EUROPA (1600 a
1800). Continuação.
Na Inglaterra, o
protestantismo foi implantado de cima para baixo pelo rei Henrique VIII depois
de ver frustradas suas tentativas de obter o apoio do papa às suas pretensões
matrimoniais {divorciar-se de Catarina de Aragão para casar-se com Ana Bolena,
sua amante}. Revoltado, o rei exige para si e o Parlamento lhe concede a chefia
da igreja na Inglaterra. Então, o rei se desvincula das obrigações para com o
papa e se apropria dos bens da igreja de Roma situados em solo inglês (1531). A
rainha Maria {filha dele com Catarina de Aragão} tenta restabelecer o culto
católico, mas não consegue. A sucessora, rainha Elizabeth {filha dele com Ana
Bolena} protelou a questão religiosa por algum tempo, mas acabou preferindo uma
igreja da Inglaterra independente da igreja de Roma. Elizabeth exigiu e obteve
do Parlamento um Ato de Supremacia
declarando o soberano inglês chefe supremo da igreja anglicana. Essa igreja faz
algumas concessões ao rito católico. Aqueles que se colocaram contra essa
flexibilidade formaram a facção puritana. O pietismo
caracteriza-se pelo rigor da disciplina religiosa e moral. Foi tema central do
protestantismo ao lado da predestinação. O puritanismo é a corrente protestante
que quer a religião purificada de todo e qualquer resquício do catolicismo. Segundo
a ética puritana, o lazer e o esporte afastam o crente do trabalho e da devoção
a deus. O gozo da existência relacionado ao que ela tem de prazeroso e alegre é
visto como pecaminoso. A ambição por riqueza como exclusiva finalidade da vida
também é pecaminosa. Abençoada é a riqueza fruto do trabalho em alguma
profissão. Asseio, conforto e solidez no lar, sem luxo, é o ideal puritano
burguês. Para uns, a salvação seria conseqüência do perdão dos pecados; para
outros, a salvação seria conseqüência da santificação prática (vocação
profissional). Salvação já – aqui e agora – e não no outro mundo. [A doutrina
salvacionista pressupõe um estado original pecaminoso do ser humano do qual ele
tem de ser libertado para não perecer no inferno]. A ação com vistas para o
futuro demanda alguma racionalização. O presente é mais importante. Não vos preocupeis com o dia de amanhã; a
cada dia basta o seu cuidado (Bíblia, NT, Mateus 6: 34).
O ramo escocês da igreja
católica era considerado corrupto (século XVI). Isto provocou a revolta
chefiada por João Knox, pregador rebelde que eliminou da Escócia todos os
vestígios do catolicismo e instalou a igreja
presbiteriana de base calvinista radical (1557 a 1559). Knox assestou
baterias contra Maria Tudor, rainha da Inglaterra e contra Maria de Lorena,
regente da Escócia (mãe da rainha Maria Stuart que assumira o trono ainda
criança em 1542). A inglesa e a escocesa eram acusadas de papistas por serem
católicas. Knox considerava um escândalo o Estado ser governado por mulheres.
Na sua religiosa opinião, a mulher fora criada para servir e obedecer ao homem
e não o contrário. Todos os idólatras merecem punição, sejam nobres ou plebeus,
reis ou súditos. Governantes ímpios não merecem a obediência do povo. Knox
organizou a assembléia de ministros e de veneráveis com o nome de Presbitério para governar a igreja. O
presbiterianismo foi proclamado religião oficial da Escócia logo depois da
morte da regente católica (1560). Da resistência
passiva aconselhada pelos reformadores originais, os calvinistas evoluíram
para a resistência ativa e
implacável. A jovem e católica rainha Maria Stuart é derrotada e expulsa da
Escócia.
Na França, os protestantes
receberam dos católicos a alcunha pejorativa de huguenotes. Eles adotaram o apelido como distinção honrosa para
frustrar os ofensores. Instigado por Catarina de Medicis, o rei Carlos IX
promoveu a matança dos huguenotes no trágico episódio conhecido como “Noite de
São Bartolomeu”, em 24 de agosto de 1572. [Agosto, mês do desgosto, na trova
popular. Em igual dia e mês do ano de 1954, Getúlio Vargas, presidente do
Brasil, suicidava-se]. Após o morticínio surgiram panfletos incentivando a
vingança e obras de autores calvinistas defendendo a resistência ativa, o direito de se rebelar e matar o rei. Ao
excluir a resistência ativa em sua doutrina, Calvino abriu duas exceções para
possibilitar a defesa do povo religioso contra a tirania: (1) intervenção
positiva dos magistrados inferiores; (2) intervenção de um herói de excepcional
vocação. Segundo a literatura monarcômaca, as duas exceções acopladas às idéias
de supremacia do povo e da lei, de contrato entre o rei e o povo e de
legitimidade da resistência ao tirano, justificavam a ação bélica dos huguenotes
e a ação judicial dos magistrados inferiores. Condestável, Marechal, Par e
Senhor, eram magistrados que tinham poder sobre todo o reino. Duque, Marquês e
Conde eram magistrados que tinham poder sobre suas respectivas províncias.
Prefeito, Cônsul e Juiz eram magistrados que tinham poder sobre as cidades. Os
magistrados situavam-se entre o rei e o povo. Na lição de Calvino, a eles
competia aplicar as penas cabíveis no caso de o monarca violar o pacto divino
ou o contrato social. Os magistrados poderiam recorrer às armas se fosse
necessário à eficácia das suas decisões.
Etienne de la Boétie,
jovem humanista, escreve “Discurso sobre a Voluntária Servidão”, em defesa da
liberdade contra o poder monocrático de um único indivíduo que muitas vezes é o
mais desprezível da nação (1550). Na opinião dele, a servidão do povo é
puramente voluntária; basta o povo recusá-la para ser livre novamente. François Hotman, professor de direito,
escreveu “Franco-Gallia”, sobre a origem da monarquia francesa, mas com intenções
religiosas (1573). Ele aconselha a eleição no lugar da hereditariedade para o
governo do Estado. A lei, o contrato social, as decisões dos Estados Gerais
(nobreza + clero + povo) estão acima do monarca. A assembléia dos Estados
Gerais, titular da soberania nacional, tem o direito de depor o tirano e eleger
novo governante. Eusébio Filadelfo
Cosmopolita escreve “O Despertar dos Franceses e dos seus Vizinhos”, onde
aconselha os súditos a recorrerem à assembléia dos Estados Gerais quando o rei
violar os seus deveres (1574). Embora inferiores ao rei, os magistrados
componentes da assembléia lhe são superiores neste caso e momento específicos. Théodore de Bèze, teólogo, sucessor de
Calvino em Genebra, escreve “Direito dos Magistrados sobre os seus Súditos”, enunciando
como principal objetivo do Estado a glória do deus da “verdadeira religião” (1574). Destarte, no caso de
perseguição por motivos religiosos, a defesa armada pode ser utilizada sem
pesar na consciência. O príncipe tem o dever de proteger a verdadeira religião
contra inimigos internos e externos. As principais leis são aquelas que
estabelecem a pena de morte aos corruptores da verdadeira religião. Aos
magistrados cabe zelar pela respectiva execução. Duplessis-Mornay e Hubert
Languet, com pseudônimo de Junius Brutus, publicam as “Vindiciae contra
Tyrannos”, articulando religião e política e harmonizando o espírito bíblico
com o espírito jurídico (1579). Combatem o que eles chamam de falsas e
perniciosas máximas de Maquiavel. Advogam dois limites à jurisdição real: (1) o
pacto de obediência entre deus de um lado e o rei de outro, firmado no momento
da investidura {o monarca promete obedecer a deus e zelar pela glória divina};
(2) o contrato entre o rei e o povo, em que o monarca promete atuar com justiça
e na forma da lei e os súditos prometem obedecer às ordens justas dele
emanadas. Caso o monarca descumpra suas obrigações, o povo ou a assembléia que
o representa tem o direito de puni-lo. Se violar o pacto com deus, o monarca
perde o direito à obediência dos súditos. Se violar o contrato com os súditos,
o monarca perde o trono e a vida.
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