quarta-feira, 18 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 15



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Desidério Erasmo, holandês, teólogo, filósofo, professor, escritor, acreditava na bondade inata do homem e foi reconhecido internacionalmente como o príncipe dos humanistas (1464 a 1536). Dedicou-se ao ensino, à literatura e à reflexão filosófica. Suas principais obras são: O Elogio da Loucura (sátira do pedantismo e dogmatismo dos teólogos e da ignorância e credulidade das massas); Manual do Cavaleiro Cristão (censura à religião eclesiástica e defesa do retorno aos ensinamentos de Jesus “que nada mais ordenava do que o amor ao próximo”); A Lamentação da Paz (em que expressa o horror à guerra e ao despotismo) e Colóquios Familiares. Na opinião de Erasmo, as trevas da superstição, da ignorância e do ódio são afastadas pela luz da razão. Equidade e conciliação caracterizam o espírito liberal. O formalismo, o dogmatismo e a superstição da igreja merecem censura e indicam a necessidade de uma reforma religiosa. Impõe-se nova religião humanista, simples, de nobre conduta, alicerçada na filosofia de Cristo. [Esta crítica de Erasmo contribuiu para a reforma protestante. Ele pensava também que da ciência poderia advir grosseiro materialismo apto a distanciar os homens da literatura e da filosofia]. Voltar ao evangelho é o remédio para as desordens políticas, para curar os vícios sociais, para purificar a religião e para regenerar o ser humano. O governante há de ser virtuoso e ter a assistência de um preceptor cuidadosamente escolhido. A ética é uma só para governantes e governados. O governante deve seguir o caminho indicado por Jesus Cristo, pois da perfeição moral de um governante depende a felicidade de um povo. A guerra é um escândalo ante os ensinamentos de Jesus. A guerra é provocada pelas paixões humanas e não por necessidade. Cada lado apresenta sua causa como justa. A celebração da missa em cada um dos lados da guerra é uma monstruosidade. A arbitragem resolve pacificamente as controvérsias. A paz é a condição da prosperidade, fonte e mãe conservadora e protetora de todas as boas coisas.

François Rabelais (1469 a 1527), francês, médico, filósofo, humanista, escritor, satirizou as práticas da igreja apesar de ter sido educado em mosteiro [talvez, por isto mesmo]. Ridicularizou a escolástica, zombou das superstições e expôs as formas de opressão e hipocrisia. As suas obras mais conhecidas são Gargantuá e Pantagruel, nomes dos lendários gigantes medievais de prodigiosa força física e enorme apetite. Na abadia de Gargantuá não havia celibato, nem submissão perpétua. Os seus moradores viviam como irmãos. Cada qual seguia a sua livre vontade na busca do prazer. Havia uma só regra de observância obrigatória: “fazei o que quiserdes”. Na opinião de Rabelais, a bondade é inerente ao ser humano. Todos os instintos são bons, desde que não levem à tirania.

Thomas Morus, inglês, cristão, advogado, professor, locutor da Câmara dos Comuns, Lorde Chanceler da Inglaterra, inscreve-se entre os filósofos humanistas (1478 a 1535). Ao se opor ao divórcio entre o rei Henrique VIII e Catarina de Aragão, recusar o convite para assistir à coroação de Ana Bolena, discordar da pretensão do rei de estabelecer uma igreja nacional sob o controle do Estado, negar ao Parlamento legitimidade para fazer do rei o chefe da referida igreja (anglicana), Thomas foi acusado de traição, preso na Torre de Londres, processado, condenado e decapitado. Trezentos anos depois, considerado mártir da fé católica, ele foi beatificado pelo papa Leão XIII (1886). Posteriormente, foi canonizado pelo papa Pio XI (1935). Na esteira de dois diálogos de Platão intitulados República (modelo de Estado) e Crítias (mito da Atlântida), Thomas escreveu “Utopia”, livro que contém o seu pensamento filosófico expresso numa crítica à sociedade do seu tempo em que vigoravam a injustiça social e o absoluto direito de propriedade privada, os camponeses eram lançados à miséria em decorrência da transformação dos campos cultivados em pastos de carneiros (indústria da lã) e o dinheiro era visto como a medida de todas as coisas. Na história imaginada por Thomas, um marinheiro náufrago narra a sua experiência em uma ilha onde viveu durante cinco anos. Lá existia uma sociedade igualitária, sem pobreza, sem riqueza imerecida, sem guerra, sem punições drásticas e sem perseguição religiosa. Os habitantes tinham bens em comum. A propriedade privada não era permitida. O campo era cultivado por todos com as mesmas técnicas. As fazendas eram dirigidas nos mesmos moldes. Os habitantes vestiam o mesmo tipo de roupa, sem os caprichos da moda. Todos trabalhavam seis horas por dia. As horas restantes eram destinadas ao lazer, estudo e cultivo das virtudes clássicas: sabedoria, temperança, fortaleza e justiça. Os que se dedicavam ao trabalho intelectual compunham a aristocracia. Dentre os membros da aristocracia eram selecionados aqueles que comporiam a assembléia governante. Os magistrados eram eleitos. Havia treinamento de homens e mulheres para defesa do reino. Não existia vida conventual. Os cultos que reconheciam a existência de deus e a imortalidade da alma eram aceitos sem discriminação. Os ateus não tinham direito de cidadania e nem acesso ao governo.

Michel de Montaigne, francês, advogado, filósofo, escritor, diz que o ceticismo é a essência da filosofia (1533 a 1592). Aos 37 anos de idade ele se retira para a propriedade dos seus ancestrais e devota o resto da sua vida ao estudo, à contemplação e à escrita. Carlos IX o titulou honrosamente como homem gentil. O papa concedeu-lhe o título de cidadão romano. Margarida de França o mimou com especiais favores. O poeta americano Ralph Waldo Emerson o incluiu entre os homens representativos. O seu pensamento está contido nos Ensaios escritos durante os anos de retiro (história, política, moral e filosofia). Diante da diversidade das crenças, da balbúrdia de costumes revelados pelas descobertas de outras regiões do planeta, das perturbadoras conclusões da ciência, Montaigne afirmava que nenhuma seita era senhora da verdade ditada de uma vez por todas. A religião e a moralidade eram produtos do costume tal como a moda e a maneira de comer. O conhecimento não é a via adequada para alcançar deus. Os homens devem desprezar a morte, viver nobremente nesta vida sem almejar vida piedosa em outro mundo cuja existência é duvidosa. Os homens podem ser enganados tanto pela razão como pelos sentidos. Quanto mais depressa os homens se convencerem de que não há certeza em lugar algum, mais oportuno será escapar à tirania que jorra da superstição e da carolice. O caminho da salvação está na dúvida e não na fé. As instituições humanas são fúteis. Tolice empenhar-se em guerra para substituir umas por outras. Ideal algum justifica queimar o vizinho. “Sentemo-nos no mais alto trono do mundo e ainda estaremos sentados sobre o nosso próprio assento”, dizia Montaigne, ironicamente.         

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