terça-feira, 2 de setembro de 2014

FILOSOFIA XIII - 23



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

O racionalismo dos iluministas forneceu base teórica para a ação social contra a tirania política e contra a exploração dos crentes pelo clero. A inclinação dos humanos para o maravilhoso facilita o êxito das imposturas e a crença em coisas absurdas. A religião era um assunto vital para quem tentasse remodelar a sociedade. Filósofos como Locke, afirmavam que a religião deve se alicerçar na razão. Desta postura racionalista derivou a filosofia religiosa conhecida como deísmo, que rejeita religiões institucionalizadas e prega religião simples e natural fundada nos seguintes dogmas: (1) há um deus que criou o universo e as leis naturais que o regem; (2) esse deus não interfere nos negócios humanos; (3) oração, sacramento e ritual são coisas inúteis e absurdas, eis que deus não pode ser subornado ou enganado para violar suas próprias leis naturais e atender aos interesses individuais; (4) o homem é dotado de livre arbítrio para escolher entre o bem e o mal; (5) a predestinação não existe; (6) a conduta terrena do indivíduo determina os prêmios e os castigos na vida após a morte. Atribui-se ao Lorde Herbert of Cherbury (1583 a 1648) o lançamento dessa filosofia. No século XVIII (1701 a 1800), o deísmo foi propagado: (1) em França, por Voltaire, Diderot, Rousseau; (2) na Inglaterra, por Alexandre Pope, Lorde Bolingbroke, Lorde Shaftesbury; (3) nos Estados Unidos da América do Norte, por Thomas Paine, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Estes pensadores condenavam a fé organizada e os elementos irracionais da religião. Voltaire assim se expressava: velhacos inventaram a religião institucionalizada como instrumento para explorar e manejar a massa ignorante; o primeiro teólogo foi o primeiro espertalhão que encontrou o primeiro tolo; chamar Jesus de cristão é insultá-lo. Mecanicismo + materialismo = zero deus. Teoria de Holbach: supondo-se a eternidade do universo, dispensável a figura de um criador, pois não há começo, nem fim, nem finalidade, nem motor primeiro e sim motor perpétuo; o comportamento do homem é determinado pelo meio e pela complexidade da sua natureza animal.

Além da motivação política, social e econômica, a revolução francesa serviu-se de combustível teórico. O abastecimento intelectual coube a pensadores como Locke, Voltaire, Montesquieu, Rousseau e Sieyes. O pensamento deles conflui para os seguintes pontos: (1) o Estado é um mal necessário; (2) o governo tem base contratual; (3) o titular do poder político é o povo; (4) o indivíduo é titular de direitos naturais.

John Locke (1632 a 1704), inglês, médico, filósofo, participou da revolução puritana de Cromwell e também contribuiu na elaboração da Constituição da Carolina, colônia inglesa da América do Norte. A sua teoria liberal assentava-se no tripé: governo limitado, direitos naturais, resistência à tirania. Influiu na Europa e na América. As suas obras mais citadas, ambas publicadas em 1690, são: “Segundo Tratado do Governo Civil” e “Ensaio Acerca do Entendimento Humano”. Nessas duas obras se apoiaram os próceros das revoluções americana e francesa do século XVIII. Para esse filósofo, o objetivo do governo do Estado é garantir a liberdade, a propriedade e a vida dos indivíduos. A lei natural corporifica esses direitos e condiciona a ação dos governantes. Do estado de natureza os homens passaram ao estado civil sem conceder poder absoluto ao governante. O parlamento exerce o poder supremo; o rei é o braço executor. Os poderes do parlamento e do rei são limitados. Inadmissível o despotismo, quer do monarca, quer do parlamento. A autoridade do Estado não pode ser maior do que a autoridade que os indivíduos tinham no estado natural antes de criar o estado civil e outorgar poder ao governo assim constituído. A natureza é governada por leis universais que podem ser formuladas de modo tão preciso quanto os princípios matemáticos. O governo deve respeitar os direitos naturais dos indivíduos e se abster nas questões de consciência {liberdade religiosa}. O povo pode depor o governante que violar esses direitos {vida, liberdade, propriedade}.

A ciência divide-se em física, prática e semiótica. A física compreende as ciências teóricas, cujo objeto é a coisa. A prática compreende as ciências éticas, cujo objeto é a ação humana. A semiótica compreende a linguagem e a lógica, cujo objeto é o sinal. O conhecimento deriva da percepção sensorial. Devemos nos acautelar contra as coisas que excedem a nossa compreensão. Investigar a extensão do nosso entendimento e encontrar os seus limites ajuda-nos a compreender o homem e o mundo. As nossas mentes e as nossas mãos devem ser empregadas naquilo para as quais são apropriadas de acordo com as suas constituições e as bênçãos das quais estão supridas. Não podemos descrer de tudo pelo fato de não podermos a tudo conhecer. Não deixamos de utilizar as nossas pernas só porque não temos asas.

O poder do pensamento denomina-se entendimento e o poder da volição denomina-se vontade. Pensamento e volição são faculdades humanas das quais derivam idéias simples como recordação, discernimento, raciocínio, julgamento, conhecimento, fé. Idéia é o objeto do pensamento e este é atividade da alma. O homem tem consciência de que pensa. No ato de pensar, a mente se ocupa de idéias. Estas derivam da sensação e da reflexão. As idéias simples entram pelos sentidos sem mistura. Entre outras qualidades essenciais e acidentais, a mente distingue num mesmo objeto: cor, odor, solidez. As idéias de espaço, extensão, figura, repouso e movimento provêm ao mesmo tempo da visão, do tato e do ouvido. As idéias simples contêm em si uma aparência ou concepção uniforme na mente que não pode ser distinguível em idéias diferentes. As mais notáveis a partir das quais se formam todos os outros conhecimentos são: prazer, dor, existência, unidade, sucessão e poder. As idéias simples geradas pelos sentidos são integradas em idéias complexas pela razão {operações da inteligência}. A sensação fornece a matéria prima com a qual a razão trabalha {sensualismo + racionalismo = iluminismo}. Equivoca-se quem ajusta o fato à hipótese. Correto é partir do fato para construir a hipótese {explicá-lo e compreendê-lo}. 

O patrimônio ideal varia de indivíduo a indivíduo segundo a experiência e a atividade mental de cada um. A mente do ser humano recém nascido é uma tábua rasa, papel em branco, não contém idéia alguma. Inexistem idéias inatas quer de deus, quer de substância, de causalidade, de finalidade, ou qualquer outra. Sem idéias inatas não há princípios inatos. Gradualmente, a criança vai se provendo de idéias de acordo com o ambiente em que vive e é criada. Em ambiente isolado onde não houvesse outras cores além do branco e do preto a criança não teria idéia das demais cores quando atingisse a fase adulta. A essa criança isolada seriam estranhos: (1) os sons que jamais houvessem chegado aos seus ouvidos, como o badalar do sino de uma igreja; (2) o gosto de frutas ou legumes nunca experimentados antes. Os homens estão diversamente supridos dessas idéias, segundo os diferentes objetos com os quais entram em contacto. [Talvez aí esteja a fonte de inspiração de obras literárias como Robinson Crusoé, Tarzan (O Rei das Selvas) e Mowgli (O Menino Lobo)]. Se o homem tivesse apenas quatro sentidos nenhuma noção teria dos objetos só percebidos por um quinto sentido, como também não tem idéia de qualquer objeto cuja percepção exija um sexto, sétimo ou oitavo sentido. Percepção é a faculdade que enseja a entrada dos materiais do conhecimento na mente. Retenção é a faculdade de manter as idéias na mente; pode ser: provisória (contemplação) ou permanente (memória). A recordação {emersão da idéia à superfície consciente} pode ser: (1) espontânea {basta um estímulo (perfume, paisagem) para trazer uma idéia à lembrança}; (2) proposital (a nossa vontade guia a pesquisa da idéia no armazém da memória). As coisas do mundo e as idéias da mente acontecem em sucessão.

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