segunda-feira, 19 de outubro de 2020

ESTUPRO IV

CASO ROBINHO

Esse jogador brasileiro responde a ação penal na Itália pela prática de estupro coletivo. Numa festa, depois de despachar a esposa para casa, ele e outros amigos levaram jovem mulher para local privado e com ela mantiveram relações sexuais. Estimulada pelos rapazes, a jovem havia se embriagado antes de ser conduzida ao camarim. A embriaguez retira a capacidade de entendimento, reduz o discernimento, relaxa o controle da vontade, deixa a pessoa sem condições de tomar decisões plenamente conscientes. A justiça italiana, no devido processo jurídico, deu provimento à acusação e condenou os réus. A sentença está sub judice na superior instância e poderá ser confirmada ou reformada. O jogador regressou ao Brasil contratado pelo Santos FC. Houve torcedores que aprovaram e outros que protestaram. Patrocinadores afastaram-se. O clube suspendeu a vigência do contrato até que o imbróglio com a justiça italiana seja definitivamente resolvido. O jogador alega inocência. Afirma que não manteve relação sexual com a vítima; que se limitou a colocar o seu pênis na boca da jovem; que ela consentiu no ato; que ele se arrepende de haver traído a esposa. No mínimo, essa parcial confissão do jogador à imprensa revela caráter mal formado e cumplicidade com a violência sexual sofrida pela jovem. Relação sexual por via oral ou anal também entra na definição genérica de conjunção carnal.      

CASO NEYMAR

A modelo e o jogador, ambos brasileiros, a milhas de distância um do outro, combinaram, por via eletrônica, encontro em Paris. Reuniram-se em quarto de hotel. No retorno ao Brasil, a mulher compareceu à delegacia de polícia e relatou acontecimentos em solo francês que tipificam crimes de lesão corporal e estupro cuja autoria atribuiu ao jogador. Por sua vez, o jogador postou na internet mensagens e fotos exibindo a nudez da modelo. Foram instaurados dois inquéritos policiais para apurar a autoria e a materialidade dos delitos de lesão corporal, estupro e violação da intimidade da mulher. As lesões corporais foram constatadas por laudo médico. A conduta violenta do jogador foi por ele próprio admitida ao afirmar que estava bêbado e meio louco (quiçá drogado). O jogador também admitiu ser o autor da divulgação das mensagens e fotos da modelo pela rede de computadores. Como a ação penal por delitos contra a liberdade sexual exige queixa, a vítima pode desistir de promover a persecutio criminis se for indenizada pelo agente. Talvez, no caso em tela, os inquéritos tenham sido arquivados por acordo entre as partes.     

CONDUTA CRIMINOSA

Diversas condutas são tipificadas no Código Penal (CP) como crimes contra a liberdade sexual: [i] constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça (estupro) [ii] constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal (atentado violento ao pudor) [iii] ter conjunção carnal com mulher mediante fraude (posse sexual mediante fraude) [iv] induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (atentado ao pudor mediante fraude) [v] constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função (assédio sexual). Com exceção desta última, a conduta dos jogadores publicamente revelada pode ser enquadrada em qualquer das outras mencionadas. [CP 213/216]. 

O fato de a relação sexual ser eventualmente combinada não significa que a mulher esteja obrigada a consuma-la. À caracterização do crime são indiferentes a nacionalidade, o estado civil, a profissão, a raça, a cor, a posição social e o patrimônio do agente e da vítima. O agente e a vítima podem ser celebridades artísticas, ídolos do esporte, expoentes da política, grandes empresários, ou pessoas comuns. A prostituta pode ser vítima de estupro quando decide não consumar a relação sexual com o cliente. Os crimes contra a liberdade sexual implicam fraude, constrangimento, grave ameaça e violência; são praticados contra o corpo, a vontade e a dignidade da mulher. Derivam do incontido apetite sexual do homem, da necessidade de autoafirmação, da sede de poder, da ânsia de domínio. O agente desconsidera a alma da mulher e a trata como objeto da sua lascívia. 

MACHISMO

Na sociedade brasileira ainda se nota forte presença do patriarcalismo e do machismo, em que pese a esperança implícita em “O Crepúsculo do Macho” de Fernando Gabeira. A imoralidade dos costumes vem referida direta ou indiretamente nas obras de cunho sociológico como as de Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) e Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro), literárias como as de Mario Andrade (Macunaíma) e Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela), nas peças humorísticas como as encenadas na TV por Chico Anísio e Jô Soares, nas novelas de TV como "O Bem Amado", em filmes como "Pixote" e "Bacurau", no cancioneiro popular como os versos cantados por Caetano Veloso (não há pecado abaixo do equador; é proibido proibir) e Chico Buarque (se gritar pega ladrão, não sobra um meu irmão). 

A conjunção carnal com mulher, por bem ou por mal, ainda é vista como legítima licença do macho. A fêmea está obrigada a se submeter, a disponibilizar o seu corpo; a negativa e a resistência constituem grave ofensa aos brios do macho. A infidelidade da esposa, companheira, noiva ou namorada, autoriza o seu espancamento e a sua morte a fim de lavar a honra do macho. No tribunal do júri, o macho é absolvido sob a excludente da legítima defesa da honra. 

Certa vez, na TV Gazeta, em programa esportivo, um dos jornalistas exaltava o vigor masculino de Ronaldo, renomado jogador de futebol, porque “traçava” quem estivesse à sua frente. Os jornalistas comentavam, naquele programa, o relacionamento do jogador com travestis num motel e as desavenças em torno do pagamento dos serviços prestados. Em virtude desse escândalo, o jogador perdeu a função honorária de embaixador da UNESCO. Entre os dirigentes e técnicos do futebol brasileiro está ausente o senso moral semelhante ao dessa entidade internacional. O jogador pode ser um crápula, mas se for tecnicamente bom e útil às vitórias da equipe, será contratado para vestir a camisa do clube e da seleção. Robinho e Neymar, ambos envolvidos em crimes contra a liberdade sexual da mulher, amplamente divulgados pela imprensa nacional e estrangeira, são recebidos de braços abertos, sem pudor algum, pelos comandantes brasileiros do esporte e apoiados por alguns torcedores, jornalistas e políticos. Essa receptividade reflete a frouxidão moral de considerável parcela do povo brasileiro e reforça a imagem do Brasil como republiqueta vagabunda, paraíso dos corruptos, liderada, dirigida e governada por gentalha.  

 

Nenhum comentário: