quarta-feira, 4 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 11



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

A escolástica teve seus grandes dias no século XIII, coincidindo com a luta feroz entre o papa e o imperador (1201 a 1300). A religião institucionalizada (ecclesia romana) exercia forte influência sobre o povo. Isto contribuiu mais para a estática do que para a dinâmica social. O sistema de valores da igreja cristã – de maior eficácia junto ao povo do que junto ao clero – não era propício ao desenvolvimento econômico e ao governo civil independente, o que afligia estadistas e negocistas (reis, ministros, banqueiros, mercadores, produtores).
Os expoentes da escolástica foram: Alberto Magno, alemão, nascido em 1193, e seu discípulo Tomás, italiano, nascido na aldeia de Aquino, próxima de Monte Cassino, em 1225. Ambos eram frades dominicanos, professores na Universidade de Paris e estudiosos da obra de Aristóteles. Tal qual o filósofo grego, Alberto tratou de vários assuntos (botânica, fisiologia, cosmologia), valorizou a experimentação e definiu a filosofia natural como “conhecimento que decorre da investigação das causas dos fenômenos naturais”.
Tomás escreveu a Suma Teológica (que deixou inconclusa) e textos sobre política, economia e outras matérias. Parou de escrever após êxtase espiritual ocorrido enquanto celebrava missa em Nápoles (06/12/1273). Indagado sobre o motivo de interromper o seu lavor intelectual, ele responde que lhe foram reveladas coisas de tal ordem que diante delas tudo o que escrevera parecia palha. Antes de comunicar o conteúdo da revelação resultante desse transe, ele morre a caminho de Lyon, onde participaria de um concílio da igreja. Tomás introduziu na doutrina católica a filosofia aristotélica. Da sua obra, nota-se o propósito de demonstrar a racionalidade do universo e de estabelecer o primado da razão. Ele admite duas fontes legítimas do conhecimento: (1) a razão, que extrai da experiência sensorial a matéria do pensamento; (2) a revelação, que permite a visão e compreensão daquilo que a razão não pode alcançar.
Na concepção de Tomás, o plano cristão visava justiça e paz na Terra, bem como a salvação da humanidade em um novo mundo. Igreja e Estado reinam sobre a humanidade. O poder político tem por fim implantar o reino da justiça. Todo poder emana de deus e tudo segue a lei eterna, razão própria do governo das coisas. Ao governante compete realizar o bem comum. A igreja conduz o povo ao porto da salvação eterna. Tomás acreditava na capacidade do homem para conhecer e compreender o mundo. Na sua douta opinião, a piedade é mais um produto do conhecimento do que da fé. Embora não provadas pelo intelecto, a trindade e a criação do mundo trazem em si a racionalidade de deus. O supremo bem do homem é a realização da sua verdadeira natureza, que consiste no conhecimento de deus acessível pela razão nesta vida e efetivada com perfeição na vida extraterrena.
Na teologia de Tomás, deus é a fonte de tudo que existe. Em deus se confundem essência e existência. “O princípio exterior aos atos humanos que conduz ao bem é deus, que nos instrui através da lei e nos ajuda através da graça”. Dessa fonte divina brota o sistema cósmico no qual se inserem a lei natural e a lei positiva. Esta última (lei positiva) é uma ordem visando ao bem comum ditada pela razão e elaborada por quem comanda a sociedade. O objetivo da lei humana positiva é a utilidade dos homens. Essa lei deve ser ordenada ao bem comum da cidade. A lei divina pode ser revelada e constar das escrituras sagradas. A razão humana é insuficiente para explicar e interpretar essa lei divina positiva
O dever de obediência do povo cessa quando o governante afasta-se do bem comum e transgride a lei. Resistir à tirania e derrubar o tirano (sem matá-lo) constitui ação legítima do povo (sem tipificar sedição). Apesar do perigo de tirania, o governo de um só rei (monarquia) é mais vantajoso do que o governo de muitos (aristocracia e democracia). No final do século XIX (1801 a 1900), Tomás foi eleito filósofo oficial da igreja católica pelo papa Leão XIII. O tomismo é ensinado nas escolas católicas e tem adeptos dentro e fora da igreja. Na Idade Moderna, o tomismo sofre a concorrência do materialismo dialético, doutrina oficial do socialismo.
Roger Bacon, inglês, professor, frade franciscano, contemporâneo de Tomás, valoriza o estudo empírico em detrimento da especulação metafísica. Ele separa as esferas da razão e da fé, a filosofia da teologia, afasta a investigação racional do domínio religioso. Cada setor deve manter o seu cabedal e respeitar os dogmas do outro. A independência de um setor se conserva desde que não entre em liça com o outro. Convivência pacífica entre dialética e revelação. Sem prejuízo da sua pesquisa, o cientista pode ter crença religiosa. {O mesmo pensava Lavoisier (1743 a 1794): deixo a Bíblia no console à entrada do meu laboratório e apanho-a na saída}. As conclusões oriundas do método dedutivo devem passar pelo teste da experiência a fim de adquirir legitimidade. Desconfiando das traduções, por ele qualificadas de precárias, Roger criticou Tomás por se colocar como autoridade em Aristóteles quando incapaz de ler no original a obra do grego. Banido de Oxford por suas idéias, Roger exilou-se em Paris (1257). Atendendo ao pedido do papa Clemente IV, Roger lhe fornece um sumário da sua filosofia. Recebeu permissão para retornar a Oxford. Após a morte do papa, Roger foi condenado e passou quinze anos na prisão. Morreu em liberdade (1294).       
Duns Scotus, escocês, frade franciscano, lecionou em Oxford, Paris e Colônia (1270 a 1308). Considerado o último dos escolásticos, ele aprofunda a ruptura entre fé e razão, dá ênfase ao aspecto emocional e prático da religião (misticismo) em detrimento do aspecto intelectual. Tudo deve ser aceito pela fé. A teologia não se confunde com a filosofia. Os argumentos de Tomás e de Agostinho não são adequados, porque o primeiro se apóia na experiência sensorial e o segundo na iluminação divina. Além disto, argumento e prova pertencem à filosofia e não à teologia, posto ser esta o conjunto das crenças derivadas da revelação. O poder supremo reside na vontade de deus. Na alma humana, a vontade governa o intelecto. O poder da vontade dá liberdade ao homem. O intelecto se restringe pelo objeto ao qual se aplica. O poder volitivo limita-se ao que é finito. Diante da necessidade, a liberdade é impossível. A existência do infinito é necessária; a liberdade não tem lugar nesse campo. A doutrina da liberdade oposta à necessidade sintoniza com o pensamento de Agostinho.
O nominalismo foi uma das causas do declínio da escolástica. Para os nominalistas somente as coisas individuais (singulares ou particulares) são reais. Os universais são invenções do espírito para exprimir as qualidades comuns a certo número de objetos. Todo conhecimento tem sua fonte na experiência. As verdades da religião não podem ser demonstradas mediante o raciocínio lógico. Ressuscitado no século XIV (1301 a 1400), o nominalismo popularizou-se na Europa ocidental, serviu de base ao progresso científico e foi o cimento intelectual dos movimentos que culminaram na revolução protestante.

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