quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MAGISTRATURA

III
Lição da experiência: comentário desairoso é mal recebido pelo destinatário. A reação à crítica não elogiosa é de desagrado. As instituições, porque compostas de pessoas naturais, também externam descontentamento quando criticadas. Pequeno é o rol daqueles que, sem mágoa ou desconforto, acolhem a crítica reparadora de modo positivo. Diante do elogio, as pessoas sentem-se mais confortadas.

As críticas pejorativas à magistratura se avolumam no Brasil. Pecam ao se dirigirem genericamente aos “magistrados brasileiros”. Ao colocarem todos no mesmo saco, desconsideram diferenças quantitativas (maioria e minoria) e qualitativas (bons e maus) que existem no plano dos fatos. A maioria dos magistrados porta virtudes gerais e comuns: honestidade, operosidade, assiduidade, dedicação exclusiva à judicatura, cultura jurídica. Além desses, parcela dessa maioria exibe outros predicados próprios: coragem, independência, pontualidade, urbanidade, cultura geral. A minoria compõe-se de bandidos de toga e de barnabés de toga, dois tipos referidos nos capítulos precedentes desta série.

Ameaças à vida e a integridade física dos juízes acrescentaram-se às criticas e passaram a compor o cotidiano. O recente assassinato da juíza do Estado do Rio de Janeiro reflete essa realidade. Cabe aos presidentes dos tribunais, sob pena de responsabilidade: (i) requisitar força policial para proteger os magistrados ameaçados; (ii) averiguar a autoria, a materialidade, a extensão e o potencial das ameaças.

Magistrados reagem agressivamente, pensam em retaliação, em greve, em descuidar do processamento das ações judiciais, em reduzir o ritmo de trabalho e assim por diante. Nas idéias, nos sentimentos, nas atitudes, nas reivindicações, essa parcela da magistratura não se diferencia dos demais membros da sociedade. Entretanto, a reação conflita com o papel do juiz de agente do poder político responsável por função essencial ao Estado Democrático de Direito: (i) garantir a eficácia das liberdades públicas; (ii) controlar a constitucionalidade e a legalidade dos atos do poder público (iii) solucionar controvérsias à luz do direito e em nome da justiça e da paz social.

A partir dos anos 70, do século XX, a magistratura brasileira, quiçá estimulada pela contracultura dos anos 60, abandonou a passividade e a torre de marfim. Os juízes passaram a exigir: (i) maior participação nas associações de magistrados e nos conselhos da magistratura; (ii) critérios objetivos de avaliação do merecimento para fins de promoção na carreira; (iii) posturas afirmativas perante tribunais, chefes de governo, parlamentares e a sociedade, na defesa dos interesses e prerrogativas da magistratura. A pressão aumentou no congresso da magistratura nacional de 1986, em Recife, visando aos trabalhos da assembléia nacional constituinte de 1987/1988, até chegar ao extremado ativismo da atualidade.

O protesto pela erosão dos subsídios e o pleito pela reposição das perdas são atitudes corretas, válidas tanto para os magistrados como para os trabalhadores em geral. A defesa dos direitos e prerrogativas dos juízes através de associações representativas ampara-se no ordenamento jurídico. Desarrazoada e invertida afigura-se a crítica ao valor do subsídio formulada pela opinião pública. Os salários dos trabalhadores é que devem subir a um patamar quatro vezes superior ao valor mínimo atual. A diferença entre o valor do subsídio do agente estatal e o valor do salário do trabalhador civil deve diminuir por elevação da base e não pelo rebaixamento do teto.

O legislador constituinte moralizou a remuneração dos agentes políticos ao determinar que o fosse por subsídio fixado em parcela única. Vedou os tradicionais penduricalhos (gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação) que disfarçavam aumento de ganhos à custa do erário. No Poder Judiciário, o subsídio foi fixado por cima: todas as gratificações e adicionais foram somadas aos vencimentos. A parcela única assim obtida não trouxe prejuízo financeiro e nem reduziu o poder aquisitivo dos magistrados. A fim de manter atualizado esse padrão, a Constituição assegurou a revisão anual e exigiu lei específica para fixação ou alteração do subsídio (CR 37, X + 39, §4º). Acontece que o Poder Legislativo vem descumprindo essa norma. A Constituição exige revisão anual sempre na mesma data. O reajuste há de ser fixado de uma só vez, por um único índice, a cada ano.

A revisão é garantia constitucional. Por isso mesmo, está acima do arbítrio do legislador. Com a exigência de revisão anual, o caráter real da garantia da irredutibilidade do subsídio tornou-se evidente. As duas garantias se completam: CR 37, X + 95, III. Em tempos ditatoriais, o Supremo Tribunal Federal, curvando-se ao comando do general presidente, decidiu que a irredutibilidade dos vencimentos dos juízes tinha caráter nominal. A garantia estaria respeitada desde que o vencimento fixado em 100 não fosse reduzido para 90. O valor nominal do subsídio poderia persistir até a morte do juiz, mesmo que houvesse deterioração do poder aquisitivo. Na mesma época, juízes federais dos EUA, invocando a irredutibilidade garantida pela secção I, do artigo III, da Constituição daquele país, pleitearam reajuste do subsídio corroído pela inflação. A Suprema Corte, independente e lúcida, entendeu que a irredutibilidade dos ganhos dos juízes tinha caráter real e que a inflação os reduzia. Acolheu o pleito e determinou o reajuste pela taxa de inflação daquele ano (5%).
A omissão do Legislativo deixa o Judiciário em situação de humilhante inferioridade incompatível com a independência e a harmonia entre os poderes. Diante da abusiva e frontal violação da citada garantia, o mandado de injunção é remédio jurídico adequado para o tribunal promover o reajuste anual enquanto o legislador se mantiver omisso. Cabe a associação representativa impetrar o mandado. A expressão “alteração do subsídio” utilizada no dispositivo constitucional inclui tanto o efetivo aumento como o simples reajuste que visa a restabelecer poder aquisitivo. Isto impossibilita o tribunal de determinar o reajuste diretamente, pela via administrativa, com base em disponibilidade orçamentária, sem a lei exigida pela Constituição. Daí a necessidade da medida judicial para suprir a omissão do legislador e manter o equilíbrio entre os dois poderes.

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