sábado, 12 de novembro de 2011

MAGISTRATURA

IV
O corporativismo e o ativismo exagerados retiram a majestade da instituição, enodoam a toga, comprometem a excelência da função. Nivelando-se ao ativismo dos sindicatos, a magistratura perde a dignidade que lhe é própria e o distanciamento institucional que lhe é necessário. Do magistrado espera-se conduta compatível com a dignidade, a honra e o decoro das suas elevadas funções, tanto na vida pública como na vida privada. Zelador da ordem jurídica nacional, o magistrado deve ter comportamento exemplar. Inscrevem-se entre os seus deveres: (i) cumprir a Constituição e as leis com independência e serenidade, sem exceder os prazos para despachar e julgar; (ii) tratar com urbanidade os operadores do direito e o público em geral; (iii) ser pontual ao iniciar os trabalhos no fórum ou no tribunal e ali permanecer até o encerramento do expediente; (iv) residir dentro dos limites territoriais onde presta a tutela jurisdicional, seja a comarca, a seção judiciária ou a sede do tribunal.

Supõe-se que o magistrado, ao vestir a toga, está cônscio: (i) das limitações à sua vida pública e privada decorrentes da investidura no elevado e honroso cargo; (ii) do volume de trabalho que o aguarda. Lamúrias por essas limitações e carga de trabalho são injustificáveis. O magistrado teve oportunidade de escolha, submeteu-se a concurso de provas e títulos para ingressar na carreira, ou usou da influência política para preencher vaga livre de concurso. Falta-lhe, pois, autoridade moral para reclamar da sorte que tanto perseguiu.

O poder de que se acha investido o magistrado não autoriza má educação e maus costumes. O cargo exige moderação e recato. Nas audiências em varas e nas sessões dos tribunais não há lugar para piadas e vulgaridades, gestos grotescos, expressões chulas, elogios à beleza das partes, mesuras a celebridades. Confiante em si mesmo, no seu senso de justiça, na sua ciência e experiência, o magistrado não necessita exibir cultura e erudição para demonstrar valor e merecimento. Ao exercer autoridade de maneira autoritária, o magistrado revela insegurança. O povo sabe que o magistrado aplica a lei com autoridade e que, na hipótese de injustificada resistência, dispõe da força do Estado para tornar efetivas as suas decisões.

O magistrado presta tutela jurisdicional a contento se bem preparado do ponto de vista técnico, intelectual e moral. Isto inclui o imparcial e atento exame da matéria sob sua apreciação, a ponderação das provas e dos argumentos, o correto enquadramento do fato ao direito, a solução razoável. A eventual fraqueza de uma das partes não autoriza o abandono das regras de direito. Por ser considerada mais fraca, não significa que a parte esteja com melhor direito – ou que possua algum direito – diante da parte contrária.
Justiça e caridade são conceitos distintos. O magistrado que opta pela parcialidade em nome da fraqueza de uma das partes está fazendo caridade com o bem alheio, ou seja, sacrificando o direito da outra parte. Ninguém está obrigado a ser caridoso. O juiz está obrigado a ser justo. Exemplo: Em vara de família funciona um juiz para resolver questões mediante aplicação de normas jurídicas, caminho seguro para realizar justiça no caso concreto. Não se cuida de departamento de assistência social e religiosa para aplicar regras morais e canônicas em um cenário de condutas pias. Cuida-se de um órgão do Poder Judiciário competente para prestar a tutela jurisdicional em matéria de direito de família. A conduta pia está acima da moral e do direito, situada no plano místico, enquanto a conduta juridicamente valiosa está no campo estatal da luta pelo direito, onde não se oferece a outra face para ser esbofeteada, nem se entrega o casaco a quem já lhe tirou a camisa. No templo de Themis, sob os auspícios da honestidade e da justiça, cultuam-se as máximas de não lesar o próximo; de dar a cada um, o que lhe pertence de direito.

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