sexta-feira, 13 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 14


EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Niccolò Machiavelli (Nicolau Maquiavel, 1469 a 1527), nascido em Florença, cientista político, filósofo, historiador, escritor, chefiou a segunda chancelaria da república florentina. Morre afastado da vida pública, frustrado por não retornar à chancelaria apesar dos relevantes serviços prestados à pátria. Entre as suas obras constam: “O Príncipe” (De Principatibus = Dos Principados), que ele qualifica de opúsculo introdutório de um livro substancioso que ele não terminou de escrever intitulado “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”. Maquiavel escreveu ainda: “A Arte da Guerra”, “O Asno”, “O Demônio que se Casou” e “A Mandrágora”, comédia teatral considerada obra-prima do teatro italiano, sátira de espírito lascivo que tem por alvo a sociedade renascentista.
Ao escrever “O Príncipe”, Maquiavel toma César Bórgia por modelo. Num gesto adulatório e interesseiro, dedica o livro a Lourenço de Médici. Consegue, assim, deixar o exílio e retornar a Florença, porém não recupera a sua antiga posição. Nesse opúsculo, ele mostra com realismo o divórcio entre a política e a moral e a relação nem sempre harmônica entre ação e especulação. De modo objetivo, faz a distinção entre o que é e o que deve ser: “Muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos e nem tidos como verdadeiros. Mas existe uma tão grande distância entre a maneira como se vive e aquela como se deveria viver que aquele que trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a se perder do que a se conservar”. O seu opúsculo acabou sendo o marco inicial da ciência política, estudo racional e sistemático dos fatos, daquilo que é na realidade e não do que deve ser. Esse livro alicerçou a conduta de governantes modernos, repercutiu na civilização ocidental, inclusive com as desastrosas conseqüências do fascismo e do nazismo. 
Com os olhos pousados na história e na sociedade do seu tempo, Maquiavel defende o absolutismo como necessário à estabilidade social e política. Acontecimentos extraordinários autorizam a instauração de uma ditadura legal e temporária nos moldes da antiga república romana. Ele considera válido qualquer meio para manter o poder do príncipe e a segurança do país, independente “de justiça ou injustiça, de humanidade ou crueldade, de ignomínia ou glória”. Se for lícito dizer que há bem no mal, então o príncipe deve praticar as crueldades necessárias para se livrar dos rivais. O príncipe deve aparentar bondade, mas possuí-la realmente poderá levá-lo à ruína. Convém disfarçar a maldade com as cores da lealdade, da justiça, do direito e do respeito às convenções. Na ação política, os fins justificam os meios; se o fato o acusa, o resultado o escusa.
Maquiavel introduz o termo “Estado”, isoladamente, no vocabulário jurídico e político, para significar a organização capaz de exercer a força e controlar o seu uso sobre determinado povo nos limites de um território. Na opinião dele, o Estado é a armadura e o abrigo da pátria terrena. [Esse tipo de sociedade política era tratado como reino ou república (regnum, status rei publica)]. Há dois tipos de Estado, diz Maquiavel: república e principado. Os principados podem ser hereditários e novos. A linhagem do príncipe que antes dominava deve ser aniquilada. A organização de colônias é eficaz ao domínio. Aqueles de quem se tomam os campos e as moradas são os únicos prejudicados. Sendo minoria, espalhados e empobrecidos, nenhum dano eles causarão ao príncipe. Os que não sofreram prejuízo ficarão quietos, receosos de que tal também lhes aconteça.
O Estado deve se expandir para evitar a ruína. A lei do Estado substitui a lei da natureza. Os homens são guiados pelo desejo de poder pessoal e de prosperidade material; são rivais daquele que governa; são ávidos, interesseiros, invejosos, ciumentos, insaciáveis nos seus desejos, eternamente descontentes, dissimulados, mentirosos, velhacos, faltam à palavra empenhada ao menor pretexto. Medrosos e covardes, os homens temem o castigo. Crédulos e medíocres, os homens se deixam enganar ou seduzir pelas aparências. Os homens resignam-se mais facilmente com a morte do pai do que com a perda do patrimônio. A natureza humana não muda mais do que o céu e o sol. Os homens nascem, vivem e morrem seguindo sempre a mesma ordem e as mesmas leis eternas; obedecem sempre aos mesmos desejos e às mesmas paixões. No mundo há igual massa de bem e de mal. Atirar os homens uns contra os outros é técnica eficiente de governar a todos. A corrupção do governo sempre começa pela corrupção do princípio que o estruturou e legitimou.
Em província com língua, costumes e leis diferentes, o príncipe deve: (1) tornar-se defensor dos mais fracos; (2) debilitar os poderosos locais; (3) acautelar-se contra a entrada de um estrangeiro tão poderoso quanto ele. O desejo de conquistar é natural e comum. Os homens capazes de satisfazê-lo sempre serão louvados. Há três maneiras de preservar a posse de Estados acostumados a governar-se por leis próprias: (1) devasta-los; (2) morar neles; (3) permitir que vivam com suas leis, arrecadando um tributo e formando governo de poucas pessoas. Alguém pode se tornar príncipe: (1) pela fortuna; (2) pelo valor próprio; (3) pela perversidade, por meios criminosos contrários às leis humanas e divinas; (4) pelo favor dos compatriotas. Para se chegar ao principado civil não há necessidade de muitos méritos e nem de grande fortuna; bastam astúcia, mercê dos concidadãos e permanecer amigo do povo. As injúrias devem ser feitas todas de um só golpe para que, experimentado menos o seu sabor, ofendam menos. Os benefícios devem ser cedidos aos poucos, de sorte que sejam mais bem saboreados. Sem estar apoiado na sua própria força, nenhum principado estará seguro. Para se conservar, o príncipe deve ser mau, dispor de boas armas e disto servir-se quando necessário; há de ser raposa para conhecer as armadilhas internacionais e leão para aterrorizar os lobos que se avizinham do seu reino. Na guerra, triunfar pela força, pela astúcia e pela fraude. Quem despreza a arte guerreira produz a sua própria ruína. Ante a maldade humana, guardar a fé jurada e a palavra empenhada será tolice. Mais prósperos nos negócios são os que seduzem pela astúcia. O príncipe deve ter poucas despesas, evitar ser odiado, amar as virtudes, honrar os que se destacam em qualquer arte, oferecer festas e espetáculos ao povo. A prudência consiste em conhecer a natureza dos inconvenientes e adotar o menos prejudicial como sendo bom. O príncipe deve escolher ministros bons, competentes, leais, e prestigiar a função disciplinadora da religião, ainda que pessoalmente não tenha fé. A religião cristã debilita o povo e o faz presa fácil. As cortes estão repletas de aduladores. O príncipe deve evitá-los. Melhor é ser impetuoso do que prudente, porque a fortuna é mulher e para lhe ter o domínio mistér se faz bater nela e contrariá-la. A mulher se deixa subjugar mais pelos impetuosos do que pelos indiferentes. Como a mulher, a fortuna é sempre amiga dos jovens, pois são menos circunspetos, mais impetuosos e com maior audácia a dominam.

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