domingo, 3 de abril de 2011

RELIGIÃO

NOVO TESTAMENTO – I.

Encerrado o resumo dos livros do Antigo Testamento (AT), passo a resumir os livros do Novo Testamento (NT), tarefa com término previsto para a véspera da semana santa.

Enquanto o fio condutor do AT é a aliança entre o deus Javé, o líder Moisés e o povo hebreu (particularidade), o fio condutor do NT é a doutrina de Jesus, a sua fonte divina, tendo como destinatários judeus e pagãos (universalidade). Os escritores do NT procuram imitar os escritores do AT (continuum da cultura religiosa hebraica). O caráter ficcional do AT prossegue no NT. Tanto lá como cá, a divindade é antropomórfica e assume posições próprias do mundo terreno: senta em um trono (realeza), tem uma direita e uma esquerda, ambas poderosas, a dar inveja ao Mike Tysson.

Simpatia e antipatia, fanatismo e moderação, realidade e fantasia, mesclam-se nas escrituras. Personagens são enaltecidos ou denegridos conforme a bílis do escritor. O engodo é o mesmo no AT e no NT: afirmar que se trata da palavra de Deus, ou da inspiração do espírito santo, quando, na verdade, trata-se de obra humana, literatura direcionada à doutrinação, onde a história e o bom senso ocupam espaço pequeno. Os cultores da bíblia, espertos para enganar, servem-se do falacioso argumento: o campo é da fé e não da razão. Esses indivíduos (papas, sacerdotes, pastores, rabinos) apostam na debilidade mental e emocional do crente, na fé cega, como se a fé lúcida fosse impossível ou pecaminosa. Todavia, o ser humano não deve abdicar da razão, seja qual for o assunto. A razão humana reflete a divina, posto que Deus é Luz (razão, inteligência, sabedoria) e os humanos são suas criaturas.

O NT compõe-se: (i) de quatro livros (evangelhos segundo Mateus, Marcos, Lucas e João); (ii) da narrativa dos atos dos apóstolos feita por Lucas; (iii) das cartas dos apóstolos Pedro (2), Tiago (1), João (3), Judas Tadeu (1), Paulo (14); (iv) do livro profético de João: Apocalypse. Os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas são chamados sinóticos porque é possível perceber a semelhança entre eles num lance de olhar. Apóstolo era o discípulo de Jesus investido de autoridade para ensinar a doutrina, curar enfermos, fundar e organizar igrejas. Apóstolos da primeira hora eram aqueles que conviveram com Jesus e o acompanharam desde o nascimento da comunidade cristã. Apóstolos da segunda hora eram os novos adeptos que não conheceram Jesus, como Paulo, Marcos, Lucas. O NT constitui-se de escritos apostólicos do século I, anos 50 (epístolas), 60/70 (evangelhos + atos), 80/100 (João + Apocalypse). O intervalo de tempo entre a crucifixão e as escrituras deu azo a distorções e mitos.

Essas escrituras tentam reproduzir os ensinamentos transmitidos oralmente, os debates com adversários, os óbices à catequese, as atividades terapêuticas e outros aspectos da vida de Jesus. Narram os acontecimentos que precederam o nascimento de Jesus, as circunstâncias do nascimento dele e do primo João; a pregação de João, o ritual de batismo (daí o apelido João Batista), a morte de João Batista; a pregação de Jesus, tentações, milagres, curas, êxtase, padecimentos, crucifixão, ressurreição e ascensão celestial; os testemunhos e as atividades dos apóstolos; a difusão da nova doutrina pelas cidades da Ásia Menor e Europa no século I (anos 01/100); o parto da igreja cristã primitiva e a presença do espírito santo.

Naquela época, os essênios, pessoas de hábitos simples e higiênicos, dedicadas à vida mística, formavam comunidades no Egito, Síria, Palestina. Jesus pertencia à comunidade da Palestina; trajava-se e comportava-se como nazareno, inclusive na aparência física (cabelo e barba compridos). Por motivos não relatados, Jesus fundou a sua própria escola e comunidade, que refletiam a organização, os costumes e a doutrina dos essênios. Jesus era tratado como profeta e mestre (rabi) por seus contemporâneos, salvo a gente da sua cidade natal. A igreja cristã primitiva não se confunde com a igreja católica organizada a partir do concílio de Nicéia (ano 364). A igreja católica se considera herdeira de Jesus, ou noiva de Cristo.

Por determinação de César Augusto, imperador romano ao tempo dos pais de Jesus, a Palestina foi dividida em quatro regiões, cada qual governada por um tetrarca. A região da Galiléia (Norte da Palestina) coube a um príncipe judeu de nome Herodes Magno. Jesus nasceu durante o governo desse príncipe. A região da Judéia (Sul da Palestina) foi confiada a um procurador romano. Na época de Jesus adulto, o procurador era o general romano Pôncio Pilatos; o governador (rei) da Galiléia era o príncipe judeu Herodes Antipas, neto de Herodes Magno. Grupos de judeus planejavam repetir a façanha de Judas Macabeu: expulsar os estrangeiros da Palestina. Sob a justificativa de que o seu reino não era deste mundo, Jesus negou-se a liderar esse movimento ou dele participar. Provavelmente, ele percebeu a disparidade de forças entre judeus de um lado e romanos de outro. Profetizar a derrota dos judeus rebeldes foi tarefa sem embaraço.

Apesar desse distanciamento político, Jesus foi injustamente acusado, julgado e condenado à morte pelo Sinédrio (tribunal dos judeus) por blasfêmia (intitular-se filho de Deus) e por subverter a ordem ao instilar no povo o vírus da revolta e proibir o pagamento de imposto a Roma (intitular-se rei). Tanto o príncipe judeu Herodes, como o procurador romano Pilatos, não reconheceram culpa alguma em Jesus. Simplesmente, não o levaram a sério. No entanto, os sacerdotes, os escribas, os anciãos e o populacho de Jerusalém, convocados por Pilatos para o julgamento, reunidos no pátio do pretório, não se contentaram com as chibatadas aplicadas em Jesus; insistiam na aplicação da pena de morte aos gritos: “crucifica”. Em derradeira tentativa de livrar Jesus, Pilatos disse que soltaria quem o povo escolhesse: Jesus ou Barrabás (preso por homicídio). Incitado pela maioria dos sacerdotes, escribas e anciãos, o populacho escolheu Barrabás. Disto resultou a crucifixão de Jesus.

No direito romano, a pena de morte era executada mediante crucifixão, para o estrangeiro e decapitação, para o cidadão romano. Depois da crucifixão de Jesus, estourou a revolta armada (ano 66). As tropas romanas sufocaram-na e destruíram Jerusalém (ano 70); do templo, não sobrou pedra sobre pedra. Fecha-se a cortina da história dos hebreus, cujos descendentes (judeus e israelitas) dispersaram-se pelo mundo.

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