terça-feira, 22 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES VI

As eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal alvoroçaram o mundo político partidário. O povo brasileiro começa a perceber a importância dessas eleições intestinas. A escolha dos nomes está dificultada pela pluralidade de partidos numa frente ampla liderada pelo presidente da Câmara. Segundo o manifesto publicado, essa frente, em nome da democracia e da liberdade, pretende evitar: (i) o comando das duas casas do Congresso Nacional pelo bolsonarismo (ii) a reeleição do atual presidente da república. 

Bolsonarismo é título condutor da falsa impressão de que se trata de uma teoria científica de valor acadêmico. As ideias da pessoa da qual deriva o nome dessa corrente não constituem arcabouço de um pensamento político sistemático, próprio, original, mas sim expressão do nazifascismo, conjunto de ideias e objetivos colocados em prática no século XX por Mussolini, Hitler e outros ditadores civis e militares na Europa e na América Latina, O ideário e a pratica nazifascistas incluem: autoritarismo antidemocrático, militarismo, beligerância, violência, genocídio, racismo, subordinação do trabalho ao capital, absorção do indivíduo no estado, desprezo pela vida, saúde e integridade física das pessoas, discriminação das minorias, obtusidade obsessiva. Desperdiça-se munição ao concentrar esforços no combate ao megalômano presidente da república brasileira. Gasta-se vela com mau defunto. O alvo do combate há de ser o nazifascismo que ele e seus seguidores encarnam. Alertar a nação sobre o perigo dessa corrente política. 

A probabilidade de reeleição do atual presidente da república é pequena. Dos 57 milhões de eleitores que nele votaram em 2018, talvez 30 milhões não façam a mesma escolha em 2022, tendo em vista o descalabro da sua administração e a ilicitude da sua conduta. Os 30 milhões de desiludidos e os 42 milhões que se abstiveram nas últimas eleições presidenciais somam a metade do corpo eleitoral. A direita moderada, a esquerda e a justiça eleitoral devem convencer esses eleitores a comparecerem às urnas, a não votar em branco e a não anular o voto. Esbravejar contra a extrema direita é cinismo da direita moderada e idiotice da esquerda. Perda de tempo e de energia. Essa ala extremista composta de pobres, remediados e ricos, cuja ação contraria o preâmbulo e o artigo 1º, da Constituição da República, nada ouve que não seja louvor a si mesma e ao chefe. No entanto, essa ala não pode servir-se da liberdade e da democracia para destruir a liberdade e a democracia. Militar contra direitos fundamentais é militar contra a Constituição. Militar contra a Constituição é militar contra o estado democrático de direito.

O presidente da república pode não concorrer às eleições de 2022 (i) se morrer ou ficar incapacitado (ii) se vivo e capaz, não se candidatar (iii) se perder os seus direitos políticos por decisão judicial (iv) se o seu mandato for cassado por decisão parlamentar. Os ilícitos denunciados nas dezenas de petições apresentadas ao presidente da Câmara dos Deputados poderão ser objeto de processo judicial e de processo parlamentar caso o novo (ou a nova) presidente da Casa despache e defira tais petições dando início ao processo de impeachment. As petições já deviam ter sido despachadas. A criminosa omissão do atual presidente da Câmara ensejou a permanência do presidente da república no cargo com todas as suas idiossincrasias. 

O presidente da Câmara e demais subscritores do manifesto carecem de autoridade moral para falar em nome da democracia e da liberdade. O manifesto foi gerado pela hipocrisia, assinado por falsos democratas, escória da política partidária, pessoas que promoveram golpes contra a democracia e que sem justa causa (i) destituíram a presidente da república (ii) arquitetaram processo judicial fraudulento a fim de afastar concorrente da disputa eleitoral (iii) divulgaram notícias falsas na campanha de 2018. Os partidos da esquerda têm rigor moral; a ética impregna seus estatutos. Daí, a perplexidade causada diante da submissão desses partidos à liderança de um mequetrefe da direita, ainda que seja por pragmatismo. Do ponto de vista moral, nota-se que (i) na esquerda, a maioria dos filiados tem boa formação e a minoria é desonesta (ii) na direita, a maioria dos filiados tem má formação e a minoria é honesta. A nação brasileira, inobstante a numerosa parcela de vira-latas, começa a sentir a importância do respeito a limites éticos. A direita costuma violar esses limites.  

Se o presidente da Câmara tivesse vergonha não teria pleiteado a reeleição para o cargo sabendo da vedação constitucional. Faltou-lhe escrúpulo e decência para se afastar dignamente. Descumpriu o dever de despachar as petições sobre o impeachment (deferindo ou indeferindo). Todo cidadão tem o direito de denunciar o presidente da república, direito de petição vinculado à cidadania. Cuida-se de direito entranhado na civilização ocidental desde a Magna Carta da Inglaterra de 1215 (art. 40 + 61), o bill of rights de 1689 (art. 5º) e as constituições de outros países, como EUA (primeiro aditamento em 1789) e França (1793). 

A norma jurídica caracteriza-se por sua bilateralidade atributiva. Supõe dois sujeitos na mesma relação: a um, atribui direito; a outro, atribui dever. Assim, ao direito de petição do cidadão corresponde o dever da autoridade estatal de despachá-la. Não se trata de discricionariedade e sim de dever jurídico dos poderes públicos. Ao violar esse dever, a autoridade pública fica sujeita às sanções legais. Ao engavetar as petições, o deputado frustrou também a eficácia da norma regimental que disciplina a matéria. Posicionou-se como cúmplice do criminoso: Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade. Se falta, no regimento interno, expressa menção ao prazo para o presidente da Câmara despachar as petições, isto não justifica a dolosa omissão e a abusiva protelação. O direito põe limites no tempo para atos processuais nas esferas legislativa, administrativa e judiciária. Daí, a fixação de prazos. As lacunas são preenchidas pela aplicação de princípios, regras gerais e analogia. A colmatagem é própria da atividade jurídica. Aos legisladores e aos juízes cabe colmatar eventuais lacunas do ordenamento jurídico. No caso do processo de impeachment, a solução está prevista na lei: “No processo e julgamento (...) serão subsidiários desta lei (...) o Código de Processo Penal”. Portanto, a lacuna quanto ao prazo é preenchida mediante aplicação subsidiária e analógica da regra do Código de Processo Penal; logo, o dever do presidente da Câmara é despachar no prazo legal (10 dias), seja para deferir, seja para indeferir os pedidos. 

[CR 1º, II + 5º, XXXIV, a + 51, I + 86 + Resolução 17/89, RIC Deputados, art. 217, 218 + lei 1.079/50, art. 14, 38 + CP 29 + CPP 800].


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