segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

FILOSOFIA XV - 23



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Simone de Beauvoir (1908 a 1986), francesa, escritora de romances e ensaios, era adepta da filosofia existencialista. Embora não se considerasse feminista, Simone foi ícone do movimento feminista, principalmente por seus livros “O Segundo Sexo”, “Os Mandarins” e “Memórias de uma Moça Bem-Comportada”, publicados em 1949, 1954 e 1958, respectivamente. No primeiro, ela defende os direitos da mulher; no segundo, descreve o círculo existencialista em Paris após a segunda guerra mundial; no terceiro, narra fases da sua vida. Em “A Força da Idade”, publicado em 1960, Simone conta fatos da sua vida ocorridos entre 1929 e 1944, tais como: (1) o seu curso de filosofia; (2) o seu encontro e convívio com Jean-Paul Sartre e a primeira separação; (3) o tempo da sua formação literária, filosófica e política; (4) o seu magistério e o apogeu do existencialismo; (5) as viagens, amizades, ocupação da França pelos alemães e a libertação.

No pórtico do “Segundo Sexo”, Simone faz duas citações a indicar parâmetros: Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher (Pitágoras). Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um só tempo, juiz e parte (Poulain de la Barre, século XVII).

Simone busca alicerces na historia, no mito e na ciência. Critica a posição subalterna da mulher na historia da humanidade. O homem é o sujeito, o absoluto, enquanto a mulher é o “outro”. Na Biologia, ela busca o amparo para demonstrar a injustificada desigualdade social entre o homem e a mulher. Examina a questão também do ponto de vista psicanalítico. Na mulher, o homem projeta todas as fêmeas do reino animal que se deitam servilmente para a posse do macho. Os fenômenos da multiplicação assexuada e da partenogênese não se mostram nem mais e nem menos fundamentais do que os da reprodução sexuada. Na maioria das espécies, há cooperação mútua entre os organismos masculino e feminino para reprodução. A mulher conhece uma alienação mais profunda quando o ovo fecundado desce ao útero e aí se desenvolve. A atividade ovariana, que desaparece com a menopausa após os 45 anos de idade, traz efeitos psicossomáticos. Os dados biológicos desempenham papel relevante na história da mulher. A eventual fraqueza muscular da mulher comparada à força do homem não significa fraqueza moral e intelectual. A mulher tem que ser vista e avaliada dentro de um contexto biológico, psicológico, econômico e social. Não é a natureza que define a mulher e sim a mulher que se define retomando a natureza em sua afetividade. Freud não se preocupou muito com o destino da mulher. Embora admita que em termos evolutivos a sexualidade da mulher está no mesmo nível da sexualidade do homem, Freud sustenta que a essência da libido é masculina, surja ela no homem ou na mulher. Uma vida é uma relação com o mundo. Escolhendo-se através do mundo é que o indivíduo se define; é para o mundo que nos devemos voltar a fim de responder questões que nos preocupam. A mulher se define como ser humano em busca de valores no seio de um mundo de valores, mundo cuja estrutura econômica e social é indispensável conhecer. A mulher deve se precaver contra o gosto pelo poder e evitar os defeitos dos homens. A teoria do materialismo histórico evidenciou verdades importantes. A humanidade não é uma espécie animal e sim uma realidade histórica. A sociedade humana não sofre passivamente a presença da natureza; ela a retoma em suas mãos. O destino da mulher e o destino do socialismo estão intimamente ligados. A mulher e o proletário são oprimidos. Ética verdadeiramente socialista que procure a justiça sem suprimir a liberdade, que imponha encargos aos indivíduos sem abolir a individualidade, ver-se-á embaraçada com os problemas postos pela condição da mulher. O monismo sexual de Freud e o monismo econômico de Engels são inadequados para explicar e compreender a mulher. A tendência da humanidade é a de superar-se. A mulher há de superar a sua posição subalterna na sociedade libertando-se dos grilhões que lhe foram postos.

Marguerite Duras (1914 a 1996), nascida Marguerita Donnadieu, na colônia francesa de Saigon, Indochina, onde passou a infância e a adolescência. Mudou-se para Paris, cursou Direito e Ciência Política na Sorbonne. Formou-se em 1935. Filiou-se ao partido comunista, participou ativamente da resistência francesa durante a segunda guerra mundial quando a França foi invadida pelas tropas alemãs. A partir de 1943, começa a publicar seus livros, dos quais “O Amante” se destacou por seu valor literário e rendeu a Marguerite o Prêmio Goncourt em 1984. O livro cobre o período de 1932 a 1949. Trata da experiência de vida da autora, sua mãe e irmãos na Indochina, do seu primeiro caso de amor com o filho de um milionário chinês aos quinze anos de idade, de quem ela se torna amante. Descreve a navegação no Rio Saigon, braço do Rio Mekong, a insuficiência ou ausência de rodovias e ferrovias na região, os navios que ligavam a Indochina à França em demoradas viagens de 24 dias até que fossem criadas as primeiras linhas aéreas. A narrativa alcança a vida adulta da autora em Paris, a morte da mãe e do irmão mais novo. Refere-se ao péssimo caráter do irmão remanescente, larápio, gigolô, viciado, que vendeu os bens da família, ficou na miséria, primeiro emprego como vigia de fábrica aos 50 anos de idade. No seu livro “A Dor”, lê-se: Essa nova face da morte organizada, racionalizada, descoberta na Alemanha, antes da indignação, desperta perplexidade. Fica-se assombrado. Como continuar a ser alemão? Buscam-se equivalências em outras partes, em outros tempos. Não existe nada. Uma das maiores nações civilizadas do mundo, a capital da música de todos os tempos, acaba de assassinar 11 milhões de seres humanos de maneira metódica, perfeita de uma indústria de Estado. Além de dezenas de livros, Marguerite produziu peças de teatro e filmes como diretora e roteirista. Entre estes, destaca-se “Hiroshima meu Amor”. 

José Saramago, romancista, poeta, dramaturgo, nascido em 1922 na província do Ribatejo, em Portugal, granjeou fama internacional com seus livros. Da sua produção intelectual constam: “Levantado do Chão”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “O Homem Duplicado”, publicados entre 1980 e 2002. Em “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, José dá vestes próprias aos eventos narrados no evangelho. Ele se vale da imaginação e da licença artística como ao narrar a visita do anjo a Maria disfarçado de mendigo, a gruta em que ela estava com o filho recém nascido, o terror provocado pelo decreto de Herodes, a fuga, os diálogos com deus, a ovelha que Jesus titubeava em sacrificar e que deus insistia fosse morta, o debate entre deus e o diabo, e assim por diante. Nada de pieguice. Nada de milagre. Palavras aos borbotões. Costumes e fatos históricos citados como pano de fundo. O ostensivo a ocultar o recôndito. A terra mais saliente do que o céu. Recebeu o Premio Nobel.

Milan Kundera, escritor nascido em 1929, na cidade de Praga, Tchecoslováquia, testemunha a sujeição do seu país ao regime comunista. Trabalhou como operário, foi músico de jazz e se dedicou à literatura. Seu primeiro livro intitulado “A Brincadeira”, publicado em 1967, inscreve-se no movimento de libertação que culminou com a invasão do país pelas tropas soviéticas em 1968 (Primavera de Praga). A partir daí, os seus livros foram proibidos. Milan mudou-se para a França (1975). Tal qual o seu conterrâneo Kafka, para Milan também a vida é um absurdo, destituída de qualquer significado, ora sonho, ora pesadelo. A sua experiência de vida ajudou-o a escrever “A Insustentável Leveza do Ser”, notável romance de amor e erotismo que tem como personagens dois casais que nas suas mútuas relações acabam se atraindo para fins libidinosos. Há separações e trocas. O romance expõe problemas do relacionamento humano num cenário político opressivo (1983).   

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