terça-feira, 25 de outubro de 2011

POESIA

Soa o órgão / soa o órgão numa igreja solitária / soa o órgão no recôndito da noite / e há um jorro de murmúrios melodiosos em suas flautas / que começam suavemente... suavemente / como passos em tapetes, como dedos em carícias, como sedas que se arrastam / e, de súbito, se encrespam e distendem-se e rebramam à maneira de rio largo / que sepulta em um leito pedregoso o solene abatimento de suas águas. / Uma flauta conta histórias impossíveis de períodos afastados / outra flauta conta coisas que deviam ser verdades / e que apenas são miragens e delírios e fantasmas / uma ri e outra chora / uma ruge e outra canta. / Uma é macho que persegue e outra é fêmea que se escapa / e entre tantas variações de cavatinas melodiosas / há um corpo e há uma alma que se juntam, se penetram, se confundem / e aos abanos animados de uma graça / vão cantando pelos ares que Toledo veste o luto de suas pompas funerárias / para glória de sua igreja de duzentos e cinqüenta anos / e uma glória ainda maior daquela estirpe que essa igreja levantara. / ... / Soa o órgão / soa o órgão na igreja solitária / soa o órgão no recôndito da noite / e há um jorro de murmúrios melodiosos em suas flautas. / Um poeta dos tempos de Cervantes comparece / comparece e fala deste modo: - eu quisera de meus versos fazer músicas estranhas / porém músicas vazias, sem conceitos nem paixões / com palavras e palavras e palavras... / Oh! As vezes em que sinto o tirano pensamento que me esmaga com seus peso. / Como quisera sacudi-lo ... sacudi-lo. / Fazer versos sem idéias, como pássaros que cantam! / Oh! As vozes que no peito me derramam decepções ou esperanças. / Como quisera sepultá-las... Fazer versos sem paixões. / Como rugem os pampeiros, como riem as cascatas! / Pensamentos que me esmagam! Sentimentos que me enganam! / ... / (“A elegia do órgão” – excertos – José Santos Chocano).

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