quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

ESTUPRO FRUSTRADO

Estuprada algumas vezes por seu guardião, a Constituição brasileira foi novamente violentada na semana passada (01-06/dez). Duas mulheres e quatro homens impediram a consumação do delito: Rosa, Carmen, Mello, Fux, Barroso e Fachin. Ao ler o texto constitucional, pessoa de mediana inteligência fica sabendo que os deputados e senadores componentes das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não podem ser reeleitos para os cargos que nelas ocupam. Os votos contrários ao expresso comando da norma constitucional lançados neste e em outros casos, criaram a imagem (i) de uma assembleia de politiqueiros ao invés de uma corte de justiça (ii) de um permanente congresso constituinte ao invés de um tribunal de juízes de direito (iii) de legisladores sem mandato popular (iv) de violadores contumazes do constitucional princípio da separação dos poderes. Esse reincidente comportamento dos ministros recomenda a dissolução do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto esta não acontece, nem a exoneração dos ministros (impeachment), os cidadãos podem exercer, ad cautelam, o seu natural direito à desobediência civil no tocante às decisões abusivas desse tribunal.  

Em artigo intitulado “Lamaçal Republicano” publicado neste blog (04/11/20) lê-se: “Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal movimentam-se para permanecer no cargo. Seus mandatos terminarão em janeiro/2021. Os dois mequetrefes pretendem reeleição expressamente vedada pela Constituição da República. Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse dos seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. [CR 57, §4º]. Como não se trata de cláusula pétrea, o óbice pode ser afastado por emenda à Constituição. Ante a supremacia da Constituição na hierarquia das leis, a norma regimental está em nível inferior. Portanto, a mudança nos regimentos internos da Câmara e do Senado para acolher a pretendida reeleição tem que aguardar a mudança na lei superior. Ainda que os interessados recorram ao STF, só uma decisão escatológica poderá salvá-los”. 

A “decisão escatológica” materializou-se nos votos de 5 ministros, mas não salvou os dois espertalhões. Sem pudor algum, o quinteto de ministros “interpretou” a norma constitucional como se mandato de 2 (dois) anos fosse igual a 4 (quatro) anos e a expressão vedada a recondução fosse equivalente à expressão permitida a reeleição. A aberração serviu para alertar o povo sobre a importância administrativa e política das chefias da Câmara e do Senado. Não é demais lembrar que (i) ao chefe da Câmara cabe assumir a presidência da república na ausência do presidente e do vice-presidente (ii) ao chefe do Senado cabe a chefia do Poder Legislativo. Afastada a reeleição, a esquerda provavelmente votará em bloco contra a hegemonia da direita nas duas Casas. Na correta opinião de Jobim, ex-presidente do STF, a matéria sequer merecia atenção do tribunal ante a clara e inequívoca redação da norma constitucional. No entanto, ao invés de indeferir a petição inicial “in limine”, o relator admitiu o processamento. Esse ato despertou suspeita. Ademais, a postulação disfarçava consulta. Responder consulta jurídica é atividade privativa dos advogados; vedada, pois, aos juízes. [Lei 8906/94, art. 1º, II]. 

Se a Constituição permite a reeleição do presidente da república por que há de proibir a reeleição dos congressistas? 

Como Fux, atual presidente do STF, bem acentuou, o lugar adequado para discutir essa questão é o Congresso Nacional e não o Judiciário. Houve motivo para o legislador constituinte vedar a reeleição dos congressistas naqueles cargos. Se novos fatos surgiram a exigir mudança, cabe ao Congresso Nacional, no uso da sua competência constituinte, emendar a Constituição. O aludido quinteto de ministros pretendeu usurpar competência privativa do Poder Legislativo. Não fora a reação das duas ministras e dos quatro ministros, o STF teria cometido novo abuso de poder. Essencialmente, a função judicante tem natureza política, qual seja, a de, em nome do estado e no devido processo jurídico, distribuir justiça mediante a racional, correta e serena aplicação das leis aos casos submetidos à apreciação dos juízes. Trata-se do exercício do poder estatal no campo jurisdicional incompatível com a política partidária. Lato sensu, quando praticada segundo a ampla extensão do conceito, a política implica discricionariedade, arbitrariedade e despotismo. Stricto sensu, quando praticada segundo a compreensão restrita do conceito, a política implica determinismo ético e jurídico.

Guardião da Constituição, o STF deve primar pelo respeito aos princípios e normas constitucionais. Jamais contraria-los. No caso em tela, ao sopro da política partidária, o quinteto exerceu o poder estatal além dos limites éticos e jurídicos vigentes na sociedade brasileira. Os abusos do STF asseguram-lhe lugar na História: o monturo. Justificam a sua dissolução. Em seu lugar, seria criada uma Corte Constitucional. Aos membros dessa Corte seriam exigidos: honestidade, decência, conduta ilibada, elevado nível cultural, idade mínima de 50 anos, respeito à ordem jurídica, distanciamento da política partidária, real e efetiva experiência como parlamentar, magistrado, advogado, defensor público, agente do ministério público, profissional de graduação superior civil ou militar (médico, engenheiro, economista, almirante, general, brigadeiro). Essa Corte seria composta de 21 membros assim distribuídos: 3 parlamentares, 3 desembargadores federais, 3 desembargadores estaduais, 3 agentes do ministério público, 3 advogados, 3 profissionais civis de formação universitária, 3 militares de alta patente. A escolha dos membros dessa Corte seria feita por comissão especial composta de cidadãos comuns e de agentes políticos e administrativos. A competência da Corte guardaria estrita sintonia com a sua finalidade. A competência do atual STF que não coubesse à Corte seria absorvida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Convocar-se-ia assembleia constituinte com o precípuo objetivo de criar a Corte Constitucional, reorganizar o Poder Judiciário, proibir expressamente julgamentos monocráticos nos tribunais, reconhecendo assim, o direito dos cidadãos ao exame colegiado dos seus recursos. 


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