quinta-feira, 18 de março de 2010

AMOR

Primeira parte.

Os cientistas do século XX e primeira década do século XXI não chegaram a um definitivo acordo sobre a origem do universo. Atribuem-na a uma grande explosão de energia concentrada. Dessa explosão inicial surgiram em escala microscópica e macroscópica: a matéria, o tempo, o espaço e o movimento. A vingar essa teoria, é lícito supor, até onde permite o entendimento humano, que a grande explosão foi precedida de um processo de concentração de energia.

O problema da ciência, pois, consiste em explicar a fonte dessa energia, o processo da sua concentração até o ponto de explodir e como isso aconteceu sem que houvesse tempo, espaço e movimento. Concentrar energia supõe dinamismo e quem diz dinamismo, diz movimento. Não pode haver movimento se não houver espaço. O movimento no espaço demanda tempo. Pode-se aventar a hipótese de ser a concentração o estado inicial, sem qualquer processo antecedente. Aplicar-se-ia ou inventar-se-ia, então, algum outro termo, pois concentrar significa trazer para o centro, o que exige movimento, espaço e tempo.

Para alguns cientistas, essa questão encontra limite em Deus. A fonte primordial daquela energia é Deus, de cujo inteligente poder tudo se originou. A mente divina concentrou-se na sua própria energia e a fez explodir. A concentração, pois, não teria sido da energia e sim da força do pensamento divino. Outros cientistas preferem continuar a busca de explicação científica fora da metafísica: a origem divina é muito cômoda e depõe contra a capacidade humana de encontrar a verdade final. A teoria definitiva sobre o universo e a unificação das forças fundamentais da natureza perseguida pelos cientistas contemporâneos, como Stephen Hawking (O Universo em uma Casca de Noz) e Brian Greene (O Universo Elegante), talvez seja elaborada neste século XXI, através de equações e soluções matemáticas a partir da mecânica quântica.

Na seara mística, chega-se à unificação das forças da natureza por outro método. Toma-se por axiomática a existência de Deus, que se manifesta como vida, luz e amor. Parte-se do postulado de que Deus é a fonte da vida (alma essencial) que leva em si a luz (inteligência essencial) e o amor (força afetiva essencial). A vida, energia fundamental inteligente e amorosa, deu origem ao universo. Em si mesmo e para si mesmo, independentemente de tempo e espaço, após concentrar o pensamento sobre a sua própria energia, Deus emitiu o som fundamental, a palavra sagrada, o verbo divino do qual surgiu o mundo. Para os místicos orientais, o som mágico e divino foi OM, som da explosão inicial que aparelhos científicos procuram captar nos céus do universo.

Admite-se a possibilidade de o universo não ter começo nem fim justamente por vibrar em vida, luz e amor no seio de Deus. Em termos humanos, essa possibilidade é apreendida como teísmo essencial e panteísmo existencial: transcendência no ser e imanência no existir. Os limites temporais e espaciais do ser humano levam-no a imaginar que tudo deve ter um começo e um fim, inclusive o universo; que a expansão atual atingirá um limite a partir do qual o universo se contrairá até o ponto máximo e tornará a explodir: sístole e diástole eternas. Ainda que se admita um começo e um fim do universo, alfa e ômega, a grande explosão inicial terá sido uma explosão de vida, luz e amor.

Amor, invencível amor, tu que subjugas os mais poderosos; tu, que repousas nas faces mimosas das virgens; tu que reinas, tanto na vastidão dos mares, como na humilde cabana do pastor; nem os deuses imortais, nem os homens de vida transitória podem fugir a teus golpes; e quem for por ti ferido, perde o uso da razão! Tu arrastas, muita vez, o justo à prática da injustiça, e o virtuoso, ao crime; tu semeias a discórdia entre as famílias... Tudo cede à sedução de uma mulher formosa, de uma noiva ansiosamente desejada; tu, amor, te equiparas, no poder, às leis supremas do universo, porque Vênus zomba de nós! (“Antígona” – Sófocles).

A noção comum de amor é a de sentimento humano: afeição a pessoas e coisas; paixão atrativa entre pessoas de sexo oposto ou do mesmo sexo; desejo de possuir pessoas e coisas; ternura, brandura, carinho. Os pais são o primeiro amor dos filhos, condimentado com o complexo de Édipo e Electra. O segundo amor é o de um irmão pelo outro, acompanhado de rivalidade, como simbolizado por Abel e Caim na bíblia hebraica. Outros amores surgem por amigos, professores, artistas, namorados, cônjuges; amores vividos e amores platônicos na infância, na adolescência e na maturidade. Alvos do amor também são: a casa, o jardim, a boneca, a bicicleta, o automóvel, a profissão, a obra de arte, o livro, o cão, o pássaro no viveiro, o peixinho no aquário. Esses amores a pessoas, animais, coisas, deuses e santos são acompanhados de maior ou menor devoção. No seu grau mais agudo, chegam à veneração.

No sentido cósmico, amor significa a força afetiva da vida que permeia o universo. Assim como a inteligência, o amor é inerente à vida. Essa força afetiva atrai as partículas – elétrons, prótons, nêutrons – formando átomos; atrai átomos formando moléculas; atrai moléculas formando a matéria. O amor responde pela atração e pela coesão das partículas no átomo, das moléculas na matéria bruta, das células nos tecidos, dos órgãos no corpo. A gravitação e o magnetismo são expressões dessa força afetiva da vida chamada amor. Em nível microscópico há duas forças nucleares que expressam o amor: a que se convencionou chamar de forte, que mantém prótons e nêutrons unidos no interior do núcleo atômico e a que se convencionou chamar de fraca, que responde pela desintegração radioativa. Quando o amor enfraquece, a matéria se desintegra até o seu estado inicial de pura energia; as partículas retornam à sua liberdade anárquica para depois serem reunidas novamente pelo moto-contínuo da vida.

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