A primeira experiência constitucional do Brasil foi de reino
unido ao de Portugal. A rainha Maria, o príncipe João, familiares, cortesãos,
burocratas, serviçais e forças armadas trasladaram-se de Portugal para a
América Portuguesa no início do século XIX a fim de escapar da investida de
Napoleão no continente europeu. O príncipe regente (a rainha foi considerada incapaz de reinar por
debilidade mental) abre
os portos brasileiros ao comércio internacional em 1808. Cresceram as importações
e exportações de mercadorias. A colônia progredia enquanto a metrópole estagnava
e sofria com a incômoda presença dos franceses. Da colônia americana João
declarou guerra à França e invadiu a Guiana Francesa com apoio da Inglaterra
que, em troca, recebeu algumas vantagens, tais como: renovação dos direitos
sobre a Ilha da Madeira, porto em Santa Catarina, esquadra de guerra no litoral
brasileiro, juizes por ela nomeados para aplicar a jurisprudência inglesa nos
julgamentos de súditos ingleses residentes na colônia, abolição gradual da
escravatura, reexportação de gêneros tropicais, tarifas alfandegárias
preferenciais.
O príncipe regente elevou o status da colônia
americana para reino brasileiro em 1815. Certamente, o príncipe lusitano
sentia-se infeliz e humilhado governando de uma colônia. Rei reina em reino. O novo reino
rege-se pela lei fundamental do velho reino português. Com a morte da rainha em
1816, o príncipe herdeiro, agora com o título de D. João VI, assume a coroa
real, mas permanece no reino brasileiro, mesmo cessada a ameaça napoleônica.
Houve razões estratégicas, além do fator psicológico, para a expedição da carta
régia que elevou a colônia a reino. Os defensores do absolutismo monárquico
reagiam ao movimento liberal e constitucionalista na Europa e temiam seus
efeitos na América. No Congresso de Viena de 1814 a 1815, o representante
do monarca francês sugeriu a elevação do status do Brasil sob o
argumento de que isto contentaria os súditos brasileiros e desestimularia a
expansão do liberalismo. A esperteza durou pouco. A revolução liberal
deflagra-se na cidade do Porto e toma conta de Portugal em 1820. Os
revolucionários organizam uma junta governativa que convoca as Cortes Gerais Constituintes.
Biparte-se o exercício do poder: Cortes + Rei. Por discordarem das propostas
prejudiciais ao Brasil, os deputados brasileiros eleitos pelas províncias
brasileiras às Cortes reunidas em Lisboa foram hostilizados pelos deputados
portugueses, fato que Pedro menciona na fala do trono de 1823. A Constituição do
Reino Unido (Brasil + Portugal) veio à luz em 1822, nos moldes propostos pelos
deputados portugueses.
Com a vitória dos liberais lusitanos e o retorno da sede da
monarquia a Portugal, as Cortes sentiram-se fortalecidas e tomaram várias
medidas constrangedoras, entre as quais, o envio de tropas para substituir as
que se encontravam no Brasil e que se mostravam leais a Pedro. A intenção era a
de recolonizar o Brasil. O príncipe resistiu às ordens emanadas das Cortes e
rompeu o vínculo do reino brasileiro com o reino português em 1822.
Aristocratas, governadores e tropas leais a Portugal ensejaram combates de norte
a sul do Brasil. As forças nacionais organizadas por José Bonifácio e
integradas por brasileiros e por estrangeiros contratados conseguiram derrotar
as tropas lusas. Apadrinhados pela Inglaterra, os governos do Brasil e de
Portugal celebraram a paz por tratado de 1825, em que o governo português do
pai (D. João VI) reconhecia a independência do Brasil, e o governo brasileiro
do filho (D. Pedro I) se comprometia a pagar dois milhões de libras esterlinas
a Portugal a título de indenização. Essa quantia correspondia à dívida de
Portugal com a Inglaterra e saiu dos cofres brasileiros diretamente para os
cofres britânicos.
Convocada por Pedro em junho de 1822, a assembléia
constituinte reuniu-se em maio de 1823. Os anseios republicanos ali
manifestados algumas vezes de modo grosseiro e ofensivo levaram-na à dissolução
por decreto do príncipe, cioso do trono, do poder moderador e da liberdade
dentro da ordem (12.11.1823). Tropas cercaram o prédio para proteger deputados
monarquistas das agressões de pessoas que arregimentadas pelos deputados
republicanos lotavam a galeria e o recinto do plenário, segundo narrativa de
Pedro quando imperador. Nesta mensagem, o imperador lembra a outra lida ao ser
instalada a assembléia constituinte quando advertira os deputados de que a
Constituição brasileira teria de ser digna dele. O Conselho por ele nomeado
elaborou a primeira Constituição exclusivamente brasileira (1824). Destarte, o
primeiro Chefe de Estado do Brasil independente (não mais reino unido) foi um príncipe português que outorgou uma Carta Imperial aos
brasileiros, reinou por breve tempo, abdicou do trono em favor do filho (1831),
voltou a Portugal, derrubou o rei Miguel, seu irmão, outorgou uma Carta
Imperial aos lusitanos, colocou a filha no trono e morreu em paz (1834).
A primeira Constituição
exclusivamente brasileira resultou do exercício autocrático do poder
constituinte pelo príncipe. Daí ser mais apropriado tratá-la como Carta
Imperial por seu parentesco com as cartas régias expedidas pelos monarcas.
Reserva-se o termo Constituição para o documento gerado no exercício
democrático do poder constituinte. O príncipe adotou para o Brasil o modelo da
monarquia constitucional européia. Havia flexível separação entre quatro
poderes: legislativo, executivo, moderador e judicial.
No império brasileiro o Poder
Legislativo era exercido pelos representantes do povo escolhidos pelos
eleitores de província que, por sua vez, eram escolhidos pelos eleitores de
paróquia. O sistema era bicameral (Câmara
dos Deputados + Câmara dos Senadores). A cidadania ativa cabia exclusivamente aos homens maiores
de 25 anos, salvo se fossem casados ou oficiais militares com mais de 21 anos
de idade, bacharéis formados ou clérigos de ordens sacras. Estavam excluídos do
direito de votar nas assembléias paroquiais: (I) os filhos que estivessem na
companhia dos pais (salvo se prestassem serviços em ofícios públicos); (II) os
criados de servir e os criados da casa imperial que não portassem galão branco;
(III) os administradores das fazendas rurais e de fábricas; (IV) os religiosos
e quaisquer pessoas que vivessem em comunidade claustral; (V) os que não
tivessem renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria,
comércio ou emprego. Para ser eleitor de província o cidadão devia ter uma
renda líquida anual de duzentos mil réis. Para ser eleito deputado a renda
anual do candidato devia ser de quatrocentos mil réis. Os libertos (ex-escravos) e os criminosos não podiam ser eleitores. Eram inelegíveis
os estrangeiros naturalizados e os que não seguissem a religião do Estado (católica). Em virtude dessas restrições, o corpo eleitoral era
pequeno e manipulável. A massa popular estava alijada do processo eleitoral.
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