quinta-feira, 4 de março de 2010

POESIAS

Que importa do nauta o berço / donde é filho, qual seu lar?/ Ama a cadência do verso / que lhe ensina o velho mar!/ Cantai! Que a morte é divina! / Resvala o brigue à bolina / como golfinho veloz / presa ao mastro da mezena / saudosa bandeira acena / as vagas que deixa após. / (...) / Desce o espaço imenso, ó águia do oceano! / desce mais... ainda mais... não pode olhar humano / como o teu mergulhar no brigue voador! / Mas que vejo eu aí... que quadros d´amarguras! / É canto funeral!... Que tétricas figuras!... / Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! / Era um sonho dantesco... o tombadilho / que das luzernas avermelha o brilho / em sangue a se banhar. / Tinir de ferros... estalar de açoite... / Legiões de homens negros como a noite / horrendos a dançar... / (...) / Quem são estes desgraçados / que não encontram em vós / mais que o rir calmo da turba / que excita a fúria do algoz? / Quem são? Se a estrela se cala / se a vaga opressa resvala / como um cúmplice fugaz / perante a noite confusa... / Dize-o tu, severa Musa / Musa libérrima, audaz!... / São os filhos do deserto / onde a terra esposa a luz. / Onde vive em campo aberto / a tribo dos homens nus... / São os guerreiros ousados / que com os tigres mosqueados / combatem na solidão. / Ontem simples, fortes, bravos... / Hoje míseros escravos / sem luz, sem ar, sem razão.../ Auriverde pendão de minha terra / que a brisa do Brasil beija e balança / estandarte que a luz do sol encerra / e as promessas divinas da esperança... / Tu que da liberdade após a guerra/ foste hasteado dos heróis na lança / antes te houvessem roto na batalha / que servires a um povo de mortalha! / (...) / (“O navio negreiro” – Castro Alves).
Não sabes, criança? Estou louco de amores.../ Prendi meus afetos, formosa Pepita./ Mas, onde? No templo, no espaço, nas névoas?/ Não rias, prendi-me num laço de fita./ Na selva sombria de tuas madeixas / nos negros cabelos da moça bonita / fingindo a serpente qu´enlaça a folhagem / formoso enroscava-me o laço de fita./ Meu ser, que voava nas luzes da festa / qual pássaro bravo, que os ares agita / eu vi de repente cativo, submisso / rolar prisioneiro num laço de fita./ (...) / (“O laço de fita” – Castro Alves).

É noite! As sombras correm nebulosas./ Vão três pálidas virgens silenciosas / através da procela irrequieta./ Vão três pálidas virgens...vão sombrias / rindo colar num beijo as bocas frias.../ na fronte cismadora do Poeta./ “Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença. / Sou eu quem te sepulta a idéia imensa / que no teu nome a escuridão projeta.../ Fui eu que te vesti do meu sudário.../ Que vais fazer tão triste e solitário?...”/ “Eu lutarei”, responde-lhe o Poeta./ “Saúde, meu irmão! Eu sou a Fome./ Sou eu quem o teu negro pão consome.../ o teu mísero pão, mísero atleta!/ Hoje, amanhã, depois...depois (qu´importa?) / virei sempre sentar-me à tua porta...”/ “Eu sofrerei”, responde-lhe o Poeta./ “Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte./ Suspende em meio o hino augusto e forte./ Marquei-te a fronte, mísero profeta!/ Volve ao nada! Não sentes neste enleio / teu cântico gelar-se no meu seio?” / “Eu cantarei no céu”, diz-lhe o Poeta! (“As três irmãs do poeta” – Castro Alves).

Oh! Eu quero viver, beber perfumes / na flor silvestre, que embalsama os ares;/ ver minh´alma adejar pelo infinito / qual branca vela n´amplidão dos mares./ No seio da mulher há tanto aroma.../ nos seus beijos de fogo há tanta vida.../ Árabe errante, vou dormir à tarde / à sombra fresca da palmeira erguida./ Mas uma voz responde-me sombria:/ terás o sono sob a lájea fria./ Morrer...quando este mundo é um paraíso / e a alma um cisne de douradas plumas:/ não, o seio da amante é um lago virgem.../ quero boiar à tona das espumas./ Vem! Formosa mulher – camélia pálida / que banharam de prantos as alvoradas./ Minh´alma é a borboleta, que espaneja / o pó das asas lívidas, douradas.../ e a mesma voz repete-me terrível / com gargalhar sarcástico: - Impossível! / (...) / (“Mocidade e morte” – Castro Alves).

Ser palmeira! Existir num píncaro azulado / vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando / dar ao sopro do mar o seio perfumado / ora os leques abrindo, ora os leques fechando / Só do meu cimo, só de meu trono, os rumores / do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol / e no azul dialogar com o espírito das flores / que invisível ascende e vai falar ao sol / Sentir romper do vale e a meus pés, rumorosa / dilatar-se e cantar a alma sonora e quente / das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa / dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente / (...) / Que bom dizer então bem alto ao firmamento / o que outrora jamais – homem – dizer não pude / da menor sensação ao máximo tormento / quanto passa através minha existência rude! / (...) / E isto que aqui não digo então dizer: - que te amo / mãe natureza! Mas de modo tal que o entendas / como entendes a voz do pássaro no ramo / e o eco que têm no oceano as borrascas tremendas / (...) / (“Aspiração” – Alberto de Oliveira).

Vai-se a primeira pomba despertada... / vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas / de pombas vão-se dos pombais, apenas / raia sangüínea e fresca a madrugada... / E à tarde, quando a rígida nortada / sopra, aos pombais de novo elas, serenas / ruflando as asas, sacudindo as penas / voltam todas em bando e em revoada... / Também dos corações onde abotoam / os sonhos, um por um, céleres voam / como voam as pombas dos pombais / no azul da adolescência as asas soltam / fogem ... mas aos pombais as pombas voltam / e eles aos corações não voltam mais... / (“As pombas” – Raymundo Correia).
Se a cólera que espuma, a dor que mora / n´alma, e destrói cada ilusão que nasce / tudo o que punge, tudo o que devora / o coração, no rosto se estampasse / se pudesse, o espírito que chora / ver através da máscara da face / quanta gente, talvez, que inveja agora / nos causa, então piedade nos causasse! / Quanta gente que ri, talvez, consigo / guarda um atroz, recôndito inimigo / como invisível chaga cancerosa! / Quanta gente que ri, talvez existe / cuja ventura única consiste / em parecer aos outros venturosa! (“Mal secreto” – idem).

Alta, a frescura da magnólia fresca / da cor nupcial da flor da laranjeira / doces tons d´ouro de mulher tudesca / na veludosa e flava cabeleira. / (...)/ Radiava nela a incomparável messe / da saúde brotando vigorosa / como o sol que entre névoas resplandece / por entre a fina pele cor de rosa. / Era assim luminosa e delicada / tão nobre sempre de beleza e graça / que recordava pompas de alvorada / sonoridades de cristais de taça. / Mas, pouco a pouco, a ideal delicadeza / daquele corpo virginal e fino / sacrário da mais límpida beleza / perdeu a graça e o brilho diamantino. / Tísica e branca, esbelta, frígida e alta / e fraca e magra e transparente e esguia / tem agora a feição de ave pernalta / de um pássaro alto de aparência fria. / Mãos liriais e diáfanas, de neve / rosto onde um sonho aéreo e polar flutua / ela apresenta a fluidez, a leve / Ondulação da vaporosa lua. / (...) / (“Tuberculosa” – Cruz e Souza).
Ah! Plangentes violões dormentes, mornos / soluços ao luar, choros ao vento... / tristes perfis, os mais vagos contornos / bocas murmurejantes de lamento. / Noites de além, remotas, que eu recordo/ noites da solidão, noites remotas / que nos azuis da fantasia bordo / vou constelando de visões ignotas. / Sutis palpitações à luz da lua / anseios dos momentos mais saudosos / quando lá choram, na deserta rua / as cordas vivas dos violões chorosos. / (...) / Harmonias que pungem, que laceram / dedos ágeis e nervosos que percorrem / cordas e um mundo de dolência geram / gemidos, prantos que no espaço morrem... / (...) / Vozes veladas, veludosas vozes / volúpias dos violões, vozes veladas / vagam nos velhos vórtices velozes / dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. / Tudo nas cordas dos violões ecoa / e vibra e se contorce no ar, convulso... / Tudo na noite, tudo clama e voa / sob a febril agitação de um pulso. / Que esses violões nevoentos e tristonhos / são ilhas de degredo atroz, funéreo / para onde vão, fatigadas do sonho / almas que se abismaram no mistério./ (...) / Tipos intonsos, esgrouviados, tortos / das luas tardas sob o beijo níveo / para os enterros dos seus sonhos mortos / nas queixas dos violões buscando alívio. / (...) / Veteranos de todas as campanhas / enrugados por fundas cicatrizes / procuram nos violões horas estranhas / vagos aromas, cândidos, felizes. / Ébrios antigos, vagabundos velhos / torvos despojos da miséria humana / têm nos violões secretos evangelhos / toda a bíblia fatal da dor insana. / (...) (“Violões que choram” – Cruz e Souza).

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