terça-feira, 18 de junho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO II


O Poder Executivo e o Poder Moderador tinham como titular o Imperador. O Executivo era exercido através do ministério; o Moderador era privativo e exercido pessoalmente pelo Imperador. A função executiva consistia em abrir e encerrar as sessões anuais da Assembléia Geral Ordinária; expedir atos normativos necessários à execução das leis; prover o necessário à segurança interna e externa do Estado; declarar a guerra e fazer a paz; dirigir as negociações políticas com as nações estrangeiras e celebrar tratados de aliança; nomear magistrados, bispos, embaixadores e comandantes das forças armadas; prover benefícios eclesiásticos e empregos públicos; conceder cartas de naturalização, títulos, honras, ordens militares e distinções; outorgar beneplácito aos decretos dos concílios, letras apostólicas e quaisquer outras normas eclesiásticas que não contrariassem a Carta Imperial. A função moderadora consistia em nomear senadores e ministros, convocar reunião extraordinária da Assembléia Geral (Câmara + Senado), prorrogar ou adiar as reuniões ordinárias, sancionar os projetos de lei, dissolver a Câmara dos Deputados, aprovar e suspender as resoluções dos conselhos provinciais, suspender os magistrados, perdoar e atenuar penas impostas aos réus, conceder anistia. O Imperador exerceu plenamente o poder político: reinou e governou.

Nenhuma autoridade poderia avocar as causas pendentes ou sustá-las, nem rever os processos findos. Vedava-se foro privilegiado e comissões especiais nas causas cíveis e criminais, à exceção das causas que por sua natureza fossem da competência de juízos particulares. Previa-se a elaboração dos códigos civil e criminal para substituir as ordenações portuguesas. Os juízes eram vitalícios, removíveis ou suspensos quando o Imperador, após ouvir o magistrado e o Conselho de Estado, provesse a queixa que lhe fosse apresentada. Os juízes respondiam por abuso de poder e prevaricação. Na hipótese de suborno, peculato e concussão, qualquer do povo poderia promover ação popular contra o juiz infrator.

Os direitos fundamentais da pessoa natural e do cidadão constavam do texto no modelo liberal europeu do século XIX (1801-1900). A Carta Imperial garantia aos brasileiros a inviolabilidade dos direitos civis e políticos fundados na liberdade, segurança individual e propriedade. Esses direitos não podiam ser suspensos, salvo por ato do Poder Legislativo nos casos de rebelião ou de invasão inimiga. Se a assembléia não estivesse reunida, o Imperador podia tomar essa providência (suspensão) como medida provisória e indispensável, revogando-a tão logo cessada a necessidade urgente que a motivou. Ninguém seria perseguido por causa de religião, desde que respeitasse a do Estado (católica) e não ofendesse a moral pública. Eram amplas as liberdades de pensamento e locomoção. O direito de propriedade era pleno, porém, se o bem público assim o exigisse, o governo poderia usar a propriedade privada mediante prévia indenização. Os inventores tinham a propriedade das suas descobertas ou produções (com privilégio exclusivo temporário ou indenização pela perda que sofressem em virtude da vulgarização). A casa e as cartas eram invioláveis. Todo cidadão podia apresentar petição ou reclamação por escrito aos poderes públicos e expor qualquer infração à Carta (distingue-se o gênero petição da espécie reclamação). Os princípios da liberdade e da legalidade orientavam a declaração de direitos na sua formulação clássica: ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Nenhuma lei seria estabelecida sem utilidade pública e nem teria efeito retroativo. Somente nos limites da lei alguém poderia ser privado da sua liberdade. Ninguém seria sentenciado senão pela autoridade competente e em virtude de lei anterior. A lei era igual para todos, na proteção e no castigo. Todo cidadão podia ser admitido aos cargos públicos de acordo com os seus talentos e virtudes; somente por utilidade pública seriam admitidos privilégios essenciais ligados aos cargos. Os empregados públicos respondiam pelos abusos e omissões praticados no exercício das suas funções. Foram abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente (foram vedadas penas cruéis). Nenhuma pena passaria da pessoa do delinqüente. As cadeias seriam seguras, limpas, bem arejadas e haveria casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes (o legislador brasileiro é bom no papel; as leis brasileiras são avançadas para o seu tempo; já o cumprimento delas...).

A Carta Imperial organizava um Estado católico e considerava constitucional apenas o que dizia respeito aos limites e atribuições dos poderes políticos e aos direitos individuais. A reforma dessa matéria exigia um procedimento legislativo especial. As demais matérias podiam ser modificadas mediante o procedimento legislativo ordinário. Em matéria econômica e social a Carta limitava-se a: (1) abolir as corporações de ofício; (2) autorizar todo gênero de trabalho, de cultura, indústria e comércio, desde que não fosse prejudicial aos costumes, à segurança e à saúde dos cidadãos; (3) garantir os socorros públicos, a instrução primária gratuita, colégios e universidades para o ensino das ciências, belas letras e artes.

A economia do Brasil imperial repousava sobre o latifúndio (fazendas e engenhos) e o trabalho servil (escravos e agregados). Exportava-se café, açúcar, algodão, fumo, cacau, erva-mate, couro. Importavam-se máquinas, equipamentos, ferramentas e bens de consumo. A lavoura cafeeira predominou a partir de 1840. Nessa época tem inicio o processo de colonização interna com a vinda de imigrantes europeus por iniciativa dos fazendeiros e do governo. No primeiro caso, havia servidão por dívida decorrente: (1) das despesas de viagem financiada pelo fazendeiro; (2) das compras de mantimentos e utensílios no armazém do fazendeiro. No segundo caso, o governo brasileiro incentivava a imigração, distribuía terras e prestava ajuda financeira durante um ano aos imigrantes. Algumas famílias de imigrantes tiveram sucesso; outras se agregaram às fazendas ou se mudaram para centros urbanos. Cerca de 3.000 famílias estadunidenses de pele alva imigraram do sul dos EUA após a guerra da secessão (1865). A colônia estadunidense de São Paulo teve sucesso (hoje, cidade de Americana); a da Amazônia fracassou (vencidos pelas dificuldades na floresta, os gringos, na pobreza, assumiram postura cabocla).

Paulatinamente, a mão-de-obra escrava foi substituída pela assalariada até a abolição final da escravatura, quando o negro deixa de ser coisa e adquire o status de pessoa (1888). Sujeito de direitos, mas pobre e analfabeto, o negro livre só conseguiu cidadania ativa com o advento da república após aprender a ler e a escrever (sem o que não se alistava eleitor). A sua ascensão social foi lenta e sofrida em virtude da situação de extrema inferioridade da qual partiu e para a qual contribuíam o preconceito, a preferência pelo imigrante europeu e o caráter aristocrático da sociedade brasileira (branca e mestiça). Na zona urbana o comércio estava nas mãos de portugueses, ingleses e franceses. A indústria (tecidos, chapéus, cerveja, sabão) desenvolve-se a partir de 1850 quando são fundados bancos e companhias (de gás, seguros, navegação, estradas de ferro, mineração, transportes urbanos).

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