terça-feira, 22 de novembro de 2011

MAGISTRATURA

IX
Artigos, reportagens, programas, veiculados através da imprensa, versando matéria sob apreciação do Poder Judiciário pressionam o magistrado para que tome decisão favorável aos interesses defendidos pelos jornalistas e pelos proprietários dos jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Nesse afã, os jornalistas às vezes se excedem, denegrindo a magistratura perante a sociedade. Apaixonado pela matéria e por seu ponto de vista, o profissional da imprensa incentiva o público a se manifestar contra juízes e tribunais. Os meios de comunicação de massa jamais foram neutros ou imparciais e o seu compromisso com a verdade é apenas formal.
Neutralidade e imparcialidade são atitudes artificiais tomadas em face de determinadas situações como, por exemplo, os conflitos entre terceiros dos quais se pretende manter distância. A parcialidade, a tomada de posição, a escolha, são atitudes naturais. Nas relações humanas, a indiferença é mais comum do que a neutralidade; a tendência é mais natural do que a indiferença; a escolha é mais intencional do que a tendência. No decorrer da sua existência como animal político, o ser humano está sempre interpretando atos e fatos, tomando decisões a favor ou contra, segundo os interesses seus, da família ou do grupo. Ordinariamente, ele comprime os fatos na sua estrutura mental e emocional; acomoda a realidade à sua visão de mundo. Desse proceder resultam análises distorcidas, falsidades e polêmicas. Essa distorção é comum no terreno da fé religiosa e eventual no terreno da ciência.
O jornalista age com aparente imparcialidade quando ouve as partes envolvidas na matéria que pretende divulgar. Na realidade, antes de ouvi-las, já leva opinião formada ou tende a aceitar uma das versões correntes; depois de ouvir as partes, escolhe a versão mais sensacional ou mais conveniente. A edição da matéria imbrica-se aos interesses, ao nível moral, intelectual e cultural, à fé religiosa, à crença ideológica e aos sentimentos do jornalista ou do proprietário da empresa.
Quando processam e julgam, os magistrados também estão submetidos a esses condicionamentos. O Poder Judiciário brasileiro foi alvo de ataques da imprensa italiana motivados pelo processo de extradição de Cesare Battisti. Discutia-se, no Supremo Tribunal Federal, se eram comuns ou políticos os crimes praticados na Itália por aquele cidadão homiziado no Brasil. Se comuns, permitiria a extradição; se políticos, a extradição estaria vedada. O tribunal decidiu que eram crimes comuns e empurrou para o Presidente da República a decisão de extraditar. O presidente negou a extradição. A sentença do tribunal ficou sem efeito.
Nos anos 80, do século XX, serventuário da justiça do Estado do Rio de Janeiro, prestando serviço em vara de família, foi posto à disposição da corregedoria porque insistia em se apresentar vestido de mulher durante o expediente. A comunidade de homossexuais (lésbicas e pederastas) reagiu, protestou, fez barulho e teve o apoio da imprensa estrangeira e nacional. Deputado estadual intercedeu a favor do travesti. O juiz manteve a ordem, apesar da pressão. Preservou o decoro.
Na primeira década do século XXI, o então advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, indicado pelo Presidente da República para ocupar vaga no Supremo Tribunal Federal, foi alvo de campanha mediática (artigos, cartas de leitores, rede de computadores) contrária à indicação: (i) por ser jovem para o cargo (41 anos); (ii) por ter sido reprovado em dois concursos para a magistratura do Estado de São Paulo, o que indicava ausência do notável saber jurídico exigido pela Constituição; (iii) por haver notícia de conduta ilícita.
Nesse episódio, à pressão mediática somou-se a pressão interna de membros do Poder Judiciário que se manifestaram contra a indicação. No Senado Federal, o candidato obteve maioria de votos e foi nomeado pelo Presidente da República (a quem servira como advogado).

Nos termos da Constituição brasileira, ao Presidente da República compete indicar candidato ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. O Senado aceita ou recusa a indicação depois de sabatinar o candidato. Em caso de aprovação (que sempre acontece por força da politicagem) o candidato é nomeado pelo Presidente da República. Se entender que ao nomeado faltam predicados, o tribunal pode lhe negar posse no cargo. Todavia, essa nobre e corajosa resistência tem faltado ao tribunal, quiçá porque seus ministros também receberam a bênção presidencial. Daí, a probabilidade da vaga ser preenchida por gente despreparada. Se o presidente que indica e nomeia for deficiente intelectual e moral, grande é a probabilidade de indicar candidato do mesmo nível. Por antipatia ou idiossincrasia em relação à magistratura – como foi o caso de Fernando Henrique, frustrado por ter sido reprovado no vestibular para a faculdade de direito, e de Luiz Inácio, despeitado por carecer de diploma universitário, ambos incomodados com a cultura e o poder dos magistrados – o Presidente da República, com apoio da maioria do Senado, pode desmoralizar os tribunais superiores, escolhendo e nomeando gente sem a qualificação que o cargo exige.

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