Senador da república propõe ação
judicial de mandado de segurança para obstar o andamento de projeto de
lei sobre novos partidos políticos. Sustenta que a matéria do projeto é
inconstitucional por colidir com o artigo 17 caput e §3º, da
Constituição. Alega que foi violado o seu direito líquido e certo de não
participar da elaboração de lei inconstitucional. A ação foi recebida no
Supremo Tribunal Federal (STF). O relator mandou suspender os trâmites do
projeto a pedido do impetrante. Na sessão de julgamento (12 e 13/06/2013) os
ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli concederam a ordem para arquivar o
projeto. Os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski
e Marco Aurélio negaram a ordem. Faltam os votos da ministra Carmen Lúcia e dos
ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello.
Os ministros examinaram a
admissibilidade do mandado sob dois aspectos: (I) a presença de direito líquido
e certo; (II) a competência do tribunal para intervir no processo legislativo. A maioria decidiu pela inadmissibilidade do
mandado.
A exigência de liquidez e certeza
consta do inciso LXIX, do artigo 5º, da Constituição da República nos seguintes
termos: Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
A unidade semântica da expressão líquido e certo é
defendida por alguns tratadistas como termo complexo de uma única idéia. Todavia,
possível é concebê-la como pluralidade semântica. Liquidez é expressão
que deriva de um dos estados da matéria (sólido,
líquido, gasoso).
Na esfera jurídica, liquidez significa o estado em que se encontra o direito
para satisfação direta e imediata; montante de um crédito sem despesa,
acréscimo ou desconto. Direito líquido
é como água transparente em que se pode mergulhar com segurança sem necessidade
de limpeza prévia. Certeza é um dos estados da inteligência (ignorância, dúvida, opinião, certeza). Na esfera jurídica, certeza significa
evidência do direito, apreensão do objeto direta e sem jaça. Líquido é o
direito que pode ser exercido de imediato sem necessidade de integração; para o
seu adimplemento não exige procedimentos intermediários de liquidação judicial
ou extrajudicial. Certo é o direito cuja existência está provada e se
mostra evidente à inteligência; apreensível de forma direta, dispensa
demonstração.
Os votos vencedores reconheceram que
não há direito líquido e certo na impetração, o que retira do impetrante legitimidade
para ocupar o pólo ativo do mandado de segurança. Na sua liberdade pessoal e de
representante de Estado federado, o senador pode participar ou não participar dos
tramites de qualquer projeto de lei. Se participar, ele poderá livremente se
posicionar a favor ou contra a matéria em discussão. Essa liberdade
não foi violada. O impetrante criou artificialmente um direito para levar o
conteúdo do projeto ao conhecimento do STF e assim abortar a gestação da lei mediante
o controle prévio da constitucionalidade.
O mandado de segurança não podia
ser recebido como ação coletiva, nem como ação direta de
inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade, porque
o pólo ativo dessas ações está vedado a pessoa natural, sendo reservado às entidades
relacionadas na Constituição, tais como: partido político, organização
sindical, associação civil, chefe de governo federal ou estadual, mesa do
senado, da câmara ou de assembléia legislativa. Destarte, o exame das outras matérias estava prejudicado.
Mesmo assim, os ministros resolveram avançar.
Os votos vencedores estão em sintonia com o direito vigente
no Brasil. Em não havendo vício nos trâmites do projeto de lei, o controle
jurisdicional é incabível. Em razão da independência dos poderes declarada no
artigo 2º da Constituição, o Judiciário não pode impedir a deliberação do Senado
e da Câmara sobre o conteúdo das proposições legislativas. Na vigente ordem
jurídica brasileira a regra é a não intervenção do Judiciário no processo
legislativo. A intervenção é excepcional, só admissível quando: (1) normas
processuais forem desrespeitadas pelo legislador (violação do devido processo legislativo); (2) proposta de emenda à Constituição tender a
abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e
periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais. Nestes
casos excepcionais, o controle jurisdicional se faz antes de a norma ingressar
no ordenamento jurídico do Estado. Em ambos os casos, o controle é prévio e repressivo:
impede ou proíbe o curso do projeto e a deliberação da proposta.
A suspensão dos trâmites do projeto de lei no caso em tela
caracterizou injustificável agressão ao direito, um ato abusivo do tribunal.
Felizmente até agora, a maioria dos ministros decidiu cassar a liminar e
indeferir a maliciosa ação mandamental. Ante a inexistência de vício formal, o
projeto de lei há de seguir seus trâmites pelo Legislativo e Executivo. A
comissão de constituição e justiça de cada casa legislativa controla a
constitucionalidade do projeto. Se aprovado, o projeto é enviado à presidência
da república onde é submetido a novo controle de constitucionalidade. Se não
for vetado, o projeto converte-se em lei ao ser promulgado e publicado. Além
desse controle interno no processo legislativo, há o controle externo feito
pelo Judiciário quando provocado por ação judicial adequada.
Na jurisdição constitucional (prestada pelo Judiciário) o controle prévio
é exceção; a regra é o controle posterior,
quando a norma já se integrou à ordem jurídica. O controle prévio de caráter
excepcional, técnico e democrático se distingue do controle preventivo
ideológico e autocrático. Controle
preventivo é tão audaz, safado e violento como a guerra preventiva inventada pelo governo dos EUA. Parte da
jurisprudência reflete idéias e práticas autocráticas de alguns períodos da
história brasileira. Em relação ao período democrático atual essa jurisprudência
é anacrônica. Conservadores por profissão, alguns juízes demoram a se adaptar
aos novos tempos; outros gostam dos velhos tempos, nutrem caráter autoritário e
praticam arbitrariedade.
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