quarta-feira, 16 de julho de 2014

FILOSOFIA XIII - 5



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

A pressão social fazia do humano um elemento do ente coletivo mergulhado na objetiva consciência comunitária como acontecia na tribo e continuou a acontecer na cidade e no império. Os povos orientais mantinham o sentimento de união íntima a um todo cósmico, fenômeno cultural que explica a duradoura vigência de regimes autocráticos e o reverencial respeito à autoridade. Nos povos ocidentais operou-se mudança em direção ao individualismo. Após o advento do cristianismo, a consciência da individualidade ampliou-se e se tornou mais aguda. Apesar da sua origem oriental, a doutrina cristã vingou no solo ocidental com pronunciado sentido humanitário ao valorizar o ser humano como individualidade anímica e não apenas como partícula de um organismo cósmico. Essa doutrina acentua a dignidade da pessoa humana; prega a igualdade entre os seres humanos sob a paternidade divina, o que se afina com um modo de vida democrático. No plano histórico, a igreja cristã adotou em sua organização clerical o modelo imperial romano e conviveu com o regime autocrático durante toda a Idade Média. A igreja foi organizada hierarquicamente tendo na base os crentes, no meio a casta sacerdotal e na cúpula o papa. Contrariando a separação entre poder secular e poder espiritual preconizada por Jesus (a César o que é de César, a Deus o que é de Deus) o clero estendeu o seu poder sobre reis e imperadores, interferindo nos negócios de Estado.

A revolução comercial iniciada no século XV, que incluiu as grandes navegações de portugueses e espanhóis em busca de novas rotas para o comércio, simboliza o novo capitalismo, cujos lineamentos (lucro, grandes empresas, economia de mercado, trocas monetárias, trabalho assalariado) desenhavam-se desde o século XII, com a paulatina desintegração do feudalismo. A separação entre ética e economia ocorreu no plano dos fatos antes de ganhar fundamento teórico. Goethe percebeu este divórcio ao afirmar que o homem de ação não tem consciência e que esta é própria do homem contemplativo. Certamente, o poeta alemão referia-se à consciência moral e não à consciência como fenômeno cognitivo natural. O lucro e os juros perderam as vestes do pecado. A reação mais vigorosa aos freios postos pela igreja católica à conduta dos crentes em geral e à atividade dos comerciantes e banqueiros em particular, aconteceu no século XVI com a revolução protestante iniciada por Lutero. O individualismo aprofundou-se com amparo na teologia calvinista.

A partir da revolução comercial e da revolução protestante o individualismo torna-se possessivo, germe subjetivo do capitalismo selvagem. A nova e poderosa classe social européia (burguesia protestante) rebela-se contra a supremacia do papa e do imperador e empreende luta pela liberdade de religião, de ação e de pensamento. Em oposição ao universalismo da igreja e do império (catolicismo) essa burguesia defende o nacionalismo, a existência autônoma do grupo nacional e o direito de cada nação se constituir em Estado (princípio das nacionalidades). A pretendida autonomia política da nação incluía o poder absoluto do rei e a uniformização da moeda, dos pesos e medidas, das práticas administrativas e das leis. O fortalecimento do rei nacional significava: (1) subordinação dos senhores feudais; (2) independência em relação ao papa e ao imperador; (3) organização de exército permanente; (4) produção do direito; (5) centralização da justiça e da tributação.

O caminho para a burguesia européia concretizar aspirações de domínio econômico e político e de preeminência social foi desbastado por dois fatores: (1) descontentamento dos camponeses com as autoridades eclesiásticas e seculares; (2) rivalidade entre a autoridade eclesiástica e a autoridade secular. Na França, o movimento culminou com violenta revolução política (1789). Na opinião de Saint-Just, intelectual jacobino da revolução francesa, o século XVIII deve ser colocado no Panteão. O revolucionário abade Siéyès elaborou a teoria que distingue poder constituinte (político) e poder constituído (jurídico). O primeiro pertence à nação e o segundo ao governante que deve exercê-lo dentro da legalidade posta pelo povo. Estribados nessa teoria, os revolucionários implantaram ordem democrática fundada na tríade: liberdade, igualdade, fraternidade. Eles promulgaram a declaração dos direitos do homem e do cidadão como bússola para o governo da nação. A declaração de direitos refere-se ao homem como espécie natural e ao cidadão como pessoa vinculada a um Estado. Essa declaração revestiu caráter universal e se revelou uma das maiores conquistas do mundo civilizado. A revolução francesa com sua doutrina filosófica, política e jurídica repercutiu no mundo. Os Estados europeus surfaram na onda nacionalista e adotaram constituições escritas (salvo a Inglaterra). As colônias da América Latina, à medida que obtinham independência da Espanha e de Portugal, elaboravam as suas próprias constituições (1801 a 1900). O reino brasileiro seguiu o modelo europeu (unitário e monárquico) sob a tutela discreta da Inglaterra e adotou o nome de Império do Brazil.

Do movimento constitucionalista europeu e americano decorreu um novo conceito de Constituição. Do ponto de vista ontológico, todo Estado tem uma constituição, que é o seu modo de ser e de existir no mundo, com um território próprio, povo, governo e regras oriundas dos costumes, dos atos dos legisladores, das decisões dos tribunais e das obras dos jurisconsultos. Paralelo ao conceito ontológico surge com o citado movimento o conceito deontológico: documento escrito, racional, sistemático, elaborado e promulgado pelo sujeito do poder constituinte, contendo as regras de organização do Estado e a declaração dos direitos fundamentais dos indivíduos. Passou-se dos princípios emanados dos costumes historicamente sancionados e das leis esparsas escritas ou não, às regras fundamentais concentradas em um documento escrito para maior segurança dos governados.

Até o século XVIII, na Europa, a vida doméstica e social era dominada pela crença religiosa cristã (católica + protestante). Depois, passou a depender mais do jogo das probabilidades. A partir do século XIX, a estatística de população humana assume grande importância em virtude das investigações científicas para determinar as leis do comportamento social (sociologia). Os jogos de azar e a organização do seguro são estudados para fundamentar a teoria da probabilidade. O modelo dos jogos de azar foi utilizado como modelo físico dos fenômenos naturais. Os cientistas verificaram que várias combinações de caracteres hereditários ocorrem em proporções numéricas. Na sua fase inicial, o seguro era um jogo, uma forma de especulação. Nos séculos XIV e XV, o setor financeiro começa a exercer poder mediante apólices de seguro, empréstimos a juros elevados, transações de crédito, apostas no tempo de vida do indivíduo e no sexo dos nascituros, visando ao ganho e divertimento. As transações eram altamente especulativas fundadas na probabilidade: aquele que mais tem, mais ganhará; aquele que menos tem, perderá o pouco que tem. A idéia de freqüência entra no cálculo probabilístico. Com base no número de vezes que algo acontece, verifica-se a chance de tornar a acontecer. Diferente do conceito vulgar, a probabilidade matemática é sempre uma fração. Quanto mais a ciência se aproxima da verdade, mais estreito fica o espaço da probabilidade. A regularidade observada nas relações sociais permite o cálculo estatístico embora passível de equívocos. No cálculo da renda per capita, por exemplo, o resultado é enganoso do ponto de vista material. A renda do operário e a renda do capitalista são colocadas no mesmo nível quando na realidade aquela é bem menor do que esta.   

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