sábado, 6 de setembro de 2014

FILOSOFIA XIII - 25



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

John Locke define liberdade como o poder do agente de agir ou deixar de agir segundo a determinação ou pensamento da mente por meio da qual uma coisa é preferida a outra. Se nenhuma das ações depende desse poder, o agente não tem liberdade e se encontra sujeito à necessidade. O ato necessário pode realizar-se voluntária ou involuntariamente. Há, por exemplo, movimentos involuntários do corpo humano como os batimentos cardíacos. Carece de sentido a questão de ser ou não ser livre a vontade do homem (livre arbítrio), pois é o mesmo que perguntar se o sono é rápido ou se a virtude é quadrada. A liberdade enquanto poder é atributo do agente tanto quanto a vontade. Esta é poder, habilidade ou aptidão, para preferir ou escolher. O poder é relação e não agente. A liberdade pertence ao agente que tiver poder de agir ou de não agir. A mais ampla liberdade é daquele que for capaz de fazer ou não fazer o que quiser. A volição é uma necessidade. O ato da vontade é necessário. Nesse patamar, não há liberdade. O agente não pode deixar de querer ou não querer (determinação da natureza). {A liberdade plena é de quem pode pensar e agir sem freio algum}.

As idéias de tempo e lugar servem de fundamento a vastas relações. Todos os seres finitos estão relacionados ao tempo e ao espaço (vida de um animal, período de um governo, distância entre as coisas). Essa relação é expressa em palavras como agora, depois, hoje, amanhã, grande, pequeno, acima, abaixo, perto, longe. As relações podem ser naturais, instituídas (ou voluntárias) e morais. As naturais são inalteráveis ao arbítrio humano. Exemplo: pai x filho. As instituídas têm origem na vontade dos homens e vêm fundadas em certo ato ao qual alguém chega por direito ou obrigação. Exemplos: Estado x cidadão; comando x obediência. As morais vêm fundadas nas ações voluntárias dos seres humanos referidas a uma regra pela qual eles são julgados. O bem e o mal são definidos por essa regra de conduta imposta pela vontade do legislador (castigo à desobediência). A lei divina é estabelecida por deus, revelada ou contida na natureza, tendo por objeto as ações humanas. A lei civil é estabelecida pela comunidade humana com respeito às ações dos seus membros. A lei filosófica é promulgada pela comunidade de modo difuso, segundo o juízo, as máximas e os costumes do lugar, referindo-se à virtude e ao vício. Por um tácito consentimento, as sociedades e os grupos humanos estabelecem as ações que são meritórias e as que são condenáveis. Virtude e louvor, vício e censura, andam juntos, independente do conteúdo da norma, pois o que pode ser vício em uma dada sociedade pode ser virtude em outra.

Quando sons emitidos pelo homem convertem-se em sinais de idéias passam a ser uma linguagem. Os sinais devem abranger uma coleção de objetos, pois seria empecilho ao conhecimento um sinal para cada coisa em particular. Assim, há termos gerais que significam várias coisas particulares como a palavra homem quando significa todos os seres humanos {espécie humana}. As palavras são sinais sensíveis, necessários à comunicação. Em primeiro lugar, as palavras são sinais das idéias na mente de quem as usa e só para este sujeito têm um significado próprio. Em segundo lugar, podem ter a mesma significação na mente dos outros homens, o que permite a comunicação, o entendimento, o consenso ou a divergência. Em terceiro lugar, têm o propósito de significar a realidade das coisas. Em quarto lugar, podem ser usadas sem que se compreenda o seu significado, por mera repetição, como acontece com as crianças, ou no uso cotidiano de palavras em voga quando na conversação os participantes fixam-se mais nas palavras do que nas coisas. A formação de palavras deve-se ao arbítrio humano e não a uma ilusória conexão com as idéias e coisas. Podem existir diferentes palavras para as mesmas idéias e coisas. O discurso é inteligível quando as palavras evocam no emissor e no receptor as mesmas idéias e coisas. Por abstração das particularidades chega-se aos termos gerais, o que facilita o conhecimento e a comunicação. Por isto mesmo, na definição de uma palavra usa-se o gênero e a diferença {definição sintética} embora o mais adequado fosse enumerar todas as idéias e coisas nela compreendidas {definição analítica}. As palavras gerais e universais são criaturas do entendimento humano, sem correspondência no mundo sensível onde reinam as coisas particulares.

As idéias abstratas são as essências dos gêneros e das espécies. Embora produto do entendimento humano, elas têm fundamento na similitude das coisas. Com base nessa similitude, o entendimento classifica as idéias e coisas. A palavra essência pode ser tomada no sentido real quando nos referimos ao ser de qualquer coisa em face do qual ela é o que é, e no sentido nominal quando nos referimos à idéia abstrata que reúne outras idéias numa classe ou numa espécie, por similitude, significada pelo nome geral ou típico. No que tange às essências reais, há duas opiniões: (1) são formas ou moldes em que todas as coisas naturais que existem estão organizadas e de que igualmente participam; (2) todas as coisas naturais têm uma real e desconhecida constituição de suas partes insensíveis, das quais surgem essas qualidades sensíveis que nos servem para distingui-las entre si, segundo tivermos oportunidade para classificá-las em espécie, sob denominações comuns. A essência real e a nominal são uma só nas idéias simples e modos, porém diferentes nas substâncias. As essências são incriáveis e incorruptíveis, independentemente das modificações que possam ocorrer com os indivíduos da mesma espécie ou da mesma classe. A essência da palavra homem continua sempre a mesma ainda que Pedro, ou Joana, padeça de alguma anomalia. A doutrina da imutabilidade das essências prova que elas são apenas idéias abstratas.

Os nomes das idéias simples são indefiníveis. Se todos esses nomes fossem definíveis entraríamos num processo ad infinitum porque um termo seria definido por outro, sem um limite, caindo na circularidade dos sinônimos. A definição revela o sentido de uma palavra por várias outras sem que cada uma signifique a mesma coisa. Cada idéia simples que compõe uma idéia complexa definível não pode ser definida porque não contém outras idéias distintas em sua estrutura lógica. Definir movimento como sendo a passagem de um lugar para o outro é colocar um sinônimo no lugar da palavra definida, pois, movimento e passagem têm o mesmo significado. As idéias simples são captadas pelas impressões dos objetos em nossas mentes. Nenhuma palavra poderá dar ao sujeito o gosto do abacaxi se, antes, o sujeito não houver experimentado o sabor dessa fruta. Podem compará-lo com o sabor experimentado de outras frutas, mas ainda assim, o sujeito não terá idéia do autêntico sabor do abacaxi. [Na Inglaterra de Locke essa fruta era importada e não estava ao alcance da massa, o que para o governo era um “abacaxi”].

O fato de existirem palavras em um idioma que não são traduzíveis em outro, mostra que certos povos encontraram motivos para formar idéias complexas que outros povos jamais coletaram em idéias específicas. [A palavra saudade serve de exemplo]. Esse fato demonstra que a formação de palavras resulta de um esforço de abstração da mente para nomear e comunicar idéias, e não de um trabalho uniforme da natureza. [No mesmo país pode haver expressões e gírias de difícil compreensão para quem não seja habitante de determinada região (gaúchos, sertanejos, ribeirinhos, interioranos, litorâneos)]. Quando falamos de justiça ou gratidão não formamos para nós mesmos alguma imagem de algo existente que devíamos conceber, mas nossos pensamentos terminam nas idéias abstratas dessas virtudes. Já o mesmo não acontece quando falamos de cavalo ou ferro; não as consideramos apenas na mente, mas também como as próprias coisas que fornecem os modelos originais dessas idéias.

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