domingo, 10 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – IV.

Paulo superou os apóstolos em número de cartas e de viagens. O intuito de Paulo era evidente: deixar por escrito as regras de organização da igreja e, ao mesmo tempo, afirmar a sua autoridade e independência em relação ao colégio de apóstolos. Das suas epístolas constata-se que Paulo outorgou a si próprio o título de apóstolo de Cristo. Afirma, falsamente, ter recebido o título diretamente de Jesus (matéria de artigo neste blog). Após a crucificação de Jesus, competia ao colégio apostólico a escolha dos novos apóstolos mediante escrutínio. Paulo não se submeteu. Na carta aos gálatas, gaba-se da sua independência em relação aos apóstolos e da sua própria autoridade outorgada por Deus e Jesus Cristo. Na Palestina, os cristãos eram vistos como um bando de vagabundos, anarquistas de uma nova seita. Intelectual, doutor na lei, fariseu, Paulo certamente achou um despropósito submeter o seu nome a um grupo com aquela fama e que ele aterrorizara tempos atrás.

Embora deficientes em cultura geral, os apóstolos receberam lições de Jesus durante três anos; adquiriram cultura religiosa, além da sabedoria advinda tanto da experiência comum como da experiência extática. Analfabetos, sim (condição geral dos palestinos); ignorantes, não. Entre os discípulos, Jesus escolheu 12 para o círculo interno da escola e os investiu de autoridade. A eles cabia escolher os novos apóstolos e discípulos na ausência definitiva de Jesus.

Paulo conta que viajou para a Arábia depois de ter visto Jesus, e que ficou no deserto por 40 dias. Não há prova dessa quarentena. Paulo tenta se nivelar a Jesus para impressionar o seu público (Jesus permanecera por 40 dias e 40 noites no deserto). Decorridos três anos, ele vai a Damasco anunciar o evangelho. Ameaçado de morte pelos judeus daquela cidade, foge para Jerusalém, onde conhece Pedro e Tiago, que lhe apertaram a mão e concordaram em dividir as tarefas: Paulo anunciaria o evangelho aos povos da Ásia (acabou incluindo cidades da Europa). Ele volta para Tarso, sua cidade natal, onde permanece por três anos. A seguir, convidado por Barnabé, muda-se para a igreja de Antioquia e de lá empreende viagens missionárias (como narrado no livro “Atos dos Apóstolos”) sempre em companhia de um apóstolo (Barnabé) ou discípulo (Marcos, Silvano, Timóteo, Lucas). Na segunda viagem, quando se encontrava em Corinto, escreve as duas primeiras epístolas à igreja da Tessalônica. Na terceira viagem, quando estava em Éfeso, escreve às igrejas da Galácia (uma epístola), de Roma (uma) e de Corinto (duas). Viaja então a Jerusalém, onde é detido por oficial romano como garantia de vida, pois os judeus tentaram matá-lo no templo. Ele conta que, escoltado por soldados romanos, foi enviado a Cesaréia e de lá removido para Roma por ter apelado ao imperador, onde ficou preso por dois anos. Durante esse período, escreve cartas aos efésios, colossenses, filipenses e a Filêmon. Obtida a liberdade, escreve duas epístolas a Timóteo (bispo de Éfeso), uma para Tito (bispo de Creta) e outra para os hebreus (propriamente aos judeus, pois não há notícia dos israelitas).

Das epístolas, depreende-se que Paulo estava ressentido pelo fato de não pertencer ao colégio apostólico organizado por Jesus. Ele desertara da corporação policial da Judéia e abandonara a missão, que lhe fora confiada pelo Sinédrio, de buscar e prender cristãos. Se voltasse a Jerusalém, seria preso como desertor e traidor. Portanto, deixou passar alguns anos para voltar. Se Paulo apostou no esquecimento, enganou-se. Foi chamado à responsabilidade pelos judeus. Ele apelou ao imperador. Após obter liberdade em Roma, Paulo visita as igrejas do Oriente. Ao retornar da viagem, foi preso e decapitado no dia em que Pedro foi crucificado. Os dois foram executados por ordem da autoridade romana. A lei romana reservava a crucifixão aos estrangeiros (Pedro) e a decapitação aos cidadãos romanos (Paulo). A prisão e a execução da pena de morte resultaram da perseguição aos cristãos iniciada após o incêndio da cidade de Roma (ano 64). Sobre os cristãos pesava a suspeita da autoria da ação incendiária, em virtude da fama de serem cidadãos desleais, perigosos, subversivos, pois não prestavam juramento nos pretórios romanos e se negavam a participar da religião cívica. Além disto, pregavam humildade e paz, censuravam os ricos e, segundo os seus acusadores, mantinham reuniões secretas.

Aos tessalônicos, por volta do ano 50, Paulo diz que o evangelho chegou aos crentes não só por palavras, mas, sobretudo, pelo espírito santo (coloca em segundo plano as palavras ditas por Jesus); elogia aqueles que abandonaram os ídolos; menciona as suas próprias dificuldades e sofrimentos por anunciar o evangelho; defende-se das acusações de usar linguagem bajuladora, de intuitos gananciosos e de exigir contribuição financeira dos crentes para a sua glorificação pessoal; dá graças pela compreensão recebida dos tessalônicos e por sofrerem as mesmas dores do que ele [(?) discurso bajulador]; lamenta que os judeus, não contentes em matar Jesus e os profetas, ainda perseguem os apóstolos e os impedem de falar aos gentios (= pagãos, estrangeiros); alegra-se com as boas notícias trazidas por Timóteo; dita prescrições morais, tais como: a mulher deve ser tomada por esposa, não pela lascívia e sim em santificação e honra; refere-se à morte como sono, do qual os fiéis serão despertados por Deus; vivos e mortos serão arrebatados entre nuvens ao encontro do Senhor nos ares; exorta os crentes à mútua consolação e a se manterem vigilantes, pois repentina será a vinda do Senhor; os crentes devem admoestar os insubmissos, consolar os desanimados, amparar os fracos, ser magnânimos com todos, sem retribuir o mal com o mal, dar graças por tudo, reter o que for bom em todas as coisas. Paulo formula votos para que Deus santifique a todos os crentes, que o espírito, a alma e o corpo (?) de cada um se mantenham íntegros ante a vinda de Jesus Cristo; fala da vingança de Deus, em chama de fogo contra quem desobedece ao evangelho; que Deus matará o iníquo com o sopro da sua boca. (Ele coloca no Pai Celestial de Jesus, a veia homicida, sinistra e cruel de Javé/Jeová, deus dos hebreus). Paulo pede obediência à sua epístola; que o pão seja pago por quem o come; todos trabalhem para não ser peso a ninguém: quem não trabalha, não come.

Na epístola aos gálatas, por volta do ano 56, após glorificar a si próprio, se dizendo apóstolo escolhido diretamente por Deus e por Jesus Cristo, Paulo alerta-os de que não existem dois evangelhos. Rebate os comentários de que a sua pregação era insuficiente à salvação e que a circuncisão era necessária. Ele se defende da acusação de oportunista porque mandara seu discípulo Timóteo circuncidar-se para agradar os judeus convertidos e depois se colocou contra a circuncisão para agradar os pagãos convertidos. Defende, ainda, a sua autoridade e a sua liderança ao afirmar que o seu evangelho vem de fonte divina e não humana. Rememora seu passado farisaico, sua conversão, sua independência em relação ao colégio apostólico e a qualquer apóstolo, as viagens missionárias por iniciativa própria, sem depender da autorização de ninguém. Põe-se no mesmo nível de Pedro em importância e autoridade: aquele que fez de Pedro o apóstolo dos circuncisos, fez também de mim o dos pagãos (falseou a verdade em benefício próprio). Informa que Pedro, Tiago e João, considerados as colunas do edifício cristão, deram a mão a ele e a Barnabé em sinal de acordo: aqueles três cuidariam dos circuncisos e estes dois cuidariam dos pagãos, especialmente dos pobres. Paulo gaba-se da censura que fez a Pedro durante a assembléia (episódio comentado em artigo publicado neste blog). Sem modéstia alguma, afirma sua unidade com Jesus (Cristo vive em mim); censura aqueles que retornaram ao paganismo: só quem tem fé pode ser filho de Abraão. Este é mais um trecho em que Paulo manifesta o seu judaísmo e, ainda, acrescenta: a lei que veio 430 anos depois (mensagem de Jesus) não pode anular o testamento feito por deus e a promessa feita a Abraão e à sua descendência (mensagem de Moisés). (O cristão autêntico certamente prefere ser filho do Pai Celestial de Jesus, do que ser descendente de um proxeneta).

Paulo reclama da perda de entusiasmo dos gálatas para com a pessoa dele e se declara enviado de Deus. Sem amparo na realidade, mas tão só para fins de convencimento dos crentes, Paulo diz que Ismael, filho da natureza (= da mãe escrava egípcia) perseguia Isaac, filho da liberdade (= da mãe judia) e que ele e os crentes são filhos da liberdade. Este sofisma ampara os judeus (= Isaac) que se dizem vítimas dos árabes (= Ismael). Segundo a opinião de Paulo, liberdade não significa entregar-se às obras da carne: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição, inimizades, briga, ciúme, discórdia, ódio, ambição, inveja, bebedeira, orgia. A obra do espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. O crente não deve ser ávido de vangloria; no seio da comunidade não há lugar para provocações e inveja; quem for surpreendido em falta deve ser admoestado com mansidão; todos devem se cuidar para não cair em tentação; ajudar um ao outro, porém, cada um carrega o seu próprio fardo; quem recebe a catequese deve repartir todos os seus bens com aquele que o instrui (o que se mostrou de grande valia ao tesouro do clero); o que o homem semeia isso mesmo colherá. Ao encerrar a missiva, Paulo diz que a escreveu de próprio punho e torna a condenar a circuncisão.

Por volta do ano 57, Paulo escreve à igreja de Roma (anciãos + bispos + presbíteros + diáconos + crentes). O intróito é o mesmo das epístolas anteriores. Embora a Ásia fosse a sua jurisdição, Paulo visitava cidades européias por serem pagãs. Percebe-se nele, o desejo de dividir com Pedro a proeza de catequizar os habitantes da capital do Império Romano. Essa ambição custou-lhe a vida. À igreja de Roma ele diz que o evangelho é uma força vinda de Deus para salvar os crentes; que Deus se manifesta do céu contra a impiedade e a perversidade dos homens que, pela injustiça, aprisionam a verdade. Paulo dá conselhos e dita preceitos éticos; critica a depravação de homens e mulheres e cita os vícios; as bênçãos cabem aos judeus em primeiro lugar e depois aos estrangeiros, embora não deva existir distinção entre as pessoas; justos são os que praticam a lei, pois não basta ouvi-la; censura quem ensina o bem e pratica o mal; a verdadeira circuncisão é a do coração, segundo o espírito da lei e não a letra; a incredulidade de Israel serviu para salvar os pagãos que receberam o evangelho; a injustiça humana realça a justiça divina; há um só Deus para judeus e pagãos. Paulo informa que levará o dinheiro coletado na Acaia e na Macedônia aos irmãos de Jerusalém que se acham na pobreza; depois, passará por Roma a caminho da Espanha. Finaliza dizendo que o Deus da paz não tardará a esmagar Satanás sob os pés dos crentes.

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