terça-feira, 15 de dezembro de 2020

VACINA

Na luta contra a pandemia, competindo entre si, laboratórios trabalham febrilmente para produzir vacinas no duplo objetivo: (i) social, de zelar pela saúde da humanidade (ii) econômico, de lucrar com a colocação do produto no mercado mundial. Além das dimensões social e econômica, o combate ao vírus também adquire dimensão política. Países disputam a primazia na compra dos produtos. A cada chefe de governo interessa agradar, obter a simpatia e o consenso da população. Vale qualquer negócio, por dentro e por fora. A fatura é paga pelo erário. Na confluência das três dimensões situa-se a corrupção moral. 

Aquisição, distribuição e aplicação da vacina dependem da sua existência. Notícias indicam que há pelo menos 4 vacinas diferentes e que nenhuma passou ainda pelo teste final, salvo a chinesa. A segurança das vacinas para a saúde não é plena, tal como qualquer remédio quimicamente produzido. Sempre há margem de risco, principalmente diante das distintas condições de saúde de cada indivíduo e da população de cada país e os prováveis efeitos colaterais e contraindicações. Enquanto a margem de risco não for tolerável, a vacina não deve ser ministrada ao paciente. Cabe às agências reguladoras nacionais e internacionais a aprovação de medicamentos e a concordância com as margens de risco. Depois de aprovada, a vacina é distribuída e aplicada. Do paciente, nada se há de exigir, salvo informações sobre a sua idade e seu estado de saúde. Por eventuais danos, respondem o fabricante e o distribuidor, conforme acordo entre as partes interessadas ou decisão judicial. 

No Brasil, todos os estados da federação e o distrito federal estão sob influência do vírus, com quase 7 milhões de pessoas infectadas e quase 200 mil pessoas mortas. Governantes nas esferas federal, estadual e municipal disputam exclusividade e autonomia para adquirir, distribuir e aplicar vacinas à população. Instalou-se batalha política semelhante à fiscal. Entre os seus provocadores está o autoritário, mentiroso, negacionista estúpido que ocupa a presidência da república; cria entraves à vacinação, seleciona fornecedor; cobre com o manto da política partidária, da disputa eleitoral e da safadeza, o gravíssimo problema de saúde pública. 

Do âmbito da administração pública a questão desembocou no Judiciário. Perante o Supremo Tribunal Federal: [1] o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pede o reconhecimento da constitucionalidade da lei 13.979/2020, que autoriza a aquisição, distribuição e aplicação da vacina pelos estados e municípios [2] o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pede a declaração de inconstitucionalidade da referida lei [3] o Partido Rede Sustentabilidade (REDE) pede que o governo federal apresente um plano de vacinação. Ao despachar, o ministro relator determinou a intimação do Presidente da República, do Ministro da Saúde, do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República. [ADI 6586, 6587 + ADPF 754]. 

A presidência da república apresentou o plano nacional de vacinação reclamado pela REDE na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). O plano foi impugnado por falta de identificação, cronograma e falsidade ideológica. Embora coubesse ao Presidente da República decidir sobre a oportunidade e a conveniência de elaborar o plano, o fato é que o pedido do autor da ADPF foi atendido. Esgotado o objeto da ação, extingue-se o processo. Aos juízes não compete avaliar se o plano é bom ou ruim. Eventuais defeitos devem ser debatidos no Legislativo. Nota-se que ficou em branco o espaço para indicar o elaborador do plano. Entretanto, o plano foi assinado pelo Ministro da Saúde; logo, existe a fonte e o responsável. Quanto aos colaboradores, não constam assinaturas. Portanto, não há falar em assinaturas falsas. Os nomes dos cientistas que figuram como colaboradores podem corresponder ou não à verdade, conforme se apurar no procedimento legal adequado. Tais nomes conferem autoridade científica ao plano. A falsidade ideológica poderá estar configurada se faltar autorização dos seus titulares (uso indevido de nome alheio). O cronograma depende dos fatos reais, de previsões e cálculo das probabilidades. O início da vacinação coletiva depende: (i) da existência da vacina (ii) da sua aprovação pela agência reguladora (iii) da sua posse e disposição (iv) da quantidade suficiente para todos ou para a maioria dos pacientes (v) dos meios necessários à boa e eficiente distribuição e aplicação das vacinas. 

As ações propostas pelo PDT e pelo PTB referem-se à mesma lei federal e aos mesmos preceitos constitucionais (vida, liberdade e saúde), porém, abordados por ângulos opostos. Os ministros federalistas votarão a favor da tese do PDT: os estados e municípios têm autonomia para elaborar o seu próprio plano de imunização e para adquirir, distribuir e aplicar as vacinas. Os ministros unitaristas votarão a favor da tese do PTB: é inconstitucional a lei que autoriza estados e municípios a comprar, distribuir e aplicar vacinas. Atendendo ao interesse nacional e ao direito da população, alguns ministros votarão a favor da obrigatoriedade da vacina. Atendendo ao interesse de cada cidadão e ao direito individual à liberdade, alguns ministros declararão ser facultativa a aplicação da vacina. Quem obtiver mais votos leva a taça.


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