sexta-feira, 13 de novembro de 2020

MARICAS?

O presidente da república ressuscitou um vocábulo da língua portuguesa que eu considerava morto ou em desuso há muitos anos. Quando criança, nos anos 1940, em Ponta Grossa/PR, minha cidade natal, eu e meus amiguinhos usávamos essa palavra para xingar uns aos outros. Bastava alguém choramingar por ter se machucado enquanto jogava bola na rua, ou mostrar medo de mergulhar pelado no rio, para os demais xingarem-no de “maricas”. Homem que é homem não chora, tem que ser macho, não ter medo, “seu” viadinho. O garoto ficava acabrunhado. 

O uso da expressão não significava crença real na homossexualidade do amigo. O objetivo era confuso, contraditório, não premeditado, impulsivo (humilhar, caçoar, confortar, incentivar). Levava em si, embutido na provocação, o preconceito contra homossexualidade. Ninguém gostava de ser chamado de maricas ou de viado (assim mesmo, com i). Doía menos ser chamado de filho-da-puta do que ser chamado de maricas. Muitas vezes, os garotos se atracavam na porrada por causa deste xingamento. Sangramento pelo nariz e hematomas no rosto e nas canelas eram os mais frequentes resultados da briga. Chegando em casa, os briguentos apanhavam dos pais. 

Na década 1951/1960, em Curitiba/PR, para onde nossa família se mudou, o uso do vocábulo maricas foi caindo em desuso, pelo menos no meu círculo de amizade. Na década seguinte, 1961/1970, quer em Curitiba, quer em São Paulo, nunca mais vi e ouvi alguém pronunciar essa palavra. Nos anos 80 e 90, dizia-se “boiola”, "bicha", "viado", "gay". Esses qualificativos eram empregados sempre contra pessoas do sexo masculino que manifestavam, de modo ocasional ou permanente, maneirismos e atitudes mais presentes nas mulheres. Os pederastas e os homens fronteiriços à pederastia estavam mais sujeitos a esses qualificativos, à zombaria e às agressões físicas e morais.  

Maricas, em português, maricón em espanhol, referem-se a esses homens pederastas ou fronteiriços e às pessoas do sexo masculino que apreciam afazeres mais comuns às mulheres, tais como: cozinheiro, faxineiro, costureiro, modista, maquiador, cabelereiro, bailarino, guia turístico. No Brasil, neste século XXI (2001/2100), aumentou o respeito por esses profissionais, entre eles, muitos heterossexuais. Aqueles qualificativos depreciativos não lhes são mais aplicados, pelo menos na intensidade dos séculos anteriores. Os efetivos das forças armadas se compõem de mulheres e homens homossexuais e heterossexuais. Outrora, as mulheres não eram admitidas e os pederastas não eram tolerados em qualquer das 3 armas (Marinha, Exército, Aeronáutica). 

Mando e obediência decorrem da estrutura hierárquica do governo do estado. A autoridade superior (presidente da república) manda e o escalão inferior obedece (ministério). A hierarquia e a disciplina estão na base da organização militar. O comando supremo das forças armadas brasileiras cabe ao presidente da república. O ministro da defesa e os chefes das 3 armas lhe devem obediência. Na opinião do presidente, quem quer tomar vacina, usar máscara e seguir as demais recomendações da ciência, é indivíduo medroso, covarde, maricas. Essa opinião presidencial alcança civis, militares e religiosos. No que tange aos militares, integrantes das forças armadas, a vacina é obrigatória. A obrigação decorre do medo de contrair doenças infecciosas, de fragilizar a saúde própria e de outrém, ou de perder a vida. Portanto, a prevalecer a opinião do presidente, as forças armadas se constituem de batalhões de medrosos, covardes, maricas. Nesta imagem se encaixa a frase do ministro da saúde: um manda e outro obedece. Postura de maricas. O ministério é civil. O ministro, se for corajoso, se não for medroso, se não for maricas, recusa-se obedecer às ordens inconstitucionais, ilegais, imorais e/ou absurdas, entrega a pasta, manda o presidente às favas e, em sendo militar ainda na ativa, volta à caserna. Duas coisas não podem faltar ao militar da ativa: brio e coragem.   


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