sexta-feira, 6 de novembro de 2020

ELEIÇÕES

Há brasileiros que na rede de computadores, nos vídeos de celulares, em programas jornalísticos de televisão, manifestam sua estranheza e criticam pejorativamente o processo eleitoral dos EUA. Negam  zombeteiramente a esse país o título de “maior democracia do planeta”. A crítica vem fundada na cultura luso-franco~teuto-ítalo-afro-nativo-brasileira, diversa da cultura anglo-americana. 

Nos EUA, a federação de estados é autêntica e original; no Brasil, a federação é cópia infiel e artificial. Lá, as colônias se libertaram como estados soberanos (1776). Depois da vida independente isolada, os estados soberanos se uniram para fortalecer a defesa de todos contra as pretensões metropolitanas da Inglaterra. Mediante pacto entre os representantes dos estados soberanos, constituíram um novo estado sem abdicar da autonomia de cada um deles e das suas próprias e respectivas constituições. Deram-lhe o nome de Estados Unidos da América imutável desde a primeira e única Constituição Federal (1787). Instituíram a federação como forma de estado composto. Vínculo federativo forte e indissolúvel bem demonstrado na guerra civil em defesa da indissolubilidade do vínculo, da integridade da união dos estados e da abolição da escravatura (Sul x Norte, 1861/1865). Adotaram a república como forma de governo, a democracia e a separação de poderes como sistema de governo (freios e contrapesos). Conciliaram a monarquia (presidência da república), a aristocracia (senado + suprema corte) e a democracia (câmara dos representantes do povo). 

Cá, no Brasil, a colônia se libertou como estado unitário composto de províncias submetidas à soberania do imperador (1822). Depois do golpe militar contra o império, as províncias foram elevadas, pelo decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, ao nível de estados autônomos e unidos. Assim, de modo artificial e despótico, os militares instituíram a república federativa. Portanto, não há falar em pacto federativo. Sob o conhecimento jurídico e o esforço intelectual de Ruy Barbosa foi elaborada e promulgada pela assembleia nacional constituinte a primeira Constituição da República (1891). As instituições estadunidenses serviram de modelo. A macaquice brasileira vem de longe. 

O novo estado composto foi batizado de Estados Unidos do Brasil, organizado artificialmente como federação de estados autônomos, república presidencialista e democrática, incluindo declaração de direitos fundamentais. No curso da história colonial, imperial e republicana, o país mudou de nome várias vezes. No período republicano, inicialmente recebeu o nome de “Estados Unidos do Brasil” em 1891; depois, o nome simples de “Brasil” em 1967; finalmente, o nome de “República Federativa do Brasil” em 1969 e 1988. A fragilidade da federação brasileira resulta do seu artificialismo. Vínculo federativo dissolúvel como demonstrado nos períodos autocráticos de 1937/1945 e 1964/1985 quando, no plano dos fatos, os estados perderam autonomia. Na primeira república, dois estados federados exibiam autonomia e se revezavam no governo federal (SP + MG, 1891/1930). 

Nos períodos democráticos, a federação se recompôs juridicamente, porém, no plano existencial, os estados federados continuaram anêmicos politicamente (1946/1964 + 1988/2020). O processo eleitoral atende a um estado unitário e não a um estado composto (federal); atende a uma homogeneidade nacional desmentida pela realidade social. Da escolha do chefe do estado federal (presidente da república) participam diretamente os cidadãos e não os representantes dos estados federados. O processo eleitoral está nacionalmente sob administração, controle e fiscalização de uma justiça nacional especializada. Atualmente, a votação ocorre por meio eletrônico seguro. A apuração dos votos e o resultado das eleições são imediatos. Poupam-se os nervos e a paciência dos eleitores. A sociedade livra-se do clima de ansiedade e insegurança. Os estados, como unidades federativas, ficam alheios ao processo.   

Lá, nos EUA, os estados federados são ciosos da sua soberania anterior à união (1776) e zelosos da sua autonomia posterior à união (1787). Cada estado tem suas próprias leis penais, civis e administrativas; uns adotam a pena de morte, outros não; as fronteiras físicas e jurídicas são fortemente demarcadas e respeitadas. Os procedimentos eleitorais têm características próprias em cada estado, respeitados o direito geral de sufrágio e as liberdades públicas. O processo eleitoral ocorre e se exaure na seara política; não há justiça eleitoral; excepcionalmente, a justiça comum é chamada a resolver, à luz do direito, controvérsias de cunho político eleitoral. A escolha do chefe do estado federal (presidente da república) compete a um colégio eleitoral. Passa por dois momentos: [1] o povo local escolhe os cidadãos que representarão o seu estado federado no colégio eleitoral (momento democrático) [2] o colégio eleitoral formado por representantes de cada estado federado (delegados) escolhe o chefe do estado federal (momento republicano federativo). Essa técnica ocasiona demora na apuração dos votos o que impacienta nacionais e estrangeiros. Cuida-se de deficiência tecnológica e não de ausência de democracia. 

Os cidadãos estadunidenses podem votar nas seções eleitorais e até pelo correio. Ninguém está obrigado a votar. O voto é facultativo, um direito subjetivo do cidadão e não um dever imposto ao cidadão pelo legislador para fortalecer os partidos políticos. O volume de cédulas ultrapassa a casa dos milhões. A contagem manual é demorada; gera um clima de impaciência, desconfiança e insegurança durante a espera dos resultados. Entretanto, ao governo dos EUA, potência mundial, parece afigurar-se impróprio, até humilhante, importar tecnologia criada por uma republiqueta vagabunda localizada no seu quintal. 

 

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