domingo, 22 de novembro de 2020

A PODÓLOGA E EU

Mascarado e precavido contra o vírus assassino, arrojo-me pela Rodovia Dutra na boleia do meu jipe em direção à Resende/RJ, a fim de cuidar dos meus pés de diabético. Embora Penedo, onde moro, pertença ao Município de Itatiaia/RJ, mais fácil e mais perto é ir à Resende, cidade maior e de mais amplos recursos. Itatiaia tem cerca de 31 mil e Resende, 131 mil habitantes.

Como de costume, nestes últimos meses, encontro vazio o pequeno, bem montado e asseado consultório localizado no subsolo do edifício de 3 andares onde há várias clínicas medicas e de estética. Local sem aglomeração, conforme o figurino. Mascarada, com seu uniforme limpo e bem assentado no corpo, a podóloga me esperava na parte externa. Cumprimentamo-nos à distância de acordo com o atual protocolo. Acomodado na cadeira profissional semelhante à de consultório de dentista, observo a podóloga calçar luvas, colocar algodão nas pontas dos dedos dos meus pés cobrindo as unhas e borrifa-los. Nesse dia, fora do seu hábito, ela resolveu puxar conversa.

Ela – E sua filha, como foi nas eleições?

Eu – Ficou em quarto lugar. 

Ela – A sua filha precisa mudar de partido. Aqui, o PT não ganha. Odeio o PT. Lula é ladrão. Nada fez no governo. Só roubou. 

Eu – Em todo governo sempre há “roubo”, independente do partido e do sujeito que estão no poder. A corrupção está encalacrada na administração pública. O “ladrão” nem sempre é o chefe de governo ou o diretor da empresa pública, mas, sim, auxiliares próximos ou pessoas dos escalões inferiores que agem à sorrelfa. [Pela expressão corporal dela, creio que não entendeu, ou fez ouvidos moucos].  

Ela – Não gosto do Fernando Henrique. Está doendo algum dedo?  

Eu – Sim, o dedão direito. [Ela ataca com o cortador afiado, penetra na carne, arranca um encravado pedaço de unha. Queixo-me da dor lancinante].    

Ela – Tem que doer mesmo; não tem outro jeito.  

Eu – Odiar o partido e o político, não vejo sensatez, mas, vá lá; porém, injuriar, difamar e caluniar, não é direito teu e de ninguém. O que foi que ele roubou de você?

Ela – De mim nada. Do país. 

Eu – O que foi que ele roubou do país?

Ela – Muita coisa. Todo mundo sabe.  

Eu – Gente do Brasil e do resto do mundo não sabe. Tampouco eu. 

Ela – O Lula foi processado e condenado por ser ladrão. Todo mundo sabe. 

Eu –Todo mundo sabe também que o processo é fraudulento, que teve início em foro incompetente, atuação de juiz parcial e de procurador faccioso e teve o propósito político partidário de afastar Lula do processo eleitoral. Além disso, o processo judicial não foi por roubo e sim por outro delito inventado pelo procurador em conluio com o juiz. 

Ela – Isso eu não sei. É assim que eu penso. Fico na minha. 

Eu – Pior cego é quem não quer enxergar. Como você pode afirmar que no governo Lula nada foi feito? 

Ela – É a minha opinião. 

Eu – Caramba! O homem elevou o prestigio internacional do Brasil às alturas, colocou-o entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada, erradicou a fome, reduziu o desemprego, aumentou o poder aquisitivo, o bem-estar e o padrão de vida dos pobres e dos trabalhadores como você, promoveu o bem de todos sem preconceito, fortaleceu a segurança, contribuiu para o desenvolvimento nacional permitindo lucros enormes aos bancos, à indústria, ao comércio, ao agronegócio, entre outras coisas relevantes. 

Ela –Travestis foram eleitos em São Paulo. [Tom de censura]. Travesti é homem que se veste e se comporta como mulher. Antes, isto não acontecia. O mundo está perdido. Eu não gosto de política. Prefiro ficar na minha profissão.

Eu – Tudo bem, mas, hoje você não ficou. Caberá à Câmara Municipal de São Paulo decidir se dará ou não dará posse aos travestis eleitos, se a identidade social encobrindo a identidade natural tipifica ou não tipifica contrafação no processo eleitoral. Ademais, você falou como se tivesse poderes de investigação superiores aos da polícia federal e provas contra o partido e o político. A referida polícia que, assim como você, também não morre de amores por Lula e pelo PT, investigou de cima a baixo a vida do político e nada encontrou que o incriminasse; nenhum apartamento em Paris, em outra cidade europeia, na zona nobre da capital paulista ou de outra capital,  nenhuma conta bancária na Suíça ou em qualquer outro país, nenhuma remessa de dinheiro a amante e a filho bastardo dentro ou fora do Brasil, nenhuma fazenda em zona rural, nenhum bem sonegado à Receita Federal. Na conta bancária dele havia saldo compatível com os seus ganhos como presidente e como ex-presidente da república. Então, cadê o produto do roubo? Assim como não há homicídio sem o cadáver, não há roubo sem a coisa alheia. 

Ela –Eu disse o que todo mundo diz e que eu acho que é verdade. [Tom defensivo].

Eu – Então, você seguiu opinião alheia, sem exigir prova alguma. “Achar” que é verdade é o mesmo que não ter certeza. Fechar os olhos para a realidade dos fatos é vontade de aceitar a falsa versão que lhe agrada. Logo, em termos legais, no mínimo, você xingou o político e o partido por simples ojeriza e fútil motivo. Isso é crime contra a honra. 

Ela banhou meus pés com duas diferentes substancias, os massageou e enxugou. Encerrou a sessão. Além do tratamento dolorido, suportei o azedume da podóloga. Ela informou o preço e apresentou a máquina de porte manual. Introduzi o cartão de crédito, digitei a senha, apanhei o recibo e me despedi. 

  


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