EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
O racionalismo dos
iluministas forneceu base teórica para a ação social contra a tirania política
e contra a exploração dos crentes pelo clero. A inclinação dos humanos para o
maravilhoso facilita o êxito das imposturas e a crença em coisas absurdas. A
religião era um assunto vital para quem tentasse remodelar a sociedade.
Filósofos como Locke, afirmavam que a religião deve se alicerçar na razão.
Desta postura racionalista derivou a filosofia religiosa conhecida como deísmo, que rejeita religiões
institucionalizadas e prega religião simples e natural fundada nos seguintes
dogmas: (1) há um deus que criou o universo e as leis naturais que o regem; (2)
esse deus não interfere nos negócios humanos; (3) oração, sacramento e ritual
são coisas inúteis e absurdas, eis que deus não pode ser subornado ou enganado
para violar suas próprias leis naturais e atender aos interesses individuais;
(4) o homem é dotado de livre arbítrio para escolher entre o bem e o mal; (5) a
predestinação não existe; (6) a conduta terrena do indivíduo determina os
prêmios e os castigos na vida após a morte. Atribui-se ao Lorde Herbert of
Cherbury (1583 a
1648) o lançamento dessa filosofia. No século XVIII (1701 a 1800), o deísmo foi propagado: (1) em França, por
Voltaire, Diderot, Rousseau; (2) na Inglaterra, por Alexandre Pope, Lorde
Bolingbroke, Lorde Shaftesbury; (3) nos Estados Unidos da América do Norte, por
Thomas Paine, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Estes pensadores condenavam
a fé organizada e os elementos irracionais da religião. Voltaire assim se
expressava: velhacos inventaram a
religião institucionalizada como instrumento para explorar e manejar a massa
ignorante; o primeiro teólogo foi o
primeiro espertalhão que encontrou o primeiro tolo; chamar Jesus de cristão é insultá-lo. Mecanicismo + materialismo =
zero deus. Teoria de Holbach: supondo-se
a eternidade do universo, dispensável a figura de um criador, pois não há
começo, nem fim, nem finalidade, nem motor primeiro e sim motor perpétuo; o
comportamento do homem é determinado pelo meio e pela complexidade da sua
natureza animal.
Além da motivação
política, social e econômica, a revolução francesa serviu-se de combustível
teórico. O abastecimento intelectual coube a pensadores como Locke, Voltaire,
Montesquieu, Rousseau e Sieyes. O pensamento deles conflui para os seguintes
pontos: (1) o Estado é um mal necessário; (2) o governo tem base contratual;
(3) o titular do poder político é o povo; (4) o indivíduo é titular de direitos
naturais.
John Locke (1632 a 1704), inglês,
médico, filósofo, participou da revolução puritana de Cromwell e também
contribuiu na elaboração da Constituição da Carolina, colônia inglesa da
América do Norte. A sua teoria liberal assentava-se no tripé: governo limitado,
direitos naturais, resistência à tirania. Influiu na Europa e na América. As
suas obras mais citadas, ambas publicadas em 1690, são: “Segundo Tratado do
Governo Civil” e “Ensaio Acerca do Entendimento Humano”. Nessas duas obras se
apoiaram os próceros das revoluções americana e francesa do século XVIII. Para
esse filósofo, o objetivo do governo do Estado é garantir a liberdade, a propriedade e a vida dos
indivíduos. A lei natural corporifica esses direitos e condiciona a ação dos
governantes. Do estado de natureza os
homens passaram ao estado civil sem
conceder poder absoluto ao governante. O parlamento exerce o poder supremo; o
rei é o braço executor. Os poderes do parlamento e do rei são limitados.
Inadmissível o despotismo, quer do monarca, quer do parlamento. A autoridade do
Estado não pode ser maior do que a autoridade que os indivíduos tinham no
estado natural antes de criar o estado civil e outorgar poder ao governo assim
constituído. A natureza é governada por leis universais que podem ser formuladas
de modo tão preciso quanto os princípios matemáticos. O governo deve respeitar
os direitos naturais dos indivíduos e se abster nas questões de consciência {liberdade religiosa}. O povo pode depor o
governante que violar esses direitos {vida,
liberdade, propriedade}.
A ciência divide-se em
física, prática e semiótica. A física compreende as ciências teóricas,
cujo objeto é a coisa. A prática compreende as ciências éticas, cujo
objeto é a ação humana. A semiótica compreende a linguagem e a lógica,
cujo objeto é o sinal. O conhecimento deriva da percepção sensorial. Devemos
nos acautelar contra as coisas que excedem a nossa compreensão. Investigar a
extensão do nosso entendimento e encontrar os seus limites ajuda-nos a
compreender o homem e o mundo. As nossas mentes e as nossas mãos devem ser
empregadas naquilo para as quais são apropriadas de acordo com as suas
constituições e as bênçãos das quais estão supridas. Não podemos descrer de
tudo pelo fato de não podermos a tudo conhecer. Não deixamos de utilizar as
nossas pernas só porque não temos asas.
O poder do pensamento
denomina-se entendimento e o poder da
volição denomina-se vontade.
Pensamento e volição são faculdades humanas das quais derivam idéias simples
como recordação, discernimento, raciocínio, julgamento, conhecimento, fé. Idéia é o objeto do pensamento e este é
atividade da alma. O homem tem consciência de que pensa. No ato de pensar, a
mente se ocupa de idéias. Estas derivam da sensação e da reflexão. As idéias
simples entram pelos sentidos sem mistura. Entre outras qualidades essenciais e
acidentais, a mente distingue num mesmo objeto: cor, odor, solidez. As idéias
de espaço, extensão, figura, repouso e movimento provêm ao mesmo tempo da
visão, do tato e do ouvido. As idéias simples contêm em si uma aparência ou
concepção uniforme na mente que não pode ser distinguível em idéias diferentes.
As mais notáveis a partir das quais se formam todos os outros conhecimentos
são: prazer, dor, existência, unidade, sucessão e poder. As idéias simples geradas
pelos sentidos são integradas em idéias complexas pela razão {operações da
inteligência}. A sensação fornece a
matéria prima com a qual a razão trabalha
{sensualismo + racionalismo = iluminismo}.
Equivoca-se quem ajusta o fato à hipótese. Correto é partir do fato para
construir a hipótese {explicá-lo e compreendê-lo}.
O patrimônio ideal varia de indivíduo a indivíduo
segundo a experiência e a atividade mental de cada um. A mente do ser humano
recém nascido é uma tábua rasa, papel em branco, não contém idéia alguma.
Inexistem idéias inatas quer de deus, quer de substância, de causalidade, de
finalidade, ou qualquer outra. Sem idéias inatas não há princípios inatos.
Gradualmente, a criança vai se provendo de idéias de acordo com o ambiente em
que vive e é criada. Em ambiente isolado onde não houvesse outras cores além do
branco e do preto a criança não teria idéia das demais cores quando atingisse a
fase adulta. A essa criança isolada seriam estranhos: (1) os sons que jamais
houvessem chegado aos seus ouvidos, como o badalar do sino de uma igreja; (2) o
gosto de frutas ou legumes nunca experimentados antes. Os homens estão
diversamente supridos dessas idéias, segundo os diferentes objetos com os quais
entram em contacto. [Talvez aí esteja a fonte de inspiração de obras literárias
como Robinson Crusoé, Tarzan (O Rei das Selvas) e Mowgli (O Menino Lobo)]. Se o
homem tivesse apenas quatro sentidos nenhuma noção teria dos objetos só
percebidos por um quinto sentido, como também não tem idéia de qualquer objeto
cuja percepção exija um sexto, sétimo ou oitavo sentido. Percepção é a faculdade que enseja a entrada dos materiais do
conhecimento na mente. Retenção é a faculdade de manter
as idéias na mente; pode ser: provisória
(contemplação) ou permanente (memória).
A recordação {emersão da idéia à superfície consciente} pode ser: (1) espontânea {basta um estímulo (perfume,
paisagem) para trazer uma idéia à lembrança}; (2) proposital (a nossa vontade guia a pesquisa da idéia no armazém da
memória). As coisas do mundo e as idéias da mente acontecem em sucessão.
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