EUROPA (1600 a
1800). Continuação.
Camponeses e operários revoltaram-se contra
o alto custo de vida, a concentração da propriedade da terra, o radicalismo
luterano e a situação de desamparo gerada pelo advento do novo tipo de
capitalismo. Esse movimento denominado Revolta
dos Camponeses foi cruelmente sufocado pelo exército do príncipe (1523 a 1525). Martinho
Lutero apoiou a força militar e proclamou o seu respeito pelo poder do
príncipe: “O instrumento do governante
não é o rosário, nem a flor, e sim a espada desembainhada. A guerra é
necessária e útil para combater a injustiça e o mal. Cuida-se de ação divina. A
mão que empunha a espada não é a mão do homem e sim a mão de deus”. Em razão do batismo, o príncipe
cristão é sacerdote tal como os demais cristãos. Conferido por deus, o poder do
príncipe deve ser exercido sobre qualquer pessoa {inclusive o papa} e ninguém
tem o direito de resistir à sua autoridade. [Doutrina apoiada na epístola de
Paulo aos romanos]. Martinho reconheceu expressamente a maldade dos príncipes:
“maiores mentecaptos e piores patifes da
Terra”. Apesar disto, considerou-os necessários como flagelo de deus [o mesmo epíteto de Átila, rei dos hunos]. Segundo
Martinho, cabe a deus – e não ao povo – castigar o príncipe por seus excessos.
O reino de deus é da graça e da misericórdia. O reino do mundo é da cólera e do
castigo, governado segundo a lei e com o gládio [espada de dois gumes, símbolo
da força] para coagir os maus e proteger os justos. O cristão reflete esses
dois reinos: o espiritual e o material.
Ao exaltar o poder civil, Martinho retribui o apoio que lhe deram os príncipes alemães contra a igreja de Roma e os príncipes católicos. Ao contrário de Savonarola, desarmado governante e profeta de Florença, Martinho foi o armado profeta da Alemanha.
Ao exaltar o poder civil, Martinho retribui o apoio que lhe deram os príncipes alemães contra a igreja de Roma e os príncipes católicos. Ao contrário de Savonarola, desarmado governante e profeta de Florença, Martinho foi o armado profeta da Alemanha.
A seita dos anabatistas freqüentada por camponeses e
operários se caracterizava por: (1) exigir um segundo batismo quando a pessoa
já fosse adulta [supõe o discernimento]; (2) dispensar clero por bastar o
sacerdócio individual derivado do batismo; (3) considerar dever do crente se
guiar por sua “luz interior” e seguir os ditames da sua consciência; (4)
condenar o acúmulo de riqueza {os bens excedentes de cada um devem ser
repartidos equitativamente entre todos os membros da comunidade}; (5) declarar
a igualdade de todos perante deus; (6) ser contra o serviço militar e os
juramentos; (7) negar tributos a governos beligerantes.
Assim como a anabatista,
as seitas dos batistas, dos menonitas e dos quakers também portavam de modo autônomo a ascese protestante. Para
os quakers, somente a “luz interior” (revelação contínua) conduz à compreensão
de deus. Essa doutrina elimina a autocracia da Bíblia [mas não a sua validade]
e desvaloriza todos os sacramentos. As mencionadas seitas tinham em comum o
parcial divórcio do mundo, desencanto com as coisas deste mundo, prevalência do
emocional sobre o racional.
Os pastores e camponeses
dos cantões suíços se rebelaram contra o domínio austríaco e o Santo Império
Romano (1499). Obtiveram sua independência. Em 1528, quase todo o povo suíço já
se tornara protestante em conseqüência da revolta religiosa promovida por
Ulrich Zwinglio, inspirada na reforma promovida por Martinho na Alemanha. João
Calvino (1509 a
1564) francês, bacharel em direito, latinista, convertido ao protestantismo,
foge da França, vive brevemente em algumas cidades e por fim se domicilia em Genebra. Encontrou
o terreno aplainado por Zwinglio. Faz pregação com o fim de socorrer aqueles
que receberam de deus uma luz fraca e que poderão aprender a encontrar na santa
escritura a “suma do que deus quis transmitir por sua palavra”. Calvino
presumia que, assim como os humanos, deus também tinha vontade e que esta era
conhecida dos redatores da Bíblia. Ele conquista o poder político local e impõe
as suas regras. Pretende fazer da sua cidade-igreja (Genebra) um “fanal em que todas as igrejas erigidas na
reforma cristã possam buscar exemplo”. As suas idéias assemelham-se às de
Santo Agostinho e foram expostas nas suas “Instituições da Religião Cristã” publicadas
em 1536: (1) o universo depende da vontade de deus; (2) todos os homens são
naturalmente pecadores devido à transgressão de Adão [Calvino pressupõe a real
existência desse personagem bíblico]; (3) alguns homens são eleitos de deus
para a salvação eterna e os demais perecem no inferno; (4) os predestinados têm
moral elevada e devem auxiliar os fracos para maior glória de deus.
O reino espiritual
refere-se à alma e o reino temporal às coisas humanas; ambos se completam.
Independente da forma de governo (monarquia, aristocracia, democracia) o poder
civil deve se submeter à palavra de deus. O espírito é mais importante do que a
forma [isto lembra a lição de Paulo: a
verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o espírito e não a letra da lei]. O Estado
deve tomar consciência do seu valor espiritual. Os governantes devem ser
escolhidos pelo povo. A resistência do povo só se justifica diante de uma ordem
do monarca contrária à lei divina. A resistência deve ser passiva, sem
violência. O dever de obediência é a regra. Ao governo civil compete
administrar e proteger a religião. A autoridade do magistrado provém de deus. O
magistrado é o vigário de deus, ministro da justiça divina, providência,
amparo, bondade, ternura e imagem de deus. Como guardião, o magistrado deve
agir em sintonia com a lei e aplicá-la com rigor. O povo deve obedecer ao
magistrado e ser governado de acordo com a lei.
O serviço exterior a deus
deve ser prestado e a doutrina {calvinista} preservada. [Provavelmente, Calvino
se refere ao trabalho mundano ao imaginar algo exterior a deus como se deus não
fosse onipresente]. Os ministros da palavra divina (pastores) são dotados de
consciência superior derivada do seu ofício o que os autoriza a dirigir e
censurar a conduta de governantes e governados (Estado e povo). O Estado Cristão [sobre o qual Thomas
Hobbes dissertaria mais tarde em seu “Leviatã” (1651)] deve assegurar a
obediência do indivíduo ao verbo divino
por todos os meios {inclusive a fogueira}. Idolatria e blasfêmia devem ser
combatidas. Na sociedade civil deve reinar a equidade, a justiça, a
tranqüilidade pública. A liberdade do povo deve ser conservada e respeitada
pelo governante. A livre consciência do cristão não afasta a sua submissão à
lei humana. Cada um deve dispor livremente do que é seu. Decoração no templo,
ritual e qualquer prática da igreja católica são inadmissíveis. O sábado deve
ser rigorosamente respeitado nos moldes judaicos.
A doutrina de Calvino ajustou-se aos propósitos do
novo capitalismo e foi aceita pela grande burguesia européia. Aprofundou o
individualismo possessivo. O crente foi liberado para ampla atividade
econômica. A riqueza e o sucesso no trabalho são bênçãos divinas. A cobrança de
juros e o lucro no comércio são moralmente lícitos. O trabalho útil é o modo
único de agradar a deus. O fato de haver pessoas e povos eleitos de deus
justifica: (1) as desigualdades sociais e econômicas entre pessoas e entre povos; (2)
a superioridade de uns e a inferioridade de outros {aristocracia dos santos e
predestinados}.
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