Depois da derrota da seleção
brasileira na Copa de 2014, entidades esportivas, jogadores, treinadores,
torcedores, jornalistas, bradam por mudanças imediatas no futebol brasileiro.
Essas mudanças podem ser de dois tipos: estrutural e funcional.
A mudança estrutural é a mais urgente. Inegável e insofismável o
interesse nacional na organização da seleção brasileira de futebol. Entre os
objetivos fundamentais da república brasileira está o de promover o bem de
todos. O bem cultural entra nessa pluralidade, incluído na ordem social. O
futebol é um bem cultural da nação brasileira. A sua transferência da esfera
privada para a esfera pública ampara-se nos dispositivos constitucionais que
estabelecem como dever do Estado a democratização do acesso aos bens culturais
e o fomento às práticas desportivas. O novo dispositivo a ser introduzido na
Constituição com base nesses preceitos dará tratamento específico à seleção
ante o seu alto valor para a cultura popular. A seleção refletirá a vontade do
povo e não a caprichosa e autocrática vontade do presidente da Confederação
Brasileira de Futebol - CBF. Emenda à Constituição Federal poderá introduzir o
artigo 217-A, criando um órgão estatal de composição mista: pessoas indicadas
pela Câmara dos Deputados, pelo Ministério dos Esportes, pela CBF e por
associações de árbitros, jogadores e jornalistas. Esse órgão colegiado,
autônomo e representativo terá a exclusiva competência de organizar e
administrar a seleção. Por representar o Brasil de modo significativo no
cenário mundial a seleção não deve mais ficar na esfera privada. O novo órgão
propiciará benéfico distanciamento dos interesses econômicos privados. A
seleção livrar-se-á das idiossincrasias dos dirigentes da CBF. A formação do
elenco dependerá menos da simpatia ou antipatia de tais dirigentes em relação
aos jogadores. Simpático ou não, lobo ou cordeiro, o atleta selecionado deve
estar em forma, exercer bem a sua função em campo e manter os laços de
solidariedade e urbanidade com os membros da equipe.
A mudança funcional ocorre normalmente quando a seleção brasileira
sai perdedora em copas do mundo. Mudam o treinador, a comissão técnica e
jogadores. Assim foi no passado e assim acontece no presente. Convenhamos: há
mérito em obter o 4º lugar no
torneio mundial com 32 seleções de
nível médio e superior. Nas 20
edições da copa do mundo as seleções brasileiras perderam 15, fato que os torcedores sepultaram no fundo da memória (com
exceção da derrota sofrida em 1950). Os torcedores gostam de recordar somente
as 5 vitórias das quais apenas duas
foram consecutivas (1958 e 1962). O novo treinador (Dunga) é tão bom quanto os
antecessores e outros treinadores em atividade. Convocar
jogadores jovens e veteranos desde que todos estejam em plena forma física,
técnica e psicológica foi iniciativa sensata. Ele provou sua qualificação ao
dirigir a seleção de 2010. Imaturos, Ganso e Neymar não foram convocados
naquela ocasião. Posteriormente, verificou-se o acerto da exclusão. Na partida
final do torneio mundial de clubes os dois já entraram derrotados do ponto de
vista psicológico (18.12.2011). Suplicando as bênçãos do ídolo Messi, eles
dobraram a espinha frente aos catalães. Ganharam um “chocolate” (4x0). Este não
é o perfil de jogador adequado para uma seleção que outrora não se intimidava
diante de adversários fortes ou de estrelas estrangeiras. O treinador Scolari
também não convocou Ganso para integrar a seleção de 2014. Convocado, Neymar
teve um desempenho discreto. O treinador Scolari porta bom currículo. Ao ser
escolhido para dirigir a seleção ele foi aplaudido e incensado pela imprensa, a
mesma que agora lhe aponta o dedo acusador. O atual treinador (Dunga) tem justo
motivo para se manter reservado diante dessa imprensa volúvel e leviana.
A preocupação maior desse
jornalismo chinfrim não é com a seleção e sim com a audiência das suas
emissoras e com a venda dos jornais e revistas. Para satisfazer seus interesses
esse jornalismo rompe com os limites da ética e do direito. Com petulância e
desfaçatez os jornalistas dessa laia invadem a privacidade alheia, buscam saber
a cor da cueca do jogador ou da calcinha da namorada, distorcem o que foi dito
nas entrevistas e reportagens, perturbam o trabalho da equipe esportiva
tomando-lhe o tempo e pretendendo impor-lhe diretrizes. O atual treinador é
contra a badalação que desassossega o grupo. Tal qual Leonel Brizola, gaúcho
como ele, Dunga não se deixa seduzir pela luz dos holofotes, não se conduz pela
conversa e nem se intimida com a agressividade e a pressão desses jornalistas.
Tampouco se impressiona com jornalista do tipo folgado e gozador que se vale do
deboche como armadura para esconder frouxidão e covardia. Por tudo isto,
a ala carnavalesca da imprensa não gosta do treinador Dunga e não perde ocasião
para fustigá-lo. Jornalistas mequetrefes aproveitam-se da profissão para
excretar ódio e veneno pela boca. Manipulam consultas ao povo para provar
falsamente a rejeição do treinador e indispô-lo com a opinião pública. Contra a
evidência dos fatos, essa malta de difamadores esforça-se para desqualificar o
bom trabalho desse treinador. Patrulhamento indecoroso. Jornalismo da pior
espécie.
Dentre os poucos esquemas táticos
existentes, cada treinador escolhe o da sua preferência. Há esquemas ofensivos,
há esquemas defensivos e há esquemas que conciliam os extremos. Os brasileiros
imitam os estrangeiros no coletivo. Os estrangeiros tentam imitar os
brasileiros no individual. Fundada no caráter coletivo do futebol, a
robotização aprimorou a técnica do conjunto e reduziu o espaço da criatividade
individual e do improviso. A seleção holandesa de 1974 foi o primeiro modelo.
Depois, veio o modelo espanhol (2010) e, agora, o alemão (2014). Apesar do
longo preparo, a seleção germânica penou para vencer a platina. O sofrido gol
da vitória, único da partida, só aconteceu no final da prorrogação.
No que tange à disciplina em
campo, as mudanças mais urgentes estão na regra do impedimento e na punição da
violência. Só o impedimento passivo conhecido como “banheira” deve permanecer
como infração. A maliciosa esperteza viola o dever de lealdade. A nova regra ou
a interpretação da regra atual deve considerar legal a invasão do espaço
desprotegido quando: (1) ocorre na seqüência da jogada a partir do espaço
protegido; (2) for subseqüente à cobrança de falta ou de escanteio; (3) a
defesa se afasta para deixar o adversário sozinho no momento do lançamento da
bola. Diante desta mudança a defesa omissa não será mais beneficiada, a
malandragem em campo não terá sucesso, as jogadas bonitas não mais serão interrompidas
porque o atacante está com a ponta da chuteira no espaço desprotegido, a
arbitragem exibirá a face mais séria e pedagógica do esporte e muitos equívocos
prejudiciais ao espetáculo e ao resultado do jogo serão evitados. Cotovelada
dolosa ou culposa no rosto do adversário deve ser punida com expulsão sem
margem de tolerância. O jogador profissional deve ter habilidade suficiente
para evitar que seu cotovelo, seu braço ou sua mão atinjam o rosto do
adversário ainda que “sem querer”. A presunção de ingenuidade e inocência do
agressor é incompatível com o nível profissional e com a realidade.
Houve sensível melhora no rendimento das equipes em
todo o mundo desde que se adotou, ainda no século XX, o planejamento tático, a
análise dos jogos filmados, o ensaio das jogadas, a disciplina coletiva, a
formação de jogadores a partir das categorias de base (infantil e juvenil). Aos
jogadores são destinadas camisas, chuteiras e caneleiras de material e modelo
especiais para maior conforto. Os jogadores de seleção e dos melhores clubes
são assistidos por médicos, psicólogos, nutricionistas, massagistas e
professores de educação física. Eles têm à sua disposição alimentação
balanceada, aparelhos de ginástica de última geração tecnológica, acomodações
higiênicas e confortáveis. O aprimoramento técnico deles exige disciplina,
esforço, dedicação, repetição de movimentos à exaustão. Condicionam-se
reflexos. A união da capacidade técnica com o talento faz um excelente jogador.
Técnica se adquire. Talento é inato, mas inútil se não for cultivado.
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