sexta-feira, 28 de junho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO V



A matéria econômica e social regulada na legislação imperial foi recepcionada nas disposições gerais da Constituição republicana de 1891. O direito de propriedade foi mantido, ressalvada a desapropriação por necessidade ou utilidade pública. A propriedade das marcas de fábrica foi assegurada. Os inventos industriais pertenciam aos seus autores com garantia de privilégio temporário. Aos autores de obras literárias e artísticas era garantido o direito exclusivo de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. À exceção do flagrante delito, a prisão só era permitida após a pronúncia do acusado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Sem culpa formada ninguém podia permanecer na prisão, nem a ela ser levado, ou nela detido, se prestasse fiança idônea nos casos admitidos em lei. Ninguém seria sentenciado senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior. Aos acusados era assegurada ampla defesa. Nenhuma pena passaria da pessoa do sentenciado. Foram abolidas as penas de galés, banimento e morte, ressalvada a legislação militar em tempo de guerra. Foi mantido o júri. O habeas corpus servia à defesa de direitos na esfera cível e criminal (o mandado de segurança só veio mais tarde).

A república enfrentou dificuldades econômicas e políticas. O excesso na emissão da moeda e a especulação desenfreada em detrimento da aplicação do capital no setor produtivo causaram inflação, aumento do custo de vida, falência e endividamento externo. Ao ver as suas propostas derrotadas, o presidente Deodoro da Fonseca perdeu a paciência, dissolveu o Congresso e prendeu parlamentares da oposição. Diante da reação popular, especialmente dos trabalhadores da Central do Brasil e dos oficiais superiores da Marinha, Deodoro renunciou ao mandato em novembro de 1891. Nos termos da Constituição (art.42), devia ser convocada nova eleição, pois o mandato presidencial ainda não cobrira dois anos. Floriano Peixoto, vice-presidente, fez tabula rasa do preceito constitucional e permaneceu na presidência até o fim do quadriênio. Generais do Exército protestaram e foram presos. A Marinha se revoltou. A luta naval estendeu-se pela costa brasileira do Rio de Janeiro até Santa Catarina. No Rio Grande do Sul, opositores ao governo Floriano (federal) e ao governo Julio de Castilhos (estadual) também se revoltaram. As duas rebeliões (marítima e terrestre) foram pacificadas no governo Prudente de Morais, após quatro anos de luta (1891 a 1895). Morreram cerca de 10.000 combatentes (maragatos x pica-paus).

No Nordeste, o beato Antonio Conselheiro liderava uma comunidade situada em Canudos, interior da Bahia, de aproximadamente 25.000 pessoas simples, pobres e crédulas que aspiravam um futuro radiante e abençoado. Tinham suas próprias leis. Pretendiam autonomia por discordar dos tributos municipais e dos rumos laicos da república. Depois de três expedições bem armadas e mal sucedidas, o governo venceu a quarta, exterminou os habitantes de Canudos e destruiu cerca de 5.000 casas (1896 a 1897). No Estado do Ceará, o município de Juazeiro foi palco da rebelião popular contra o governo (1913 a 1914). Liderada pelo Padre Cícero (carismático benfeitor da gente humilde, prefeito de Juazeiro e dono de considerável patrimônio obtido no curso da sua vida religiosa e política) e pelo deputado Floro Bartolomeu (médico e amigo de Cícero) a rebelião fundiu crença religiosa e interesse oligárquico. Romeiros e jagunços foram recrutados pelos dois líderes. Vencidas as forças da oligarquia rival, governador destituído do cargo, novas eleições realizadas, Padre Cícero é eleito vice-governador e mantém liderança política até a sua morte (1934). A fama de santo milagreiro permanece até hoje. O interior nordestino foi percorrido pelo cangaço, movimento social originado nas desavenças entre famílias e nos pleitos de justiça e vingança, mescla de justiceiros e bandidos acoitados por fazendeiros (1820 a 1940).

No Sul, os Estados do Paraná e de Santa Catarina disputaram vasta área rica em madeira e erva-mate (47.880 km²). O litígio começou em 1900 e terminou em 1917 por acordo entre os dois governos (o Paraná rejeitara decisão do Supremo Tribunal Federal). A área litigiosa recebeu o nome de Contestado. Ocupando menos da metade dessa área, havia 50.000 pessoas (estimativa pelo mínimo) distribuídas em comunidades de camponeses e ferroviários desempregados (a ferrovia que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul e atravessava a região foi concluída em 1910). Diante da invasão de suas terras por latifundiários e companhias dos EUA (ferroviária e madeireira), essa população se armou e defendeu a sua posse. O primeiro líder, José Maria (monge secular, beato, curandeiro) se opôs à república (coisa do diabo), defendeu a independência dos diversos povoados da região (vilas santas) com leis próprias sob forma de monarquia (celestial). Força militar paranaense desloca-se para a vila de Palmas a fim de expulsar o monge e seu grupo (300 homens) que ali chegaram vindos de Taquaruçu, localidade catarinense. Trava-se a primeira batalha (1912). Morrem o comandante militar e o monge {na Lapa, município paranaense, a memória do monge é reverenciada em uma gruta (a gente simples o considerava santo); em Curitiba, importante via de circulação recebeu o nome do comandante militar: Avenida João Gualberto}. No ano seguinte (1913) prossegue a luta sob novas lideranças (Maria Rosa, Deodato). Os posseiros venceram as primeiras batalhas. As vilas foram atacadas por terra e ar {8.000 soldados e dois aeroplanos. Deprimido e desgostoso com a má aplicação do seu invento (guerra mundial, revolução em SP) Alberto Santos Dumont se suicidou em 1932, no Guarujá, SP, antes de completar 60 anos de idade}. Depois de sete expedições do governo, a guerra do Contestado terminou com a prisão do último líder (1916). Cerca de 20.000 pessoas morreram e 9.000 casas foram queimadas. A república diabólica venceu a monarquia celestial. 

A economia brasileira se manteve essencialmente agrícola (café como principal produto). Campônios sem terra para lavrar, sem gado para cuidar, sem mina para explorar, vieram para a cidade e se empregaram em serviços gerais na indústria, no comércio, nas casas de família; formavam a camada baixa da sociedade. Profissionais liberais, funcionários públicos, oficiais militares, clérigos, proprietários de imóveis, pequenos comerciantes, formavam a camada média da sociedade. Fazendeiros, usineiros, industriais, banqueiros, grandes comerciantes e bispos formavam a camada alta da sociedade (aristocracia rural e urbana). O espírito nobiliário e o desprezo por trabalho manual estavam enraizados na sociedade brasileira; as camadas alta e média tinham os olhos postos na França, Inglaterra e EUA e macaqueavam os costumes e a moda alienígenas. A cultura nacional era menosprezada (carnaval, música popular, esporte, literatura). A política nacional gravitava em torno dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais; os demais Estados seguiam a reboque. A competição pelos cargos eletivos primou pela deslealdade e violência. A disputa política estava adstrita aos membros das oligarquias regionais. No interior do país o mando político estava nas mãos dos coronéis. Havia permanente tensão entre governo federal e governo estadual. Cargos públicos eram preenchidos por apadrinhados; moralidade e eficiência pouco importavam. O diploma de bacharel em direito facilitava o acesso aos altos escalões da administração pública e a progressão nas carreiras política e diplomática. Havia fábricas (têxtil, química, farmacêutica, metalúrgica, mecânica, cerâmica, roupas, calçados, alimentos, bebidas, fumo, couro, borracha, madeira, mobiliário, papel), casas comerciais e bancárias, além das companhias (gás, seguros, navegação, estradas de ferro, mineração, transportes urbanos). Sem leis protetoras dos trabalhadores, os salários eram baixos, jornada de trabalho até 16 horas, famílias mal nutridas, moradias sem conforto, aluguel caro, saúde e higiene mal cuidadas, crianças e adolescentes submetidos ao regime de trabalho dos adultos, empregadores sem espírito humanitário.

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