sábado, 15 de junho de 2013

SUPREMO TRIBUNAL E LEGISLATIVO



Senador da república propõe ação judicial de mandado de segurança para obstar o andamento de projeto de lei sobre novos partidos políticos. Sustenta que a matéria do projeto é inconstitucional por colidir com o artigo 17 caput e §3º, da Constituição. Alega que foi violado o seu direito líquido e certo de não participar da elaboração de lei inconstitucional. A ação foi recebida no Supremo Tribunal Federal (STF). O relator mandou suspender os trâmites do projeto a pedido do impetrante. Na sessão de julgamento (12 e 13/06/2013) os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli concederam a ordem para arquivar o projeto. Os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio negaram a ordem. Faltam os votos da ministra Carmen Lúcia e dos ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello.

Os ministros examinaram a admissibilidade do mandado sob dois aspectos: (I) a presença de direito líquido e certo; (II) a competência do tribunal para intervir no processo legislativo.  A maioria decidiu pela inadmissibilidade do mandado.  

A exigência de liquidez e certeza consta do inciso LXIX, do artigo 5º, da Constituição da República nos seguintes termos: Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

A unidade semântica da expressão líquido e certo é defendida por alguns tratadistas como termo complexo de uma única idéia. Todavia, possível é concebê-la como pluralidade semântica. Liquidez é expressão que deriva de um dos estados da matéria (sólido, líquido, gasoso). Na esfera jurídica, liquidez significa o estado em que se encontra o direito para satisfação direta e imediata; montante de um crédito sem despesa, acréscimo ou desconto. Direito líquido é como água transparente em que se pode mergulhar com segurança sem necessidade de limpeza prévia. Certeza é um dos estados da inteligência (ignorância, dúvida, opinião, certeza). Na esfera jurídica, certeza significa evidência do direito, apreensão do objeto direta e sem jaça. Líquido é o direito que pode ser exercido de imediato sem necessidade de integração; para o seu adimplemento não exige procedimentos intermediários de liquidação judicial ou extrajudicial. Certo é o direito cuja existência está provada e se mostra evidente à inteligência; apreensível de forma direta, dispensa demonstração.

Os votos vencedores reconheceram que não há direito líquido e certo na impetração, o que retira do impetrante legitimidade para ocupar o pólo ativo do mandado de segurança. Na sua liberdade pessoal e de representante de Estado federado, o senador pode participar ou não participar dos tramites de qualquer projeto de lei. Se participar, ele poderá livremente se posicionar a favor ou contra a matéria em discussão. Essa liberdade não foi violada. O impetrante criou artificialmente um direito para levar o conteúdo do projeto ao conhecimento do STF e assim abortar a gestação da lei mediante o controle prévio da constitucionalidade.

O mandado de segurança não podia ser recebido como ação coletiva, nem como ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade, porque o pólo ativo dessas ações está vedado a pessoa natural, sendo reservado às entidades relacionadas na Constituição, tais como: partido político, organização sindical, associação civil, chefe de governo federal ou estadual, mesa do senado, da câmara ou de assembléia legislativa. Destarte, o exame das outras matérias estava prejudicado. Mesmo assim, os ministros resolveram avançar.

Os votos vencedores estão em sintonia com o direito vigente no Brasil. Em não havendo vício nos trâmites do projeto de lei, o controle jurisdicional é incabível. Em razão da independência dos poderes declarada no artigo 2º da Constituição, o Judiciário não pode impedir a deliberação do Senado e da Câmara sobre o conteúdo das proposições legislativas. Na vigente ordem jurídica brasileira a regra é a não intervenção do Judiciário no processo legislativo. A intervenção é excepcional, só admissível quando: (1) normas processuais forem desrespeitadas pelo legislador (violação do devido processo legislativo); (2) proposta de emenda à Constituição tender a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais. Nestes casos excepcionais, o controle jurisdicional se faz antes de a norma ingressar no ordenamento jurídico do Estado. Em ambos os casos, o controle é prévio e repressivo: impede ou proíbe o curso do projeto e a deliberação da proposta.

A suspensão dos trâmites do projeto de lei no caso em tela caracterizou injustificável agressão ao direito, um ato abusivo do tribunal. Felizmente até agora, a maioria dos ministros decidiu cassar a liminar e indeferir a maliciosa ação mandamental. Ante a inexistência de vício formal, o projeto de lei há de seguir seus trâmites pelo Legislativo e Executivo. A comissão de constituição e justiça de cada casa legislativa controla a constitucionalidade do projeto. Se aprovado, o projeto é enviado à presidência da república onde é submetido a novo controle de constitucionalidade. Se não for vetado, o projeto converte-se em lei ao ser promulgado e publicado. Além desse controle interno no processo legislativo, há o controle externo feito pelo Judiciário quando provocado por ação judicial adequada.

Na jurisdição constitucional (prestada pelo Judiciário) o controle prévio é exceção; a regra é o controle posterior, quando a norma já se integrou à ordem jurídica. O controle prévio de caráter excepcional, técnico e democrático se distingue do controle preventivo ideológico e autocrático. Controle preventivo é tão audaz, safado e violento como a guerra preventiva inventada pelo governo dos EUA. Parte da jurisprudência reflete idéias e práticas autocráticas de alguns períodos da história brasileira. Em relação ao período democrático atual essa jurisprudência é anacrônica. Conservadores por profissão, alguns juízes demoram a se adaptar aos novos tempos; outros gostam dos velhos tempos, nutrem caráter autoritário e praticam arbitrariedade.

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