domingo, 27 de julho de 2014

SELEÇÃO



Depois da derrota da seleção brasileira na Copa de 2014, entidades esportivas, jogadores, treinadores, torcedores, jornalistas, bradam por mudanças imediatas no futebol brasileiro. Essas mudanças podem ser de dois tipos: estrutural e funcional. 

A mudança estrutural é a mais urgente. Inegável e insofismável o interesse nacional na organização da seleção brasileira de futebol. Entre os objetivos fundamentais da república brasileira está o de promover o bem de todos. O bem cultural entra nessa pluralidade, incluído na ordem social. O futebol é um bem cultural da nação brasileira. A sua transferência da esfera privada para a esfera pública ampara-se nos dispositivos constitucionais que estabelecem como dever do Estado a democratização do acesso aos bens culturais e o fomento às práticas desportivas. O novo dispositivo a ser introduzido na Constituição com base nesses preceitos dará tratamento específico à seleção ante o seu alto valor para a cultura popular. A seleção refletirá a vontade do povo e não a caprichosa e autocrática vontade do presidente da Confederação Brasileira de Futebol - CBF. Emenda à Constituição Federal poderá introduzir o artigo 217-A, criando um órgão estatal de composição mista: pessoas indicadas pela Câmara dos Deputados, pelo Ministério dos Esportes, pela CBF e por associações de árbitros, jogadores e jornalistas. Esse órgão colegiado, autônomo e representativo terá a exclusiva competência de organizar e administrar a seleção. Por representar o Brasil de modo significativo no cenário mundial a seleção não deve mais ficar na esfera privada. O novo órgão propiciará benéfico distanciamento dos interesses econômicos privados. A seleção livrar-se-á das idiossincrasias dos dirigentes da CBF. A formação do elenco dependerá menos da simpatia ou antipatia de tais dirigentes em relação aos jogadores. Simpático ou não, lobo ou cordeiro, o atleta selecionado deve estar em forma, exercer bem a sua função em campo e manter os laços de solidariedade e urbanidade com os membros da equipe.

A mudança funcional ocorre normalmente quando a seleção brasileira sai perdedora em copas do mundo. Mudam o treinador, a comissão técnica e jogadores. Assim foi no passado e assim acontece no presente. Convenhamos: há mérito em obter o lugar no torneio mundial com 32 seleções de nível médio e superior. Nas 20 edições da copa do mundo as seleções brasileiras perderam 15, fato que os torcedores sepultaram no fundo da memória (com exceção da derrota sofrida em 1950). Os torcedores gostam de recordar somente as 5 vitórias das quais apenas duas foram consecutivas (1958 e 1962). O novo treinador (Dunga) é tão bom quanto os antecessores e outros treinadores em atividade. Convocar jogadores jovens e veteranos desde que todos estejam em plena forma física, técnica e psicológica foi iniciativa sensata. Ele provou sua qualificação ao dirigir a seleção de 2010. Imaturos, Ganso e Neymar não foram convocados naquela ocasião. Posteriormente, verificou-se o acerto da exclusão. Na partida final do torneio mundial de clubes os dois já entraram derrotados do ponto de vista psicológico (18.12.2011). Suplicando as bênçãos do ídolo Messi, eles dobraram a espinha frente aos catalães. Ganharam um “chocolate” (4x0). Este não é o perfil de jogador adequado para uma seleção que outrora não se intimidava diante de adversários fortes ou de estrelas estrangeiras. O treinador Scolari também não convocou Ganso para integrar a seleção de 2014. Convocado, Neymar teve um desempenho discreto. O treinador Scolari porta bom currículo. Ao ser escolhido para dirigir a seleção ele foi aplaudido e incensado pela imprensa, a mesma que agora lhe aponta o dedo acusador. O atual treinador (Dunga) tem justo motivo para se manter reservado diante dessa imprensa volúvel e leviana.

A preocupação maior desse jornalismo chinfrim não é com a seleção e sim com a audiência das suas emissoras e com a venda dos jornais e revistas. Para satisfazer seus interesses esse jornalismo rompe com os limites da ética e do direito. Com petulância e desfaçatez os jornalistas dessa laia invadem a privacidade alheia, buscam saber a cor da cueca do jogador ou da calcinha da namorada, distorcem o que foi dito nas entrevistas e reportagens, perturbam o trabalho da equipe esportiva tomando-lhe o tempo e pretendendo impor-lhe diretrizes. O atual treinador é contra a badalação que desassossega o grupo. Tal qual Leonel Brizola, gaúcho como ele, Dunga não se deixa seduzir pela luz dos holofotes, não se conduz pela conversa e nem se intimida com a agressividade e a pressão desses jornalistas. Tampouco se impressiona com jornalista do tipo folgado e gozador que se vale do deboche como armadura para esconder frouxidão e covardia. Por tudo isto, a ala carnavalesca da imprensa não gosta do treinador Dunga e não perde ocasião para fustigá-lo. Jornalistas mequetrefes aproveitam-se da profissão para excretar ódio e veneno pela boca. Manipulam consultas ao povo para provar falsamente a rejeição do treinador e indispô-lo com a opinião pública. Contra a evidência dos fatos, essa malta de difamadores esforça-se para desqualificar o bom trabalho desse treinador. Patrulhamento indecoroso. Jornalismo da pior espécie.

Dentre os poucos esquemas táticos existentes, cada treinador escolhe o da sua preferência. Há esquemas ofensivos, há esquemas defensivos e há esquemas que conciliam os extremos. Os brasileiros imitam os estrangeiros no coletivo. Os estrangeiros tentam imitar os brasileiros no individual. Fundada no caráter coletivo do futebol, a robotização aprimorou a técnica do conjunto e reduziu o espaço da criatividade individual e do improviso. A seleção holandesa de 1974 foi o primeiro modelo. Depois, veio o modelo espanhol (2010) e, agora, o alemão (2014). Apesar do longo preparo, a seleção germânica penou para vencer a platina. O sofrido gol da vitória, único da partida, só aconteceu no final da prorrogação.

No que tange à disciplina em campo, as mudanças mais urgentes estão na regra do impedimento e na punição da violência. Só o impedimento passivo conhecido como “banheira” deve permanecer como infração. A maliciosa esperteza viola o dever de lealdade. A nova regra ou a interpretação da regra atual deve considerar legal a invasão do espaço desprotegido quando: (1) ocorre na seqüência da jogada a partir do espaço protegido; (2) for subseqüente à cobrança de falta ou de escanteio; (3) a defesa se afasta para deixar o adversário sozinho no momento do lançamento da bola. Diante desta mudança a defesa omissa não será mais beneficiada, a malandragem em campo não terá sucesso, as jogadas bonitas não mais serão interrompidas porque o atacante está com a ponta da chuteira no espaço desprotegido, a arbitragem exibirá a face mais séria e pedagógica do esporte e muitos equívocos prejudiciais ao espetáculo e ao resultado do jogo serão evitados. Cotovelada dolosa ou culposa no rosto do adversário deve ser punida com expulsão sem margem de tolerância. O jogador profissional deve ter habilidade suficiente para evitar que seu cotovelo, seu braço ou sua mão atinjam o rosto do adversário ainda que “sem querer”. A presunção de ingenuidade e inocência do agressor é incompatível com o nível profissional e com a realidade.  

Houve sensível melhora no rendimento das equipes em todo o mundo desde que se adotou, ainda no século XX, o planejamento tático, a análise dos jogos filmados, o ensaio das jogadas, a disciplina coletiva, a formação de jogadores a partir das categorias de base (infantil e juvenil). Aos jogadores são destinadas camisas, chuteiras e caneleiras de material e modelo especiais para maior conforto. Os jogadores de seleção e dos melhores clubes são assistidos por médicos, psicólogos, nutricionistas, massagistas e professores de educação física. Eles têm à sua disposição alimentação balanceada, aparelhos de ginástica de última geração tecnológica, acomodações higiênicas e confortáveis. O aprimoramento técnico deles exige disciplina, esforço, dedicação, repetição de movimentos à exaustão. Condicionam-se reflexos. A união da capacidade técnica com o talento faz um excelente jogador. Técnica se adquire. Talento é inato, mas inútil se não for cultivado.

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