quarta-feira, 12 de junho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO


A primeira experiência constitucional do Brasil foi de reino unido ao de Portugal. A rainha Maria, o príncipe João, familiares, cortesãos, burocratas, serviçais e forças armadas trasladaram-se de Portugal para a América Portuguesa no início do século XIX a fim de escapar da investida de Napoleão no continente europeu. O príncipe regente (a rainha foi considerada incapaz de reinar por debilidade mental) abre os portos brasileiros ao comércio internacional em 1808. Cresceram as importações e exportações de mercadorias. A colônia progredia enquanto a metrópole estagnava e sofria com a incômoda presença dos franceses. Da colônia americana João declarou guerra à França e invadiu a Guiana Francesa com apoio da Inglaterra que, em troca, recebeu algumas vantagens, tais como: renovação dos direitos sobre a Ilha da Madeira, porto em Santa Catarina, esquadra de guerra no litoral brasileiro, juizes por ela nomeados para aplicar a jurisprudência inglesa nos julgamentos de súditos ingleses residentes na colônia, abolição gradual da escravatura, reexportação de gêneros tropicais, tarifas alfandegárias preferenciais.

O príncipe regente elevou o status da colônia americana para reino brasileiro em 1815. Certamente, o príncipe lusitano sentia-se infeliz e humilhado governando de uma colônia. Rei reina em reino. O novo reino rege-se pela lei fundamental do velho reino português. Com a morte da rainha em 1816, o príncipe herdeiro, agora com o título de D. João VI, assume a coroa real, mas permanece no reino brasileiro, mesmo cessada a ameaça napoleônica. Houve razões estratégicas, além do fator psicológico, para a expedição da carta régia que elevou a colônia a reino. Os defensores do absolutismo monárquico reagiam ao movimento liberal e constitucionalista na Europa e temiam seus efeitos na América. No Congresso de Viena de 1814 a 1815, o representante do monarca francês sugeriu a elevação do status do Brasil sob o argumento de que isto contentaria os súditos brasileiros e desestimularia a expansão do liberalismo. A esperteza durou pouco. A revolução liberal deflagra-se na cidade do Porto e toma conta de Portugal em 1820. Os revolucionários organizam uma junta governativa que convoca as Cortes Gerais Constituintes. Biparte-se o exercício do poder: Cortes + Rei. Por discordarem das propostas prejudiciais ao Brasil, os deputados brasileiros eleitos pelas províncias brasileiras às Cortes reunidas em Lisboa foram hostilizados pelos deputados portugueses, fato que Pedro menciona na fala do trono de 1823. A Constituição do Reino Unido (Brasil + Portugal) veio à luz em 1822, nos moldes propostos pelos deputados portugueses.

Com a vitória dos liberais lusitanos e o retorno da sede da monarquia a Portugal, as Cortes sentiram-se fortalecidas e tomaram várias medidas constrangedoras, entre as quais, o envio de tropas para substituir as que se encontravam no Brasil e que se mostravam leais a Pedro. A intenção era a de recolonizar o Brasil. O príncipe resistiu às ordens emanadas das Cortes e rompeu o vínculo do reino brasileiro com o reino português em 1822. Aristocratas, governadores e tropas leais a Portugal ensejaram combates de norte a sul do Brasil. As forças nacionais organizadas por José Bonifácio e integradas por brasileiros e por estrangeiros contratados conseguiram derrotar as tropas lusas. Apadrinhados pela Inglaterra, os governos do Brasil e de Portugal celebraram a paz por tratado de 1825, em que o governo português do pai (D. João VI) reconhecia a independência do Brasil, e o governo brasileiro do filho (D. Pedro I) se comprometia a pagar dois milhões de libras esterlinas a Portugal a título de indenização. Essa quantia correspondia à dívida de Portugal com a Inglaterra e saiu dos cofres brasileiros diretamente para os cofres britânicos.

Convocada por Pedro em junho de 1822, a assembléia constituinte reuniu-se em maio de 1823. Os anseios republicanos ali manifestados algumas vezes de modo grosseiro e ofensivo levaram-na à dissolução por decreto do príncipe, cioso do trono, do poder moderador e da liberdade dentro da ordem (12.11.1823). Tropas cercaram o prédio para proteger deputados monarquistas das agressões de pessoas que arregimentadas pelos deputados republicanos lotavam a galeria e o recinto do plenário, segundo narrativa de Pedro quando imperador. Nesta mensagem, o imperador lembra a outra lida ao ser instalada a assembléia constituinte quando advertira os deputados de que a Constituição brasileira teria de ser digna dele. O Conselho por ele nomeado elaborou a primeira Constituição exclusivamente brasileira (1824). Destarte, o primeiro Chefe de Estado do Brasil independente (não mais reino unido) foi um príncipe português que outorgou uma Carta Imperial aos brasileiros, reinou por breve tempo, abdicou do trono em favor do filho (1831), voltou a Portugal, derrubou o rei Miguel, seu irmão, outorgou uma Carta Imperial aos lusitanos, colocou a filha no trono e morreu em paz (1834).

A primeira Constituição exclusivamente brasileira resultou do exercício autocrático do poder constituinte pelo príncipe. Daí ser mais apropriado tratá-la como Carta Imperial por seu parentesco com as cartas régias expedidas pelos monarcas. Reserva-se o termo Constituição para o documento gerado no exercício democrático do poder constituinte. O príncipe adotou para o Brasil o modelo da monarquia constitucional européia. Havia flexível separação entre quatro poderes: legislativo, executivo, moderador e judicial.

No império brasileiro o Poder Legislativo era exercido pelos representantes do povo escolhidos pelos eleitores de província que, por sua vez, eram escolhidos pelos eleitores de paróquia. O sistema era bicameral (Câmara dos Deputados + Câmara dos Senadores). A cidadania ativa cabia exclusivamente aos homens maiores de 25 anos, salvo se fossem casados ou oficiais militares com mais de 21 anos de idade, bacharéis formados ou clérigos de ordens sacras. Estavam excluídos do direito de votar nas assembléias paroquiais: (I) os filhos que estivessem na companhia dos pais (salvo se prestassem serviços em ofícios públicos); (II) os criados de servir e os criados da casa imperial que não portassem galão branco; (III) os administradores das fazendas rurais e de fábricas; (IV) os religiosos e quaisquer pessoas que vivessem em comunidade claustral; (V) os que não tivessem renda líquida anual de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Para ser eleitor de província o cidadão devia ter uma renda líquida anual de duzentos mil réis. Para ser eleito deputado a renda anual do candidato devia ser de quatrocentos mil réis. Os libertos (ex-escravos) e os criminosos não podiam ser eleitores. Eram inelegíveis os estrangeiros naturalizados e os que não seguissem a religião do Estado (católica). Em virtude dessas restrições, o corpo eleitoral era pequeno e manipulável. A massa popular estava alijada do processo eleitoral.

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