quarta-feira, 28 de outubro de 2020

ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

O recente plebiscito no Chile com o propósito de consultar o povo sobre a necessidade, ou não, de se convocar assembleia nacional constituinte, agitou nações sul-americanas. A maioria do povo chileno votou a favor da convocação, saiu às ruas e entoou belo e comovente hino comemorativo. Evidente sinal da caducidade da Carta Magna chilena de 1980, promulgada sob o governo Pinochet. Provavelmente, em 2021, o Chile terá nova Constituição. Aqui, na terra onde canta o sabiá, alvoroçaram-se os “macaquitos brasileños” (royalties para os argentinos). Pretendem imitar os chilenos, apesar das diferenças. Agem como macacos em loja de louças. Anacrônicos, pois o contragolpe brasileiro já foi desferido em 1988.       

Assembleia constituinte compõe-se de representantes eleitos pelo povo com a finalidade de elaborar e promulgar a lei fundamental do estado. Trata-se do exercício democrático do poder constituinte. No Brasil, isso aconteceu em 1891, 1934, 1946 e 1988. A experiência política brasileira também passou pelo exercício autocrático do poder constituinte em 1824 (imperador), 1937 (ditador) e 1967/1969 (estamento militar). O autocrata atribui a um jurista ou a uma comissão de juristas e gramáticos, a tarefa de elaborar o projeto que depois ele outorga à nação como nova lei fundamental do estado. Com algum refinamento, reserva-se o título de (i) Constituição à lei fundamental resultante do exercício democrático do poder constituinte (ii) Carta Magna à lei fundamental quando outorgada por um indivíduo (rei, ditador) ou por um grupo (civil, militar, religioso, misto). 

Poder constituinte, na dimensão política e cultural de um povo, consiste na aptidão de um sujeito singular (rei, chefe, líder) ou plural (nação, povo, grupo civil/militar) para elaborar e promulgar válida e eficazmente a lei fundamental do estado. O exercício do poder constituinte é provocado por situações de fato, eventos de natureza social, política e/ou econômica, que reclamam novo tratamento jurídico. O caso chileno é exemplar. Havia anseio popular por mudança ante os persistentes efeitos do antigo regime (ditadura). A população foi consultada sobre a necessidade de se convocar assembleia constituinte. A resposta negativa significaria que o povo estava satisfeito com a ordem constitucional vigente. A resposta positiva significaria que o povo desejava novo arcabouço jurídico às suas aspirações, aos seus atuais interesses, a uma realidade incompatível com o antigo regime. A resposta da maioria do povo chileno foi positiva.

Consoante experiência política dos povos, a iniciativa do plebiscito pode ser tomada pelo chefe de estado ou pelo parlamento: (i) ex officio (ii) por provocação escrita de entidades representativas (iii) por reivindicação popular em praça pública. Ao povo cabe responder se deseja uma assembleia (i) exclusiva, que se dissolva depois da elaboração e da promulgação do novo texto constitucional (ii) inclusiva, que funcione como legisladora constituinte e como legisladora ordinária (iii) sucessiva, que após o término da função constituinte converta-se em parlamento ordinário. 

A toda revolução política vitoriosa, armada ou desarmada, a todo golpe de estado vitorioso, armado ou desarmado, segue-se nova lei fundamental alicerçada em princípios e normas sintonizados com as ideias, os valores, os motivos e os fins revolucionários ou golpistas. Na ausência de revolução ou de golpe, a mudança constitucional opera-se mediante reforma quando fatores internos e externos assim o exigirem e a lei fundamental em vigor permitir. Há estados em que a reforma constitucional só é possível através de assembleia constituinte. Em estados como o brasileiro, a reforma compete ao poder constituído (legislativo + executivo) mediante emenda à Constituição. Se houver cláusulas pétreas, estas só podem ser legitimamente afastadas ou modificadas pelo poder constituinte (assembleia).  

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma federativa de estado (ii) o voto aberto, secreto, universal e periódico (iii) a separação dos poderes (iv) os direitos e garantias individuais”. [CRFB 60, §4º]. 

Do ponto de vista formal, entende-se por Constituição do Estado, o documento escrito, supremo na hierarquia das leis, posto pelo titular do poder constituinte, contendo os princípios e as normas que plasmam a organização política, social e econômica da nação e que obriga a todos os cidadãos (governantes e governados). Considera-se legítima tão só a Constituição de origem democrática. Trata-se de qualificação ideológica sem respaldo científico. Seja de origem democrática ou autocrática, a lei fundamental do estado tem força normativa, vigora e é eficazHá o dever geral de obedece-la e os deveres correlatos aos direitos. Cuida-se da bilateralidade atributiva característica do fenômeno jurídico. A autoridade pública tem o direito de fazer cumprir as leis. O cidadão tem o dever de respeitá-la. O cidadão tem o direito de exercer as liberdades públicas. A autoridade estatal tem o dever de respeitá-lo. Governantes e governados têm o dever de respeitar os direitos individuais declarados na Constituição. O cidadão tem o dever de exercer o seu direito nos limites da lei, sob pena de ser responsabilizado por suas ações e omissões ilícitas. 

O movimento político chileno provocou, em parcela do povo brasileiro, a vontade de também convocar assembleia constituinte. Põe-se a questão: o exercício desse direito político da nação é oportuno e necessário? Para alguns, a resposta é positiva; entendem que a Constituição de 1988 caducou; não mais atende às exigências atuais do bem comum. Para outros, a resposta é negativa; entendem que a Constituição de 1988 ainda não esgotou o seu potencial, tanto na esfera pública como na esfera privada. 

A numerosa parcela nazifascista do povo brasileiro, principalmente do Sul (SP, PR, SC, RS) não suporta ouvir falar em direitos humanos; detesta as ideias de igualdade, fraternidade, solidariedade, assistência social e meio ambiente ecologicamente equilibrado; vê nessas ideias empecilho ao desenvolvimento econômico e aos seus próprios, liberais e particulares interesses; defende a elaboração de nova Constituição, quer por votação, quer mediante outorga, que expresse tal ojeriza e acolha tal pretensão. 


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