quarta-feira, 26 de junho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO IV



O ato formal da instauração da república foi o decreto nº. 1 de 15 de novembro de 1889. Comissão nomeada pelo governo provisório elaborou projeto de Constituição, submeteu-o à apreciação de Ruy Barbosa e do Congresso Constituinte que, sob o influxo liberal, promulgou-o como Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1891). Foi adotado o modelo republicano laico, federativo e democrático. As províncias foram convertidas em Estados unidos por um vínculo perpétuo e indissolúvel, apesar de nada ser perpétuo ou indissolúvel no mundo político. Dos fatos sociais decorrem mudanças. A realeza defensora perpétua do Brasil teve o seu ocaso em 1889. A federação indissolúvel dissolveu-se duas vezes (1930 e 1964) e se restabeleceu outras duas vezes (1946 e 1988).

O município neutro criado no Império foi convertido em Distrito Federal. Reservou-se uma área de 14.400 km² no planalto central para nela ser construída a futura capital do Brasil (o que se tornou realidade 70 anos depois com a construção de Brasília). Criou-se o mecanismo da intervenção federal nos Estados para: (1) repelir invasão estrangeira (ou de um Estado em outro); (2) assegurar a integridade nacional, o respeito aos princípios constitucionais, o livre exercício de qualquer dos poderes públicos estaduais e a execução das leis e sentenças federais; (3) reorganizar finanças estaduais; (4) por termo a guerra civil. Foram estabelecidos limites ao poder de tributar. A competência tributária foi distribuída entre a União e os Estados. O legislador constituinte arrolou as atribuições federais e deixou para os Estados as atribuições residuais; aboliu privilégios de nascimento e foros de nobreza; extinguiu as ordens honoríficas com todas as suas prerrogativas e regalias, os títulos nobiliárquicos e de Conselho; tornou obrigatório o serviço militar; vedou guerra de conquista; instituiu tribunal para liquidar as contas do governo e verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso Nacional; permitiu emendas à Constituição (excetuadas as cláusulas pétreas, qualquer dispositivo podia ser alterado mediante procedimento legislativo especial).

O exercício do poder político coube a três órgãos da soberania nacional, independentes e harmônicos entre si: legislativo, executivo e judiciário. O poder moderador concentrado em um só órgão soçobrou junto com a monarquia. A função moderadora sob o novo regime descentralizou-se e assumiu a forma de controle recíproco entre os poderes constituídos (sistema de freios e contrapesos). Foram adotados: (1) o sistema de governo representativo e presidencialista; (2) o modelo bicameral de Legislativo (Câmara dos Deputados + Senado) e legislatura de três anos, assegurada representação da minoria. No exercício do mandato os parlamentares eram invioláveis por seus votos, opiniões e palavras; não podiam ser presos ou processados criminalmente sem prévia licença das suas respectivas casas legislativas. O Senado era presidido pelo Vice-Presidente da República, porém, se funcionasse como tribunal de justiça para julgar o Presidente da República, seria presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Neste caso, se houvesse condenação, a pena aplicada limitava-se à perda do cargo e à incapacidade para exercer outro cargo público.

O voto era direto e reservado aos cidadãos maiores de 21 anos, desde que alistados (o que implicava saber ler e escrever). Mulheres, mendigos, analfabetos, soldados e religiosos não foram incluídos no processo eleitoral. A cidadania podia ser suspensa por incapacidade física ou moral e por condenação criminal. O brasileiro perdia a cidadania por naturalização em país estrangeiro, ou por aceitar sem licença do governo brasileiro emprego ou pensão de governo estrangeiro. O Presidente da República era eleito pelo sufrágio direto para um mandato de quatro anos, proibida a reeleição; estava sujeito a processo perante o STF nos crimes comuns e perante o Senado nos crimes de responsabilidade. Competia-lhe: promulgar e publicar as leis; declarar a guerra, celebrar a paz e decretar o estado de sítio; relatar a situação do país ao Congresso Nacional e convocá-lo em caráter extraordinário; manter relações com nações estrangeiras, negociações e tratados na área internacional; nomear ou demitir livremente os ministros de Estado; prover os cargos civis e militares federais; nomear os juízes do STF, magistrados federais, ministros e membros do corpo diplomático e consular; exercer o comando supremo do Exército e da Marinha (a Aeronáutica ainda não existia). As forças armadas fundadas na hierarquia e na disciplina foram erigidas em instituições nacionais permanentes destinadas à defesa da pátria, da Constituição e da lei. Os oficiais do Exército e da Marinha só perderiam as patentes se condenados à pena de prisão superior a dois anos. Os militares teriam foro especial nos delitos militares.

O primeiro mandato presidencial coube aos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto (1891 a 1894). Seguiram-se: Prudente de Morais (1895 a 1898), Campos Sales (1899 a 1902), Rodrigo Alves (1903 a 1906), Afonso Pena e Nilo Peçanha (1907 a 1910), Hermes da Fonseca (1911 a 1914), Wenceslau Brás (1915 a 1918), Epitácio Pessoa (1919 a 1922), Artur Bernardes (1923 a 1926) e Washington Luis (1927 a 1930).

Aos magistrados foram dadas garantias de vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos; proibiu-se foro privilegiado, salvo para as causas que por sua natureza fossem da competência de juízos especiais. Nenhum recurso judicial era permitido contra: (1) a intervenção federal nos Estados; (2) a declaração do estado de sítio; (3) a verificação dos poderes, reconhecimento, posse, legitimidade e perda de mandato dos membros do Legislativo e do Executivo. Esta última vedação ensejou abusos e fraudes eleitorais que desembocaram na revolução getulista (1930). Aos tribunais era defeso conhecer atos do Legislativo ou do Executivo praticados na vigência do estado de sítio. Havia judiciário federal e judiciário estadual, cada qual respeitando a competência do outro, consoante forma federativa de Estado adotada.

Aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país era assegurada inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Além dos explícitos, o legislador constituinte admitiu direitos implícitos que derivassem da forma de governo e dos princípios adotados. As garantias ficavam suspensas durante o estado de sítio. Ninguém estava obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Todos eram iguais perante a lei. Nenhum imposto de qualquer natureza seria cobrado sem lei que o autorizasse. Todos eram livres para se associar ou se reunir sem armas, entrar ou sair do país, manifestar o pensamento, exercer qualquer ofício ou profissão, representar aos poderes públicos, denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados. A religião podia ser praticada pública e livremente (sem forma exterior de templo se não fosse católica). Por motivo de crença ou de função religiosa nenhum brasileiro podia ser privado dos seus direitos civis e políticos, nem se eximir do cumprimento de dever cívico. Nenhum culto ou igreja gozaria de subvenção oficial nem teria relações de dependência ou aliança com governo federal ou estadual. O ensino era laico nos estabelecimentos públicos. A casa e a correspondência eram invioláveis. Os cargos públicos eram acessíveis a todos.

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