro mendigo / e o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano / e o que inventou o canto e o que criou a lira / e o que domou o raio, e o que alçou o aeroplano / mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo / descobriu a esperança, a divina mentira / dando ao homem o dom de suportar o mundo! (“Benedicite!” – Olavo Bilac).

Este, que um deus cruel arremessou à vida / marcando-o com o sinal da sua maldição / - Este desabrochou como a erva má, nascida / apenas para aos pés ser calcada no chão. / De motejo em motejo arrasta a alma ferida... / Sem constância no amor, dentro do coração / sente, crespa, crescer a selva retorcida / dos pensamentos maus, filhos da solidão. / Longos dias sem sol! Noites de eterno luto! / Alma cega, perdida à toa no caminho! / Rôto casco de nau, desprezado no mar! / E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto / e, homem, há de morrer como viveu: sozinho! / Sem ar! Sem luz! Sem Deus! Sem fé! Sem pão! Sem lar! (“Só” – idem).

Só a leve esperança, em toda a vida / disfarça a pena de viver, mais nada / nem é mais a existência, resumida / que uma grande esperança malograda. / O eterno sonho da alma desterrada / sonho que a traz ansiosa e embevecida/ é uma hora feliz, sempre adiada / e que não chega nunca em toda a vida./ Essa felicidade que supomos / árvore milagrosa que sonhamos / toda arreada de dourados pomos / existe, sim: mas nós não a alcançamos / porque está sempre apenas onde a pomos / e nunca a pomos onde nós estamos. (“Velho tema” – Vicente de Carvalho).

Ó cisnes brancos, cisnes brancos / por que viestes, se era tão tarde? / O sol não beija mais os flancos / da montanha onde morre a tarde./ Ó cisnes brancos, dolorida / minha alma sente dores novas. / Cheguei à terra prometida: / é um deserto cheio de covas. / Voai para outras risonhas plagas / cisnes brancos! Sêde felizes.../ Deixai-me com as minhas chagas / e só com as minhas cicatrizes. /.../ (“O cisnes brancos” – Affonso Guimaraens).

O teu nome senhora, é a estrela da alva / que entre alfombras de nuvens irradia: / salmo de amor, canto de alívio, e salva / de palmas a saudar a luz do dia. / Pela primeira vez, quando a veste alva / a mão do sacerdote me vestia / ouvi-o: e na hora batismal, oh! Salva / a alma que o santo nome repetia. / Foram-se os anos... e sonho que me segue / a doçura infinita dos teus olhos / que me dão luzes para que eu não cegue: / Doce clarão de estrelas em fins da tarde / que há de encontrar-me trêmulo, de giolhos / com remorso de te adorar tão tarde. (“O teu nome senhora” – idem)

Quando Ismália enlouqueceu / pôs-se na torre a sonhar / Viu uma lua no céu / viu outra lua no mar. / No sonho em que se perdeu / banhou-se toda em luar / queria subir ao céu / queria descer ao mar / e, no desvairo seu / na torre pôs-se a cantar / estava perto do céu / estava longe do mar / e como um anjo pendeu / as asas para voar / queria a lua do céu / queria a lua do mar. / As asas que Deus lhe deu / ruflaram de par em par / sua alma subiu ao céu / seu corpo desceu ao mar. (“Ismália” – idem).

Quem foi que viu a minha dor chorando?! / Saio. Minha alma sai agoniada./ Andam monstros sombrios pela estrada / e pela estrada, entre estes monstros, ando! / Não trago sobre a túnica fingida / as insígnias medonhas do infeliz / como os falsos mendigos de Paris / na atra rua de Santa Margarida. / O quadro de aflições que me consomem / o próprio Pedro Américo não pinta / Para pintá-lo, era preciso a tinta / feitas de todos os tormentos do homem! / ... / Bati nas pedras dum tormento rude / e a minha mágoa de hoje é tão intensa / que eu penso que a alegria é uma doença / e que a tristeza é minha única saúde! / ... / Vou enterrar agora a harpa boêmia / na atra e assombrosa solidão feroz / onde não cheguem o eco duma voz / e o grito desvairado da blasfêmia! / ... / Seja esta minha queixa derradeira / cantada sobre o túmulo de Orfeu / seja este, enfim, o último canto meu / por esta grande noite brasileira! / Melancolia! Estende-me a tua asa! / És a árvore em que devo reclinar-me / se algum dia o prazer vier procurar-me / dize a este monstro que eu fugi de casa! (“Queixas noturnas” – Augusto dos Anjos).

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo! / O amor na humanidade é uma mentira. / É. E é por isto que na minha lira / de amores fúteis poucas vezes falo. / .../ Pois é mister que, para o amor sagrado / o mundo fique imaterializado / - Alavanca desviada do seu fulcro - / e haja só amizade verdadeira / duma caveira para outra caveira / do meu sepulcro para o seu sepulcro?! (“Idealismo” – idem).

Agora, sim! Vamos morrer reunidos / tamarindo de minha desventura / tu, com o envelhecimento da nervura / eu, com o envelhecimento dos tecidos!/ Ah! Esta noite é a noite dos vencidos! / E a podridão, meu velho! E essa futura / ultra-fatalidade de ossatura / a que nos acharemos reduzidos! / Não morrerão, porém, tuas sementes! / E assim, para o futuro, em diferentes / florestas, vales, selvas, glebas, trilhos / na multiplicidade dos teus ramos / pelo muito que em vida nos amamos / depois da morte, inda teremos filhos! (“Vozes da morte” – idem).

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