EUROPA (1000 a
1600). Continuação.
Desidério Erasmo,
holandês, teólogo, filósofo, professor, escritor, acreditava na bondade inata
do homem e foi reconhecido internacionalmente como o príncipe dos humanistas (1464 a 1536). Dedicou-se ao
ensino, à literatura e à reflexão filosófica. Suas principais obras são: O Elogio da Loucura (sátira do
pedantismo e dogmatismo dos teólogos e da ignorância e credulidade das massas);
Manual do Cavaleiro Cristão (censura
à religião eclesiástica e defesa do retorno aos ensinamentos de Jesus “que nada
mais ordenava do que o amor ao próximo”); A
Lamentação da Paz (em que expressa o horror à guerra e ao despotismo) e Colóquios Familiares. Na opinião de
Erasmo, as trevas da superstição, da ignorância e do ódio são afastadas pela luz
da razão. Equidade e conciliação caracterizam o espírito liberal. O formalismo,
o dogmatismo e a superstição da igreja merecem censura e indicam a necessidade
de uma reforma religiosa. Impõe-se nova religião humanista, simples, de nobre
conduta, alicerçada na filosofia de
Cristo. [Esta crítica de Erasmo contribuiu para a reforma protestante. Ele
pensava também que da ciência poderia advir grosseiro materialismo apto a
distanciar os homens da literatura e da filosofia]. Voltar ao evangelho é o
remédio para as desordens políticas, para curar os vícios sociais, para purificar
a religião e para regenerar o ser humano. O governante há de ser virtuoso e ter
a assistência de um preceptor cuidadosamente escolhido. A ética é uma só para
governantes e governados. O governante deve seguir o caminho indicado por Jesus
Cristo, pois da perfeição moral de um governante depende a felicidade de um povo.
A guerra é um escândalo ante os ensinamentos de Jesus. A guerra é provocada
pelas paixões humanas e não por necessidade. Cada lado apresenta sua causa como
justa. A celebração da missa em cada um dos lados da guerra é uma
monstruosidade. A arbitragem resolve pacificamente as controvérsias. A paz é a condição da prosperidade, fonte
e mãe conservadora e protetora de todas as boas coisas.
François Rabelais (1469 a 1527), francês,
médico, filósofo, humanista, escritor, satirizou as práticas da igreja apesar
de ter sido educado em mosteiro [talvez, por isto mesmo]. Ridicularizou a
escolástica, zombou das superstições e expôs as formas de opressão e
hipocrisia. As suas obras mais conhecidas são Gargantuá e Pantagruel,
nomes dos lendários gigantes medievais de prodigiosa força física e enorme
apetite. Na abadia de Gargantuá não havia celibato, nem submissão perpétua. Os
seus moradores viviam como irmãos. Cada qual seguia a sua livre vontade na
busca do prazer. Havia uma só regra de observância obrigatória: “fazei o que
quiserdes”. Na opinião de Rabelais, a bondade é inerente ao ser humano. Todos
os instintos são bons, desde que não levem à tirania.
Thomas Morus, inglês,
cristão, advogado, professor, locutor da Câmara dos Comuns, Lorde Chanceler da
Inglaterra, inscreve-se entre os filósofos humanistas (1478 a 1535). Ao se opor ao
divórcio entre o rei Henrique VIII e Catarina de Aragão, recusar o convite para
assistir à coroação de Ana Bolena, discordar da pretensão do rei de estabelecer
uma igreja nacional sob o controle do Estado, negar ao Parlamento legitimidade
para fazer do rei o chefe da referida igreja (anglicana), Thomas foi acusado de
traição, preso na Torre de Londres, processado, condenado e decapitado.
Trezentos anos depois, considerado mártir da fé católica, ele foi beatificado
pelo papa Leão XIII (1886). Posteriormente, foi canonizado pelo papa Pio XI
(1935). Na esteira de dois diálogos de Platão intitulados República (modelo de Estado) e Crítias
(mito da Atlântida), Thomas escreveu “Utopia”, livro que contém o seu
pensamento filosófico expresso numa crítica à sociedade do seu tempo em que
vigoravam a injustiça social e o absoluto direito de propriedade privada, os
camponeses eram lançados à miséria em decorrência da transformação dos campos
cultivados em pastos de carneiros (indústria da lã) e o dinheiro era visto como
a medida de todas as coisas. Na história imaginada por Thomas, um marinheiro
náufrago narra a sua experiência em uma ilha onde viveu durante cinco anos. Lá existia
uma sociedade igualitária, sem pobreza, sem riqueza imerecida, sem guerra, sem
punições drásticas e sem perseguição religiosa. Os habitantes tinham bens em comum. A propriedade
privada não era permitida. O campo era cultivado por todos com as mesmas
técnicas. As fazendas eram dirigidas nos mesmos moldes. Os habitantes vestiam o
mesmo tipo de roupa, sem os caprichos da moda. Todos trabalhavam seis horas por
dia. As horas restantes eram destinadas ao lazer, estudo e cultivo das virtudes
clássicas: sabedoria, temperança, fortaleza e justiça. Os que se dedicavam ao
trabalho intelectual compunham a aristocracia. Dentre os membros da aristocracia
eram selecionados aqueles que comporiam a assembléia governante. Os magistrados
eram eleitos. Havia treinamento de homens e mulheres para defesa do reino. Não
existia vida conventual. Os cultos que reconheciam a existência de deus e a
imortalidade da alma eram aceitos sem discriminação. Os ateus não tinham
direito de cidadania e nem acesso ao governo.
Michel de Montaigne, francês,
advogado, filósofo, escritor, diz que o ceticismo é a essência da filosofia (1533 a 1592). Aos 37 anos de
idade ele se retira para a propriedade dos seus ancestrais e devota o resto da
sua vida ao estudo, à contemplação e à escrita. Carlos IX o titulou
honrosamente como homem gentil. O
papa concedeu-lhe o título de cidadão
romano. Margarida de França o mimou com especiais favores. O poeta
americano Ralph Waldo Emerson o incluiu entre os homens representativos. O seu pensamento está contido nos Ensaios escritos durante os anos de
retiro (história, política, moral e filosofia). Diante da diversidade das
crenças, da balbúrdia de costumes revelados pelas descobertas de outras regiões
do planeta, das perturbadoras conclusões da ciência, Montaigne afirmava que
nenhuma seita era senhora da verdade ditada de uma vez por todas. A religião e
a moralidade eram produtos do costume tal como a moda e a maneira de comer. O conhecimento
não é a via adequada para alcançar deus. Os homens devem desprezar a morte,
viver nobremente nesta vida sem almejar vida piedosa em outro mundo cuja
existência é duvidosa. Os homens podem ser enganados tanto pela razão como
pelos sentidos. Quanto mais depressa os homens se convencerem de que não há
certeza em lugar algum, mais oportuno será escapar à tirania que jorra da
superstição e da carolice. O caminho da salvação está na dúvida e não na fé. As
instituições humanas são fúteis. Tolice empenhar-se em guerra para substituir
umas por outras. Ideal algum justifica queimar o vizinho. “Sentemo-nos no mais alto trono do mundo e ainda estaremos sentados
sobre o nosso próprio assento”, dizia Montaigne, ironicamente.
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