sábado, 16 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – VII.

A narrativa de Marcos.

Discípulo de Pedro, Marcos acompanhou Paulo na viagem missionária. O livro que escreveu parece resultar dos ensinamentos de Pedro em Roma (ano 63). Marcos salta os episódios relativos ao nascimento, infância e adolescência de Jesus. Começa a narrativa com a pregação de João Batista, quando Jesus já era adulto. Marcos escreve sobre o batismo de Jesus por João Batista, o recrutamento dos apóstolos e o ministério na Galiléia: (i) a questão do jejum (ii) a escolha dos 12 apóstolos que formaram o círculo interno da comunidade cristã [colégio apostólico] (iii) as curas e as parábolas (iv) a família de Jesus. Cita, pelos nomes, os irmãos de Jesus: Tiago, José, Judas e Simão; menciona as irmãs sem citar os nomes. Fala do lamento de Jesus por ser vítima do descrédito: um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa (Jesus se qualifica profeta; na sua família, parece que só Tiago e Judas nele acreditaram). Marcos narra os milagres de Jesus, o prodígio sobre a tempestade (ao mar e ao vento Jesus ordenou calma), a missão dos apóstolos, a execução de João Batista, a multiplicação dos pães, a caminhada sobre as águas, as discussões com os fariseus, a transfiguração na presença de Pedro, Tiago e João.

Apesar de citado pelos outros evangelistas como testemunha ocular, João, no seu evangelho, não faz referência alguma à transfiguração. Apóstolo da primeira hora, entusiasta do mestre, João não deixaria de mencionar o espetacular episódio. Lucas narra-o com mais detalhes do que Mateus e Marcos; diz que os apóstolos se deixaram vencer pelo sono e quando acordaram viram Jesus, Moisés e Elias conversando, envoltos em glória; o rosto e as vestes de Jesus resplandeciam de alvura incomum. Foi um sonho, provavelmente. Os apóstolos não podiam identificar Moisés e Elias, pois desconheciam a sua aparência. Naquele tempo ainda não havia fotografias e filmes. Atualmente, a fisionomia de Jesus e dos apóstolos é desconhecida.

Na terceira parte do livro, Marcos trata do ministério de Jesus na Judéia: (i) matrimônio (ii) crianças abençoadas (iii) entraves da riqueza para quem pretende entrar no reino dos céus: é mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no reino de Deus (iv) profecia do julgamento e morte de Jesus (v) entrada em Jerusalém [um pouco diferente da versão de Mateus] (vi) o tributo a César (vii) debate sobre ressurreição com os saduceus, que a negavam (viii) os dois maiores mandamentos. Sobre a descendência de Davi, Jesus fala do Cristo como se não fosse ele e expõe o seguinte argumento: Davi chamou o Cristo de Senhor, que senta à direita do outro e poderoso Senhor; ora, o subalterno não pode ser pai do superior; logo, o Cristo não pode ser filho de Davi. O ungido de Deus (cristo) independe da tribo, dinastia ou raça. Marcos menciona a profecia de Jesus sobre a destruição do templo. A quarta parte do livro trata da paixão e ressurreição de Jesus; reproduz a narrativa de Mateus. Acrescenta as sucessivas aparições de Jesus após a crucifixão: (i) a Maria Madalena (ii) a dois discípulos sob outra forma [?] (iii) aos 11 apóstolos, quando sugere futura descida do espírito santo sobre eles (no dia do Pentecostes): estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados.

A narrativa de Lucas.

Companheiro das missões de Paulo, Lucas escreveu este livro por volta do ano 68. No prefácio, dirige-se a Teófilo (certamente seu discípulo). Diz que escreve o que aconteceu e coloca em ordem os fatos para que Teófilo tenha certeza das verdades que lhe foram transmitidas; que a narrativa estriba-se em depoimentos de testemunhas oculares, ministros da palavra (apóstolos da primeira hora). Na parte inicial do livro, Lucas narra o nascimento milagroso de João e de Jesus; a visita de Maria (grávida de Jesus) a Isabel (grávida de João); a circuncisão do menino por exigência da lei de Moisés; a consagração do menino ao Senhor (primogenitura); a presença de Jesus, aos 12 anos de idade, no templo de Jerusalém, durante a páscoa, onde fora esquecido pelos pais que, ao retornarem para buscá-lo depois de três dias, encontraram-no sentado entre os doutores do templo, ouvindo e interrogando.

Na segunda parte do livro, Lucas escreve sobre a pregação de João Batista, o batismo de Jesus, a sua genealogia e a tentação no deserto. A terceira parte versa o ministério de Jesus na Galiléia: (i) a rejeição que sofreu na cidade onde morava (ii) as diversas curas (iii) a pesca milagrosa (iv) a escolha dos 12 apóstolos (v) o sermão da montanha (vi) a troca de mensagens entre João Batista e Jesus (vii) a mulher que lavou os pés de Jesus às lágrimas, ungiu-os com perfume caro e os secou com os próprios cabelos (viii) as mulheres que o acompanhavam pelas aldeias e cidades (Maria Madalena, Joana, Suzana) (ix) outros tópicos abordados pelos evangelistas anteriores. Na quarta parte, Lucas narra os eventos referentes à viagem de Jesus a Jerusalém: a seleção de 72 discípulos para: (i) precedê-lo em todos os lugares por onde ele teria de passar (ii) anunciarem a vinda do reino de Deus (iii) curarem os enfermos (não leveis bolsa, nem mochila, nem calçado). Refere-se ao episódio na aldeia de Betânia, na casa das irmãs Marta e Maria (enquanto Marta cuidava dos afazeres domésticos, Maria colocou-se aos pés de Jesus para ouvi-lo, o que desagradou à irmã mais velha). Jesus ensina a orar (“Pai Nosso” mais breve do que o citado por Mateus). Jesus censura os fariseus durante o jantar em casa de um fariseu (ignorou as normas do hóspede bem educado e o ditado popular: não se fala de corda em casa de enforcado). Jesus instrui os discípulos, faz novos milagres, novas curas e novas parábolas. Lucas menciona a ameaça de Herodes e a insistência de Jesus em prosseguir viagem; a hospedagem de Jesus na casa de Zaqueu, em Jericó; a lição sobre humildade; a assertiva sobre o reino de Deus: não virá de um modo ostensivo, nem se dirá ei-lo aqui ou ei-lo ali, pois o reino de Deus já está no meio de vós. Na quinta parte, Lucas narra o ministério de Jesus em Jerusalém: a entrada na cidade, a expulsão dos mercadores do templo e demais assuntos tratados por Mateus e Marcos. A sexta parte refere-se à paixão de Jesus e demais lances narrados nos outros evangelhos com diferenças acidentais e semelhança no essencial. No episódio da aparição, Lucas diz que os apóstolos ficaram espantados e perturbados, pensando ver um espírito e que Jesus os censura, mostrando estar ali em carne e osso; pede algo para comer e afirma que ficará na cidade até que eles fossem revestidos da força do alto (espírito santo).

Há discrepância quanto à ascensão. Lucas diz que Jesus levou os apóstolos para Betânia e enquanto os abençoava separou-se deles e foi arrebatado ao céu. Marcos não menciona lugar algum: depois que o Senhor Jesus lhes falou, foi levado ao céu e está sentado à direita de Deus. Mateus não fala em ascensão; diz, apenas, que a reunião foi na Galiléia (Betânia ficava na Judéia). João também não fala de ascensão; diz que os discípulos estavam reunidos no mesmo dia da ressurreição quando Jesus veio, saudou-os e soprou sobre eles dizendo: recebei o espírito santo; aqueles a quem perdoares os pecados, ser-lhes-ão perdoados, aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Tomé estava ausente e ao ser informado do acontecido disse que só acreditaria se o visse e o tocasse, o que aconteceu oito dias depois.

A narrativa de João.

Dos 12 apóstolos, João era o mais novo em idade. Ele foi pintado por Leonardo da Vinci no quadro da última ceia como um adolescente imberbe. João se refere a si mesmo como o discípulo que Jesus amava. Os outros discípulos também eram amados. É possível que João, por ser muito jovem, recebesse um carinho especial do mestre. Daí, o seu evangelho um tanto diferente dos outros, inclusive pela forma entusiástica de tratar o mestre, a quem outorga o galardão de divino. João ditou o seu evangelho aos 80 anos de idade, aproximadamente. Não se descarta a hipótese de a senilidade ter afetado a expressão das suas idéias, sentimentos e recordações. No prólogo do livro, ele declara que Jesus é o Verbo e que o Verbo é Deus e que ninguém jamais viu Deus (o que faz da visão de Deus por Moisés e outros profetas uma balela). Diz, ainda, que o filho único que está no seio do Pai, foi quem o revelou.

A seguir, João discorre sobre João Batista e o batismo de Jesus. Silencia sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus. Menciona os primeiros discípulos indicados por João Batista. Narra: (i) o primeiro milagre ocorrido em uma festa de casamento na aldeia de Cana, na Galiléia [transformação da água em vinho] (ii) a conversa de Jesus com Nicodemos sobre o renascer da água e do espírito para entrar no reino de Deus (iii) o episódio da samaritana que deu água a Jesus (iv) a pregação de Jesus na Samária [região central da Palestina] (v) as diversas curas realizadas por Jesus (vi) o discurso em que Jesus diz aos judeus que fala e age em nome de Deus (vii) a festa dos tabernáculos, em Jerusalém, quando Jesus dá lições no templo e é questionado pelos judeus que o ameaçam de prisão e morte (viii) o julgamento da mulher adúltera: quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra [o adultério era punido com a morte por apedrejamento, segundo a lei dos hebreus] (ix) o debate entre Jesus e os fariseus e a fuga para não ser apedrejado por haver dito: eu sou a luz do mundo, aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida (x) a parábola do bom pastor (xi) a ressurreição de Lázaro (xii) a fuga de Jesus para Efraim, porque o Grande Conselho pretendia prendê-lo e matá-lo (xiii) a ceia na casa de Lázaro e de suas irmãs Marta e Maria, na aldeia de Betânia, quando Maria derrama bálsamo de nardo puro nos pés de Jesus e os enxuga com os cabelos, sob os protestos de Judas Iscariotes [tesoureiro do grupo] que alega desperdício (xiv) a entrada de Jesus em Jerusalém para a páscoa.

Na última parte do livro, João conta como Jesus lavou os pés dos apóstolos durante a última ceia e deu pão embebido em vinho a Judas Iscariotes para indicar que era ele o traidor. João não esconde o seu ódio pelo Iscariotes, atiçado, quiçá, pelo ciúme: Judas era alvo da atenção e da confiança de Jesus. A se acreditar em João, ter-se-ia de admitir que Jesus agira de modo teatral. Depois da ceia, ordenou a Judas que fizesse o que tinha de fazer (como se houvesse acordo entre eles dois). Os outros evangelistas narram o episódio de forma singela e diferente. Jesus falou a todos em tom de despedida. Ao notar inveja e competição entre os apóstolos, deu novo e específico mandamento: amai-vos uns aos outros. João menciona ainda: (i) o amor de Cristo (ii) o amor fraterno e o ódio ao mundo (iii) a vinda do Paráclito (espírito santo) e a recepção pelos apóstolos (iv) prisão, julgamento, crucifixão, sepultamento e ressurreição de Jesus (v) aparição a Maria Madalena e aos discípulos (vi) a incredulidade de Tomé (vii) a derradeira aparição junto ao lago de Tiberíades (viii) a pesca milagrosa e a reunião com os discípulos. João dá testemunho dos fatos e da fé em Jesus. Apóstolos da primeira hora, ele e Mateus não deixariam passar in albis evento da magnitude da ascensão. No entanto, ambos encerram seus evangelhos sem falar sobre o destino de Jesus após a última reunião.

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