domingo, 30 de junho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO VI



Ante as péssimas condições de vida, os operários reagiram. Em São Paulo houve greve que começou na capital, espalhou-se pelo interior do Estado e ultrapassou suas fronteiras, incluindo quebra-quebra, saques, tomada de bondes, inatividade das fábricas e dos transportes ferroviários (1917). Os grevistas pleiteavam melhor padrão de vida (salários dignos, condições satisfatórias de trabalho, boa qualidade dos alimentos, redução dos preços dos bens de primeira necessidade e do aluguel da moradia). Anarquistas italianos, espanhóis e portugueses faziam parte da classe operária brasileira. Objetivando o amparo material e a defesa de direitos, a classe operária organizou sindicatos e instituições beneficentes de socorro mútuo. Diante da pressão social, o governo criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários, primeiro passo da sua atuação no terreno previdenciário (1923). Militava contra os operários a fartura de mão-de-obra do que se aproveitava a classe patronal para aviltar o valor da força de trabalho e negligenciar a salubridade. Dispondo do poder político, a classe patronal servia-se do aparelho estatal para reprimir os movimentos sociais dos trabalhadores. Ficou célebre a afirmação atribuída ao presidente Washington Luiz de que a questão social era questão de polícia. O presidente teria dito que a questão operária interessava mais à ordem pública do que à ordem social, porém prevaleceu a expressão divulgada pelos opositores.  

O ativismo do Partido Comunista Brasileiro e a rebelião dos tenentes do Exército levaram o presidente Artur Bernardes a decretar estado de sítio (1923 a 1926). Os jovens oficiais estavam descontentes com os oficiais superiores que se colocavam a serviço dos aristocratas ao invés de servirem à nação. Qualificavam de corrupto o sistema político em vigor. Mostravam-se preocupados com o custo de vida e as precárias condições existenciais de grande parcela da população. No pleito presidencial esses jovens oficiais apoiavam Nilo Peçanha, candidato da oposição. Em torno dessa candidatura uniram-se Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, movimento conhecido como reação republicana. O mineiro Artur Bernardes venceu as eleições. O governo fechou o Clube Militar e prendeu seu presidente, marechal Hermes da Fonseca, cujo filho, capitão Euclides da Fonseca, tomou o Forte de Copacabana e atacou o quartel-general do Exército. A arrojada ação repercutiu em outras unidades militares. Num gesto corajoso, rebelde e suicida, um grupo de oficiais e praças ignorou o estado de sítio e saiu do Forte de Copacabana para enfrentar a tropa do governo. Dos revoltosos, somente dois sobreviveram: Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Posteriormente, unidades militares de São Paulo se rebelaram contra o governo central (1924). Os oficiais reivindicavam um governo provisório, a convocação de uma assembléia constituinte e reforma política que incluísse o voto secreto. Houve combates nas ruas e bairros da cidade de São Paulo. Os rebeldes marcharam para o Sul e se juntaram aos rebeldes gaúchos no Paraná, de onde partiram para o norte do país. Formaram a denominada Coluna Prestes. Venceram as batalhas travadas com as forças do governo em todo o percurso. O propósito da marcha era: (1) despertar a consciência do povo brasileiro para a perversidade do sistema político em vigor e a necessidade de um novo modelo; (2) mostrar discordância com a conduta servil dos comandantes militares. O povo aguardou o desfecho. Depois de três anos de marcha e percorrer cerca de 30.000 km, Luiz Carlos Prestes declarou encerrada a missão por entender que não restava motivo para prosseguir, pois Bernardes não era mais presidente e os reflexos positivos da rebelião já se faziam sentir. Os líderes da revolta exilaram-se na Bolívia (quarenta anos mais tarde foi morto nesse país o revolucionário Ernesto Guevara, o “Che”). A dissidência no seio da oficialidade advertira o Brasil sobre a nova realidade mundial descortinada nos céus europeus.
As desavenças entre os países europeus culminaram na guerra mundial de 1914 a 1918. Em conseqüência do conflito, o mercado europeu retraiu-se. O preço do café despencou. A economia brasileira encolheu. Impossibilitado de pagar a dívida externa, o governo brasileiro valeu-se da moratória até 1927, quando reiniciou os pagamentos. A situação agravou-se com a crise mundial do capitalismo iniciada em 1929 com o estouro da bolsa de valores de Nova Iorque. Escoaram-se os créditos brasileiros ganhos durante a guerra mundial provenientes do fornecimento de cacau, açúcar e borracha aos aliados. Enquanto o governo dos EUA, abatido pela crise, trocava o capitalismo liberal pelo capitalismo intervencionista, o governo brasileiro buscava solução caseira. Para suceder Washington Luiz na presidência, disputavam as eleições pela situação o paulista Julio Prestes e pela oposição o gaúcho Getúlio Vargas. Pernambucanos, baianos, cariocas e gaúchos uniram-se para acabar com o domínio de paulistas e mineiros na política nacional. Alegando fraude nas eleições em que fora derrotado, Vargas rebela-se contra a ordem vigente. Minas Gerais e Paraíba se colocam como vítimas da fraude e se unem ao Rio Grande do Sul. As forças rebeldes destituíram Washington Luiz da presidência, impediram a posse de Julio Prestes e assumiram o comando da nação. Enquanto uma junta militar ocupava o governo central, o comando da revolução sediado na cidade de Ponta Grossa, PR, desloca-se para a cidade do Rio de Janeiro. O novo governo pretende realizar o programa da Aliança Liberal exposto por Vargas durante a campanha eleitoral. A primeira república chegava ao fim (1889 a 1930).

No Rio de Janeiro, Getúlio Vargas recebe a chefia do governo das mãos da junta militar em 03 de novembro de 1930 e baixa o decreto 19.398, de 11 do mesmo mês (carta constitucional da transição) instituindo o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil. Tem início a segunda república. O governo provisório acumula as funções legislativa e executiva até a eleição da assembléia constituinte. Foram dissolvidos todos os órgãos deliberativos nas esferas federal, estadual e municipal. O direito anterior ficou sujeito às mudanças introduzidas pelo novo regime. Na esfera do direito privado continuaram em vigor as relações jurídicas constituídas na forma da lei e foram assegurados os direitos adquiridos. Na esfera do direito público só foram mantidas as relações jurídicas harmônicas com o interesse público e com a moralidade administrativa. Para cada Estado federado foi nomeado um interventor (esgarça-se a federação). O governo provisório se propôs a garantir a segurança pública e a reorganizar a república. A futura Constituição deveria manter a forma republicana federativa de Estado sem restringir os direitos dos municípios e os direitos individuais arrolados na Constituição de 1891. Até lá, ficaram suspensas as garantias constitucionais e excluídos da apreciação judicial os atos do governo. Criou-se um tribunal especial para processo e julgamento de crimes políticos e funcionais definidos em lei e excluídos da garantia do habeas corpus.

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