terça-feira, 26 de abril de 2011

DIREITO

IMUNIDADE PARLAMENTAR

Do ponto de vista biológico, imunidade significa resistência do organismo a doenças e infecções. Do ponto de vista social e econômico, imunidade significa isenção de ônus desfrutada por pessoas e coisas. No Brasil, servem de exemplo, no que tange a tributos: os templos de qualquer culto, partidos políticos e suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de ensino e de assistência social sem fins lucrativos, livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (CF 150, VI). Do ponto de vista político, imunidade significa inviolabilidade e irresponsabilidade desfrutadas por agentes políticos (parlamentares, chefes de governo, magistrados).

No Estado Democrático de Direito, a representação popular exige ampla liberdade do representante na sua função dentro e fora do palácio, no interior ou no exterior do país. Essa liberdade inclui atitudes ativas e passivas, manifestação do pensamento mediante voto, palavra, opinião. Dessa necessária liberdade decorre a imunidade para colocar o parlamentar ao abrigo de constrangimentos oriundos dos poderes executivo e judiciário, de setores da sociedade ou de indivíduos isolados. A imunidade protege o parlamentar contra freios postos indevidamente à sua atividade. A soberania popular por ele exercida desconhece limites, salvo os estabelecidos na Constituição. Ao parlamentar cabe exercer o poder político dentro dos parâmetros constitucionais.

Segundo a Constituição brasileira de 1988 (art.53) o parlamentar é inviolável por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos: não pode ser preso (inviolabilidade) nem processado (irresponsabilidade). Nos casos excluídos dessa específica imunidade, o parlamentar poderá ser processado perante o Supremo Tribunal, em se tratando de ilícito criminal, e perante a justiça comum, na hipótese de ilícito civil. A casa legislativa do parlamentar poderá sustar os trâmites da ação penal. Ele será preso em flagrante de crime inafiançável, mas a sua casa legislativa poderá examinar os autos e decidir se mantém ou se relaxa a prisão. O parlamentar não está obrigado a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que as prestaram ou que as receberam.

Embora restrita às opiniões, palavras e votos, essa imunidade pode ser afastada. O parlamentar fica ao desamparo da imunidade se exercer o mandato no interesse particular, para satisfazer sentimentos e propósitos pessoais. O mandato lhe é outorgado para defender o bem comum, o interesse nacional, o patrimônio público, os valores acolhidos pela Constituição. Ao exercer o mandato fora desses parâmetros, o parlamentar entra na movediça areia da ilicitude. Neste caso, ele poderá sofrer (1) na área social: repúdio da sociedade; (2) na área política: sanções (i) do eleitor que lhe negar o voto em futuras eleições (ii) da casa legislativa que lhe cassar o mandato por falta de decoro; (3) na área judiciária: condenações no juízo cível e criminal.

O abuso das prerrogativas, além de tipificar incompatibilidade com o decoro parlamentar [CF 55, 1º] pode violar direitos assegurados na Constituição. Neste caso, defrontam-se: de um lado, os direitos constitucionais da vítima; de outro, os direitos constitucionais do parlamentar. Cabe aos juízes e tribunais, se provocados no devido processo, a solução da controvérsia, pois, nem a lei pode excluir da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito (CF 5º, XXXV).

Toda pessoa juridicamente capaz responde por suas ações e omissões quando vigora o estado democrático de direito. Quanto aos agentes políticos, há exceções necessárias ao desempenho das suas relevantes funções. Tais exceções qualificam-se como imunidades ou prerrogativas que constituem direito do titular do cargo público. O abuso no exercício desse direito tipifica antijuridicidade, hipótese em que a imunidade não socorre o agente. A ordem jurídica republicana e democrática não tolera abuso, tanto o praticado pelo governante lato sensu (parlamentar, chefe de governo, magistrado) como o praticado pelo governado (pessoa natural, pessoa jurídica). No setor governamental, o abuso se caracteriza por: (1) excesso de poder = atuar fora das atribuições legais; (2) desvio de finalidade = buscar fins estranhos ao mandato, ao interesse público, à lei e à Constituição; (3) conduta indecorosa = contrariar normas éticas.

O parlamentar perderá o mandato se transgredir as vedações estabelecidas na Constituição (art. 54/55). Sob o manto da imunidade, o parlamentar não tem o direito de injuriar, difamar, caluniar, a pretexto de liberdade de opinião, palavra e voto, quando as ofensas são estranhas ao interesse nacional, à necessidade ou utilidade pública, ao interesse público, desligadas dos valores vigentes na sociedade tais como: honestidade, veracidade, justiça. A imunidade não foi instituída como licença ao parlamentar para exteriorizar sentimentos mesquinhos, ofensas pessoais, propósitos particulares, atitudes desonrosas, ações desonestas e criminosas.

O mandato popular não autoriza o mandatário a agir despudoradamente, sem vínculo com a moral e o direito, violando inclusive princípios fundamentais da nação, como o princípio da dignidade da pessoa humana. Tipifica abuso no exercício das prerrogativas parlamentares o agravo à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, quando desvinculado dos objetivos constitucionais do mandato. Esses objetivos estão arrolados no quadro das competências do poder legislativo (CF 48/52). Essencialmente, além de legislar, cabe ao parlamentar a fiscalização e o controle dos demais poderes no chamado sistema de freios e contrapesos, fórmula democrática do poder moderador. O mandato parlamentar deve ser exercido em sintonia com os objetivos da república brasileira: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF 3º).

Não se compadece com a ética e o direito, por exemplo: (i) fraudar o sistema de votação (ii) manter funcionário fantasma nos gabinetes (iii) embolsar verbas de despesas não realizadas (iv) turismo com dinheiro do contribuinte (v) nepotismo (vi) leviana e publicamente, fora do devido processo, atribuir a ministro de estado, a jornalista ou a qualquer pessoa, predicados desonrosos (vagabundo, mentiroso, fofoqueiro, safado) no propósito de satisfazer sentimento pessoal, interesse privado, sem compromisso com a verdade, sem atender às finalidades do mandato. Quem desse modo abusa da imunidade fica sujeito a sanções. Além da satisfação devida à sociedade em geral e ao corpo eleitoral em particular, parlamentares federais, estaduais e municipais devem responder pelos abusos praticados. O devido processo jurídico instaura-se tanto no âmbito da casa legislativa, como no âmbito dos tribunais.

O mau costume não revoga a boa norma. Ainda que o ser (conduta efetiva) discrepe do dever ser (norma), o preceito não perde vigência no ordenamento jurídico. A má conduta habitual não invalida a norma. O fato de a casa legislativa servir de valhacouto a gente indigna, desonesta, criminosa, eleita pelo voto popular, não retira a vigência do preceito contrário ao abuso. A frouxa reação ao domínio dessa gente se deve (i) à cumplicidade e à conivência (ii) à astuciosa invocação da soberania do voto popular (iii) ao atraso cultural do eleitor (iv) à inércia da cidadania (v) ao falacioso argumento da separação dos poderes (vi) à jurisprudência vacilante.

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