EUROPA (1000
a 1600). Continuação.
A escolástica teve seus
grandes dias no século XIII, coincidindo com a luta feroz entre o papa e o
imperador (1201 a
1300). A religião institucionalizada (ecclesia
romana) exercia forte influência sobre o povo. Isto contribuiu mais para a
estática do que para a dinâmica social. O sistema de valores da igreja cristã –
de maior eficácia junto ao povo do que junto ao clero – não era propício ao
desenvolvimento econômico e ao governo civil independente, o que afligia estadistas
e negocistas (reis, ministros, banqueiros, mercadores, produtores).
Os expoentes da
escolástica foram: Alberto Magno, alemão, nascido em 1193, e seu discípulo
Tomás, italiano, nascido na aldeia de Aquino, próxima de Monte Cassino, em
1225. Ambos eram frades dominicanos, professores na Universidade de Paris e
estudiosos da obra de Aristóteles. Tal qual o filósofo grego, Alberto tratou de
vários assuntos (botânica, fisiologia, cosmologia), valorizou a experimentação
e definiu a filosofia natural como “conhecimento
que decorre da investigação das causas dos fenômenos naturais”.
Tomás escreveu a Suma Teológica (que deixou inconclusa) e
textos sobre política, economia e outras matérias. Parou de escrever após
êxtase espiritual ocorrido enquanto celebrava missa em Nápoles (06/12/1273).
Indagado sobre o motivo de interromper o seu lavor intelectual, ele responde
que lhe foram reveladas coisas de tal ordem que diante delas tudo o que
escrevera parecia palha. Antes de comunicar o conteúdo da revelação resultante
desse transe, ele morre a caminho de Lyon, onde participaria de um concílio da
igreja. Tomás introduziu na doutrina católica a filosofia aristotélica. Da sua
obra, nota-se o propósito de demonstrar a racionalidade do universo e de
estabelecer o primado da razão. Ele admite duas fontes legítimas do
conhecimento: (1) a razão, que extrai
da experiência sensorial a matéria do pensamento; (2) a revelação, que permite a visão e compreensão daquilo que a razão
não pode alcançar.
Na concepção de Tomás, o
plano cristão visava justiça e paz na Terra, bem como a salvação da humanidade
em um novo mundo. Igreja e Estado reinam sobre a humanidade. O poder político
tem por fim implantar o reino da justiça.
Todo poder emana de deus e tudo segue a lei
eterna, razão própria do governo das coisas. Ao governante compete realizar
o bem comum. A igreja conduz o povo ao porto da salvação eterna. Tomás
acreditava na capacidade do homem para conhecer e compreender o mundo. Na sua
douta opinião, a piedade é mais um produto do conhecimento do que da fé. Embora
não provadas pelo intelecto, a trindade e a criação do mundo trazem em si a
racionalidade de deus. O supremo bem do homem é a realização da sua verdadeira
natureza, que consiste no conhecimento de deus acessível pela razão nesta vida
e efetivada com perfeição na vida extraterrena.
Na teologia de Tomás, deus
é a fonte de tudo que existe. Em deus se confundem essência e existência. “O princípio exterior aos atos humanos que
conduz ao bem é deus, que nos instrui através da lei e nos ajuda através da
graça”. Dessa fonte divina brota o sistema cósmico no qual se inserem a lei
natural e a lei positiva. Esta última (lei positiva) é uma ordem visando ao bem
comum ditada pela razão e elaborada por quem comanda a sociedade. O objetivo da
lei humana positiva é a utilidade dos
homens. Essa lei deve ser ordenada ao bem comum da cidade. A lei divina pode
ser revelada e constar das escrituras
sagradas. A razão humana é
insuficiente para explicar e interpretar essa lei divina positiva.
O dever de obediência do povo cessa quando o governante afasta-se do bem comum e transgride a lei. Resistir à tirania e derrubar o tirano (sem matá-lo) constitui ação legítima do povo (sem tipificar sedição). Apesar do perigo de tirania, o governo de um só rei (monarquia) é mais vantajoso do que o governo de muitos (aristocracia e democracia). No final do século XIX (1801 a 1900), Tomás foi eleito filósofo oficial da igreja católica pelo papa Leão XIII. O tomismo é ensinado nas escolas católicas e tem adeptos dentro e fora da igreja. Na Idade Moderna, o tomismo sofre a concorrência do materialismo dialético, doutrina oficial do socialismo.
O dever de obediência do povo cessa quando o governante afasta-se do bem comum e transgride a lei. Resistir à tirania e derrubar o tirano (sem matá-lo) constitui ação legítima do povo (sem tipificar sedição). Apesar do perigo de tirania, o governo de um só rei (monarquia) é mais vantajoso do que o governo de muitos (aristocracia e democracia). No final do século XIX (1801 a 1900), Tomás foi eleito filósofo oficial da igreja católica pelo papa Leão XIII. O tomismo é ensinado nas escolas católicas e tem adeptos dentro e fora da igreja. Na Idade Moderna, o tomismo sofre a concorrência do materialismo dialético, doutrina oficial do socialismo.
Roger Bacon, inglês,
professor, frade franciscano, contemporâneo de Tomás, valoriza o estudo
empírico em detrimento da especulação metafísica. Ele separa as esferas da
razão e da fé, a filosofia da teologia, afasta a investigação racional do
domínio religioso. Cada setor deve manter o seu cabedal e respeitar os dogmas
do outro. A independência de um setor se conserva desde que não entre em liça
com o outro. Convivência pacífica entre dialética e revelação. Sem prejuízo da
sua pesquisa, o cientista pode ter crença religiosa. {O mesmo pensava Lavoisier
(1743 a
1794): deixo a Bíblia no console à
entrada do meu laboratório e apanho-a na saída}. As conclusões oriundas do
método dedutivo devem passar pelo teste da experiência a fim de adquirir
legitimidade. Desconfiando das traduções, por ele qualificadas de precárias,
Roger criticou Tomás por se colocar como autoridade em Aristóteles quando
incapaz de ler no original a obra do grego. Banido de Oxford por suas idéias,
Roger exilou-se em Paris (1257). Atendendo ao pedido do papa Clemente IV, Roger
lhe fornece um sumário da sua filosofia. Recebeu permissão para retornar a
Oxford. Após a morte do papa, Roger foi condenado e passou quinze anos na
prisão. Morreu em liberdade (1294).
Duns Scotus, escocês,
frade franciscano, lecionou em Oxford, Paris e Colônia (1270 a 1308). Considerado o
último dos escolásticos, ele aprofunda a ruptura entre fé e razão, dá ênfase ao
aspecto emocional e prático da religião (misticismo) em detrimento do aspecto
intelectual. Tudo deve ser aceito pela fé. A teologia não se confunde com a
filosofia. Os argumentos de Tomás e de Agostinho não são adequados, porque o
primeiro se apóia na experiência sensorial e o segundo na iluminação divina.
Além disto, argumento e prova pertencem à filosofia e não à
teologia, posto ser esta o conjunto das crenças derivadas da revelação. O poder
supremo reside na vontade de deus. Na alma humana, a vontade governa o
intelecto. O poder da vontade dá liberdade ao homem. O intelecto se restringe
pelo objeto ao qual se aplica. O poder volitivo limita-se ao que é finito.
Diante da necessidade, a liberdade é impossível. A existência do infinito é
necessária; a liberdade não tem lugar nesse campo. A doutrina da liberdade oposta à necessidade sintoniza
com o pensamento de Agostinho.
O nominalismo
foi uma das causas do declínio da escolástica. Para os nominalistas somente as
coisas individuais (singulares ou particulares) são reais. Os universais são
invenções do espírito para exprimir as qualidades comuns a certo número de
objetos. Todo conhecimento tem sua fonte na experiência. As verdades da
religião não podem ser demonstradas mediante o raciocínio lógico. Ressuscitado
no século XIV (1301 a
1400), o nominalismo popularizou-se
na Europa ocidental, serviu de base ao progresso científico e foi o cimento
intelectual dos movimentos que culminaram na revolução protestante.
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