quarta-feira, 10 de março de 2010

LUZ3

Terceira parte.

O ato de conhecer supõe inteligência. Deus, seres espirituais, fenômenos naturais, são fontes aonde a inteligência humana vai se abeberar. No ato de conhecer, a pessoa é sujeito; no fato de ser investigada e conhecida, a pessoa é objeto. A inteligência natural manifesta-se no mundo físico como lei: agrupa partículas de energia em átomos, diversifica-os e os organiza de diferentes modos em moléculas, dando origem à matéria. Essa inteligência subjaz na gênese e no desenvolvimento do ser vivo: faz o vegetal produzir a semente que o renovará; orienta o animal em direção ao alimento, à água, ao acasalamento, ao abrigo, compondo os instintos. A organização das formigas e das abelhas evidencia tal inteligência, inclusive com engenhosos expedientes para enfrentar e transpor obstáculos. Em laboratório, ratos e macacos mostram capacidade de aprender.

Documentários exibidos na televisão mostram a dinâmica dessa inteligência natural. Um deles exibe cenas em que animais irracionais celebram acordo tácito. A zebra, à morte por exaustão, foi atacada por hienas. A leoa, seguida dos filhotes, aproximou-se do banquete mansamente. As hienas afastaram-se raivosas e se mantiveram a curta distância. A leoa tomou assento em uma das extremidades da zebra já morta e começou a refeição junto com os filhotes. Cautelosamente, as hienas se aproximaram e tomaram assento na extremidade oposta. Cada qual no seu lado, apesar de inimigos, leões e hienas participaram do banquete sem se molestarem reciprocamente.

Observando e estudando a natureza e a si próprio, o ser humano aprende, armazena e transmite o que aprendeu servindo-se dos sentidos e das faculdades mentais. Do pensamento e da ação do ser humano surge o mundo da cultura. Como espécie animal produtora de cultura, o ser humano é fonte de todos os valores; como buscador da luz, ele dispõe da natureza, do acervo cultural da humanidade e da sua própria experiência de vida.

Do ponto de vista místico e por analogia com o campo de gravitação dos astros e com a aura humana é possível imaginar um campo vibratório em torno do planeta onde se acha arquivado o conhecimento acumulado pela humanidade. Nessa auréola planetária encontrar-se-iam os arquétipos de que falava Platão. À semelhança dessa imagem, outras se criam: um grupo de pessoas que se reúne regularmente forma atmosfera impregnada de idéias, sentimentos e propósitos denominada consciência coletiva. Na esfera espiritual, a aura dos mestres propicia conhecimento e inspiração às pessoas que com ela entram em contacto. O canal de acesso a essa esfera pode se abrir ao acaso, num momento de intenso sofrimento e de necessidade extrema, que coloca a pessoa em estado de momentâneo merecimento. Abrir-se-á, também, pelo preparo do buscador: reflexão, meditação, dedicação constante e regular aos assuntos divinos e às práticas místicas. Esse caminho requer paciência, perseverança e uma atitude de fé e desprendimento.

Entre os objetivos do ser humano está o de conhecer a estrutura e o funcionamento do mundo espiritual, do mundo natural e do mundo cultural. Nessa atividade cognoscitiva ele especula sobre a existência, forma, substância e poder de Deus; sobre a existência do mundo espiritual, o perfil dos seus habitantes e a hierarquia entre eles; sobre os arquétipos e os vínculos com o mundo natural e cultural; estuda e procura explicar os fenômenos da natureza, os princípios e leis que os regem; estuda e procura compreender a si próprio, seus órgãos e funções, as operações da inteligência, as ações externas e sua organização social, política e econômica. O ser humano questiona até a sua capacidade para conhecer e chegar à verdade; tomado pelo ceticismo, coloca em dúvida o seu saber.

O conhecimento obtido pode ser falso ou verdadeiro. A verdade não é algo substancial, não é uma coisa em si; trata-se de uma relação entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. Na base de muitas divergências no âmbito da ciência, da filosofia, da religião e do misticismo, está o equívoco de considerar a verdade como substância. Do ponto de vista ontológico, todas as coisas materiais são verdadeiras, tal como enuncia o princípio da identidade: o que é, é; as coisas são o que são e ponto final. Um anel de vidro é um anel de vidro; se alguém disser que é de diamante, a falsidade estará na afirmação e não no anel; se alguém o fabricar para que seja tomado por diamante, a falsidade estará no fabricante e não no anel; por mera força de expressão se diz que o anel é falso. Verdade e falsidade são relações lógicas: o pensamento verdadeiro corresponde exatamente ao objeto tal qual é; o pensamento falso escapa a essa correspondência.

Diz-se falsa, a palavra que não corresponde ao pensamento. No campo da falsidade encontram-se: o mentiroso, aquele que sabendo a verdade afirma o contrário; o hipócrita, aquele que finge sentir e pensar algo que não sente e nem pensa; o estelionatário, aquele que induz o outro em erro mediante artifício ou ardil, a fim de obter vantagem. A verdade, pois, além de ser um problema gnosiológico é também um problema ético e jurídico, uma vez que a falsidade pode ser voluntária. Nas suas relações e experiência de vida comunal, os seres humanos percebem a necessidade da verdade e a utilidade da falsidade.

A verdade figura como valor fundamental ao lado da justiça, da bondade, da beleza e da santidade. Ser veraz é dever moral, prova de honestidade. Louva-se a verdade e condena-se a falsidade voluntária, a mentira, a hipocrisia, o estelionato. Entretanto, na vida em sociedade nem sempre há lugar para a verdade. Há situações em que tem lugar a mentira piedosa, como no caso de doença letal ou de acidente grave, quando o dever de caridade prepondera sobre o dever de veracidade. Tolera-se, também, a mentira brejeira, como a contada em reunião social para divertir e não se exige rigor lógico nem se questiona a honestidade do contador. Bem conhecidas, no Brasil, as lorotas de pescador.

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