EUROPA (1600 a
1800). Continuação.
O período dos déspotas na
Europa coincidiu com produções intelectuais que enriqueceram a cultura
ocidental (1600 a
1800). Do exame de fatos sociais verifica-se a atuação de forças subterrâneas
despercebidas no passado que irrompem no presente e assim desvenda-se eventual
mistério da revolução cultural. O movimento social do fim da Idade Média (renascença), a prosperidade forte ou
fraca das camadas média e pobre da sociedade, a descoberta de terras longínquas
e de povos estranhos, são fatores que influíram na produção intelectual
européia dos séculos XVI a XVIII. As mudanças ocorridas no pensamento
artístico, científico e filosófico das quais decorreram uma visão de mundo nova
e um novo comportamento individual e coletivo são agrupadas racionalmente sob o
título de revolução intelectual. A
ênfase dada pelos humanistas italianos ao pensamento matemático de Pitágoras e
de Platão foi importante para o renascimento da investigação científica. A
arquitetura refletiu esse desdobramento. “A
beleza consiste na harmonia das proporções adequadas” (Vitrúvio, arquiteto
romano do século I). “A arquitetura é
música congelada” (Goethe, poeta e filósofo alemão). A consonância visual
no desenho arquitetônico corresponde à consonância auditiva dos intervalos
pitagóricos (música). O princípio pitagórico das proporções incide não apenas
nas artes, mas também no campo científico e nas relações sociais. A teoria da
harmonia gerou um padrão de excelência no campo artístico e científico.
Expressões inspiradas na filosofia de Pitágoras: “Deus é o grande arquiteto do
universo”. “No princípio, deus geometrizou” (ou calculou).
A revolução científica – aspecto da revolução cultural –
caracterizou-se pelo enriquecimento do vocabulário, novos conceitos, métodos e
fundamentos que foram surgindo no cenário europeu. O cientista discerne
permanências no fluxo impetuoso dos fenômenos que ocorrem dentro de uma
realidade cambiante. Tais fenômenos eram estudados sob o nome de Filosofia Natural. Somente no século XIX
foi dado o nome de Ciência ao estudo
metódico e sistemático dos fenômenos naturais. A Ciência tornou-se um dos aspectos poderosos e dominantes da cultura
ocidental. Essa nomenclatura patenteava a autonomia da ciência em relação à filosofia.
De um modo amplo, ciência pode ser
entendida como o estudo racional e sistemático da natureza e da sociedade.
Desde a Idade Antiga houve atividade científica. Todavia, por volta do século
XVII (1601 a
1700) essa atividade foi adquirindo características próprias com intensidade
cada vez maior e se multiplicou em vários ramos. A tônica foi a idéia mecanicista
de um universo governado por leis naturais (regularidades e permanências
observadas na natureza batizadas de “leis” pelos cientistas por analogia com as
leis ditadas pelos homens para governo da sociedade. Algumas dessas leis naturais serviram de guia à conduta
humana e de inspiração ao legislador, ao filósofo e ao místico).
No estágio científico da Idade
Moderna, o animal falante é superado pelo animal calculador. A natureza foi matematizada. “O cálculo tensorial
conhece melhor a Física do que o próprio Físico”, dizia Langevin com proposital
exagero para ressaltar o predomínio da matemática na ciência moderna e o quadro
psicológico do pensamento relativista. A matemática abre novos caminhos à
experiência. Revigora-se a matemática entendida como gramática da dimensão e da
ordem. Na linguagem das grandezas não há lugar para sentimento. No passado, a
técnica da medição e da contagem (medir e calcular) seguiu a trilha das
caravanas e das galeras nas rotas comerciais. Na Idade Moderna, essa técnica
assumiu papel relevante. A razão foi colocada no pedestal. Explica-se a
natureza em linguagem matemática. Verificou-se, entretanto, que a explicação
dos fenômenos naturais nessa linguagem não era por si só garantia de exatidão;
que ciência exata é termo desprovido
de sentido, salvo para específica aplicação, pois, em caráter geral, a exatidão
depende da qualidade dos instrumentos disponíveis e das condições pessoais do
cientista e do ambiente cultural (econômico, político, social). O uso de
artifícios ou expedientes matemáticos não faz da ciência nem mais nem menos
exata. A exatidão do conhecimento depende das circunstâncias e pouco importa se
os seus enunciados são verbais ou matemáticos. Toda lei científica é uma
verdade aproximada e só pode ser usada com segurança quando se conhece os
limites da sua aplicabilidade. Estes limites se esticam ou se estreitam
conforme a precisão desejada.
No passado, a ciência
interessava-se pelo formato das coisas, era mais anatômica do que fisiológica,
preocupava-se com o espaço sem incluir o tempo. Depois da geometria plana que
atendia aos navegantes de superfície dos mares (navios) foi necessária
geometria para atender aos navegantes da profundidade dos mares (submarinos) e
depois a geometria para atender aos navegantes das alturas (aeronaves). A
introdução dos explosivos, do relógio acionado por pesos e do relógio acionado
por molas caracteriza a base material da Idade Moderna: além da energia animal
(homem + besta) explora-se também energia derivada de outras fontes. As
propriedades da mola distendida atraíram a atenção dos cientistas quando o
relógio destacou-se entre as invenções modernas. Da experiência eles extraíram
a lei da distensão das molas: a relação
entre o peso apenso à extremidade da mola e o alongamento sofrido é uma
constante. O peso que a força elástica da mola pode suportar depende da sua
distensão.
Na esfera prática, o ser humano
busca o conhecimento para alterar o mundo. Na esfera teórica, a busca do
conhecimento ocorre por curiosidade e lazer intelectual. Na esfera
contemplativa, a busca responde ao anseio por iluminação espiritual. Aqueles
que se dedicam à ciência, à filosofia e ao misticismo integram a elite
intelectual e espiritual do mundo. O cientista e o filósofo às vezes cedem a
sua independência em troca de favores do governo ou de poderosos grupos
privados. Ante a frouxidão, a moral valoriza-se: “uma consciência limpa é um
travesseiro macio” (ditado alemão).
Descobertas revolucionárias ocorreram no campo da
matemática e da física. René Descartes inventou a geometria analítica
(aplicação da álgebra à geometria). Isaac Newton e Gottfried William Leibniz
desenvolveram o cálculo infinitesimal. Newton expõe as três leis do movimento:
(1) todos os corpos, se não impedidos, movem-se a uma velocidade constante e em
linha reta; (2) a força é proporcional ao produto da massa pela aceleração; (3)
a toda ação corresponde uma reação igual e contrária. Partindo da obra de
Galileu, Newton publica a sua teoria sobre gravitação universal: cada partícula de matéria no universo atrai
outra partícula com uma força inversamente proporcional ao quadrado da
distância entre elas e diretamente proporcional ao produto das suas massas.
O mundo material ficou sob um só princípio unificador. As dúvidas sobre a
teoria de Copérnico foram removidas. A mecânica celeste adquire fundamentos
científicos. Newton fundou a hidrodinâmica, acrescentou dados à hidrostática,
inventou tabelas úteis para a navegação e explicou que as cores do arco-íris
resultavam da decomposição da luz branca. A física newtoniana vigorou até o
século XX.
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