sábado, 28 de novembro de 2020

VIRA-LATA

O falecimento nesta semana do argentino Diego Armando Maradona, notável jogador de futebol, comoveu o mundo esportivo (25/11/2020). Milhares de pessoas compareceram ao velório no palácio do governo (Casa Rosada). Cortejo de carros e motos acompanhou o féretro até o cemitério. O acesso à cerimônia de sepultamento foi obstado ao público. Políticos da Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Itália, Uruguai, Venezuela, apresentaram suas condolências. Nos meios de comunicação social, o panegírico aliado ao sentimentalismo, ao oportunismo e ao sensacionalismo, soava como latido da cachorrada ao escapar do canil. Homenagem a quem partiu pode ser feita com elegância sem atacar a quem ficou. Críticas injustas e infundadas, diretas ou indiretas, são dispensáveis. O fúnebre evento avivou o complexo de vira-lata da gente colonizada cuja mentalidade inclui o pressuposto universal da superioridade das pessoas e coisas estrangeiras em relação às pessoas e coisas nacionais. Em decorrência dessa mentalidade – e não só da cor da pele – os brasileiros recebem dos argentinos o apelido “macaquitos”. 

O vira-lata brasileiro apoia a opinião argentina sobre superioridade de Maradona e inferioridade de Pelé. Dizem, os áulicos, que Maradona conquistou sozinho duas copas do mundo enquanto Pelé contou com o auxílio de Rivelino, Tostão, Gerson e outros craques. Além de desprestigiar os valorosos jogadores da seleção argentina, tal comparação é bisonha. Pelé exibiu o seu talento não só na seleção brasileira de 1970 como também nas seleções de 1958, 1962 e 1966. Das 4 (quatro) seleções, jogando em campos estrangeiros, 3 (três) foram campeãs mundiais e 1(uma) vice-campeã. Futebol é esporte coletivo. Exige 22 jogadores em campo, metade para cada lado. Vencer, perder ou empatar é responsabilidade da equipe (treinador inclusive). Ninguém vence, perde ou empata sozinho. Alguns jogadores destacam-se por suas habilidades, cuja participação tende a ser mais decisiva do que a dos companheiros. Maradona foi um desses jogadores.

Ele é Deus? Sim, dos argentinos. Lenda? Sim. Realidade? Não. A paixão escurece o véu de maya. Ídolo? Sim, dos argentinos e dos napolitanos. Genial? Não. Habilidoso? Sim. Ao jogar usava bem as duas pernas? Não. Primoroso apenas com a esquerda. Dominava todos os fundamentos do futebol? Não. Só o drible. Sofrível nas assistências e finalizações. Durante toda a sua carreira não fez sequer um terço (1/3) dos 1.200 gols de Pelé. Herói? Sim. Desde a derrota diante da Inglaterra na Guerra das Malvinas em 1982, a Argentina necessitava de um herói. Maradona foi o guerreiro providencial. Em território mexicano, ele comandou a tropa que venceu a Inglaterra no desenrolar da Copa de 1986. O seu exitoso e extraordinário lance individual contra vários jogadores ingleses lavou a alma dos argentinos. As imagens foram repetidas milhões de vezes nos aparelhos de televisão mundo afora. Maior jogador de todos os tempos? Não. Fora o cabeceio com a mão, Maradona mais nada criou. Com Rivelino, ele aprendeu a bem usar a canhota e o drible elástico. Com Pelé, ele aprendeu a driblar dois ou mais adversários e, sem a regularidade e a eficiência do mestre, a chutar a bola do meio do campo contra o desguarnecido gol do adversário, a aplicar lençól (chapéu) e meia-lua. Com Sócrates, ele aprendeu a usar o calcanhar. Tal como a maioria dos jogadores americanos, europeus, africanos, asiáticos, ele também copiou jogadas lícitas criadas por craques brasileiros. 

Bom treinador de futebol? Não. Tanto na seleção como nos clubes, o trabalho de Maradona como treinador foi sofrível. Carismático? Sim, exuberante. Apaixonado? Sim, pelo futebol e por sua pátria. Inteligente? Sim. Politizado? Sim. Pendia para a esquerda. Admirava Chávez, Evita, Fidel, Guevara, Lula, Perón. Sua preocupação com a justiça social entrava em rota de colisão com o bunker nazista entranhado na Argentina. Exemplo a ser seguido? Na prática esportiva e no posicionamento político, sim. Na conduta social, não. Embora alegre, irreverente, havia traços negativos: turbulento, arreliento, consumidor dependente de drogas e de bebidas alcoólicas, mulherengo, paternidade irresponsável. Os áulicos retocam esse retrato com lindas cores e frases poéticas. Ao vira-lata, embevecido com o som da própria voz, caramujo em seus ouvidos, pouco importa se a conduta do ídolo é moral ou imoral, honesta ou criminosa.        

O maior jogador de futebol de todos os tempos, reconhecido internacionalmente, ainda está vivo, 80 anos de idade, mora no Brasil e se chama Edson Arantes do Nascimento, alcunha Pelé. Ombrear com Pelé? Só Leônidas (“Diamante Negro”), Zizinho (“Mestre”, espelho de Pelé) e Garrincha (“Alegria do Povo”). Nenhum outro o iguala ou supera na arte de jogar futebol. [Post scriptum. Domingos da Guia (1912/2000), quiçá o maior zagueiro driblador de todos os tempos, sabia das coisas do futebol. Entrevistado pela imprensa (salvo engano, nos anos 90) disse categoricamente: “Leônidas foi o Pelé da Era do Rádio; Pelé foi o Leônidas da Era da Televisão”].   

A operação mental de comparar implica elementos fáticos, históricos, lógicos e psicológicos. Isto considerado, compara-se a habilidade de Maradona com a de Romário, Ronaldinho Gaúcho, Zico. O padrão técnico do argentino ficava abaixo do padrão de Didi, Eusébio, Zidane. Pelé prestou serviço militar. Embora inclinado à direita, ficou distante da militância política. Reservado, sem paixão por holofotes, valoriza a saúde, a vida e a paz. Intuitivo, genialidade lúdica, visão de jogo ampla e privilegiada, desempenho excelente e criativo na arte de jogar futebol, hábil e eficiente no uso das duas pernas e no cabeceio, inventou jogadas que têm sido copiadas por jogadores nacionais e estrangeiros. Elevou a importância social e a dignidade do esporte. Honra a nação brasileira.  

A autofagia do vira-lata quanto aos produtos culturais (samba, carnaval, futebol, folclore, idioma, literatura, personalidades) vem exemplificada não só por essa tentativa de rebaixamento da figura exponencial de Pelé, mas também pela tentativa de rebaixamento da figura exponencial de Lula. Esse presidente aumentou o prestigio internacional do Brasil, colocou o país entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada e estável, erradicou a fome, reduziu o desemprego, aumentou o bem-estar da população, promoveu o bem de todos sem preconceito, contribuiu para o desenvolvimento nacional, entrou para o primeiro time dos estadistas mundiais. Respeitado pelo Papa e por estadistas e líderes americanos, europeus, africanos, asiáticos. Apesar disto, brasileiros movidos pelo ódio, pelo preconceito, pela inveja, usando de sordidez, espalhando notícias falsas, instaurando processos fraudulentos, tentam apequenar a gestão e a pessoa desse presidente, afasta-lo da cena política e da História do Brasil.

Em nação civilizada, que preza a si mesma, Pelé e Lula seriam respeitados, admirados, motivo de orgulho. No entanto, aqui nesta republiqueta de vira-latas, eles têm sido vilipendiados.  

 

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