segunda-feira, 17 de outubro de 2011

POESIA

Nada mais lindo do que uma criança que adormece rezando (disse Deus) / É como vos digo, nada mais lindo no mundo / Eu nunca vi nada tão lindo no mundo / e no entanto, muitas coisas lindas vi no mundo / E entendo de belezas. Minha criação regorgita de belezas / Há mesmo tantas belezas que nem sei onde colocá-las / Vi milhões e milhões de astros rolar sob os meus pés como as areias do mar / Vi dias ardentes como chamas / dias de verão, dias de junho, julho e agosto / noites de invernos pousadas como mantos / noites de verão, calmas e suaves como uma queda de paraísos, inteiramente consteladas de estrelas / Vi essas colinas de Meuse e essas igrejas que são minhas próprias casas / e Paris, e Reims, e Ruão, e catedrais que são meus próprios palácios e castelos / tão lindos que os guardarei no céu / Vi lágrimas de amor que hão de durar mais do que as estrelas do céu / Vi olhares de prece, olhares de ternura perdidamente caridosos / que brilharão eternamente na noite das noites / e vi vidas inteiras, do nascimento à morte / e do batismo aos santos óleos / desenrolar-se como um fuso de lã pura / E eu vos digo (disse Deus) que não conheço nada mais lindo no mundo / do que uma criança que adormece rezando / sob as asas do seu anjo da guarda / e que ri para os anjos ao adormecer / e já mistura tudo e não compreende nada / e enfia as palavras do padre nosso a torto e a direito entre as palavras da ave Maria / enquanto desce um véu sobre as suas pálpebras / o véu da noite, sobre seu olhar e sua voz / Vi os maiores santos (disse Deus), pois bem, em verdade vos digo que nada me pareceu tão gracioso e portanto tão lindo no mundo / como essa criança que adormece rezando / esse pequenino ser que adormece na confiança / e mistura o padre com a ave Maria / Nada é tão lindo, e neste ponto / a santa virgem é também da minha opinião / E posso dizer até que é esse o único ponto em que temos a mesma opinião / porquanto em geral nós divergimos / Ela é pela misericórdia / e eu tenho que ser pela justiça. (“Nada mais lindo do que uma criança...” – Charles Pierre Péguy).

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