EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
Probabilidade, na definição de Locke, é a manifestação do acordo com base em provas
falíveis. [A afirmação de um físico nuclear de que a estrutura final da matéria
é um filamento vibratório (corda vibrátil) pode ser aceita como correta por um
leigo, firme na autoridade do cientista. O leigo crê nessa probabilidade do
acerto do estudo e da reflexão do cientista]. A probabilidade supre a falta de
um conhecimento certo. Repousa na crença, no assentimento ou opinião, nomes que
se dá a esse tipo de acolhimento que a mente dá às proposições. A probabilidade convence quando em
conformidade com nossa própria experiência ou com o testemunho da experiência
alheia. Todos os acordos a favor ou contra devem ser examinados, até chegar-se
ao julgamento. [Isto ocorre no processo judicial. Exame das provas favoráveis e
contrárias às teses dos litigantes]. A adesão dos homens aos seus julgamentos
pretéritos sobre cujo acerto eles não colocam dúvida contribui para a probabilidade
daquilo que no presente lhes é apresentado em conformidade. [Os precedentes
judiciais (jurisprudência) tornam provável o resultado da demanda em julgamento
e orientam os atores do drama judicial]. Isto pode gerar erro e teimosia quando
os julgamentos pretéritos foram elaborados sem as cautelas devidas. Inevitável
que muitos tenham opiniões sem provas das suas verdades. Como dificilmente
encontramos um juiz imparcial para ditar a melhor opinião, o caminho mais
sensato é o da mútua tolerância.
Locke divide a idéia de probabilidade em graus conforme o seu
poder de convencimento. O primeiro grau consiste no consenso geral de
todos os homens, em todas as épocas, na medida em que isto pode ser conhecido.
As probabilidades derivadas da natureza das coisas, cuja regularidade das
causas e dos efeitos por todos é percebida, aproximam-se muito da certeza e
geram um grau de segurança em nossas convicções. O segundo grau consiste
na confiança fundada no testemunho inquestionável ou em nossa própria
experiência. A história relata fatos de cuja existência nós não duvidamos
porque confiamos no trabalho do historiador. Posso confiar nos fatos narrados
sobre o egoísmo, a crueldade e a estupidez dos seres humanos, quando a minha
experiência própria pode atestá-los ou verificá-los. O terceiro grau consiste no justo testemunho, como o
dos fatos históricos pelos historiadores e documentos, ou da natureza das
coisas indiferentes, como de um pássaro voar deste ou daquele modo. Os graus de
probabilidade modificam-se quando há o choque de testemunhos entre si ou com
outros tipos de provas. Nas coisas que os sentidos não podem descobrir, a
analogia é a grande regra da probabilidade. A analogia com base na gradação
inferior à condição humana pode ser aplicada à gradação superior estabelecendo
a provável existência de “categorias de seres inteligentes excedendo-nos em
graus variados de perfeição, subindo na direção da infinita percepção do
criador, por suaves passos e diferença, cada um não se encontrando a grande
distância do outro que lhe é próximo” (hierarquia cósmica).
A palavra razão significa:
(1) princípios verdadeiros e claros; (2) causa final; (3) faculdade mental. A
razão descobre idéias mediante a sagacidade e organiza as idéias a fim de
descobrir através da ilação (inferência) que conexão há em cada elo da cadeia.
A inferência permite à mente ver a provável conexão entre as idéias, nela
assentindo ou divergindo. Método racional: (I) descobrir provas; (II) dispô-las
em ordem clara e adequada para tornar sua conexão e força facilmente percebida;
(III) perceber a conexão; (IV) tirar a correta conclusão. A mente humana opera
ordinariamente sem o silogismo. Em seus modos e figuras, o silogismo é um
grilhão para o pensamento. O silogismo tem sido considerado mais adequado para
obter vitória na controvérsia do que para descobrir ou confirmar a verdade em
investigações eqüitativas. O silogismo não é para uso cotidiano. Funciona como
clarificador do pensamento, tornando-o mais rigoroso em sua formulação.
Mostra-se útil nas decisões precedidas de provas e argumentos opostos.
Tipos
de argumentos: (1) argumentum ad
verecundiam, fundado na autoridade; (2) argumentum ad ignorantiam,
fundado na falta de argumento contrário de quem discorda e deixa de apontar
outro caminho; (3) argumentum ad hominem, fundado no erro do opositor ou
nas conseqüências extraídas dos princípios ou concessões do opositor; (4) argumentum
ad judicium, fundado nas provas tiradas dos alicerces do conhecimento ou da
probabilidade. Este último tipo é o único argumento que serve ao conhecimento. Erro é o assentimento a algo que não é
verdadeiro. Resulta das seguintes causas: (1) carência de provas, de habilidade
para usá-las ou de vontade para vê-las e examina-las; (2) medidas inadequadas
da probabilidade. A carência de provas pode ocorrer porque não existem ou
porque existem, mas não foram procuradas. A falta de habilidade ocorre quando
provas existem, mas o agente não sabe escolher a melhor e a mais adequada ao
caso. Vícios que comumente conduzem ao erro: (1) falta de vontade para
pesquisar, estudar, produzir a prova e aprimorar o conhecimento; (2) preguiça,
ociosidade e indiferença; (3) ignorar aquilo que conflita com os seus próprios
interesses. As medidas errôneas consistem em: (1) proposições duvidosas
e falsas tomadas por princípios; (2) hipóteses recebidas e aceitas sem
discussão ou apreciação crítica; (3) paixões e inclinações predominantes que
toldam o entendimento; (4) autoridade que constrange o pensamento.
George Berkeley (1685 a 1753), nascido na
Irlanda, bispo de Cloyne, professor, filósofo, criticou a teoria das idéias
abstratas de Locke. Tese fundamental da sua filosofia: o existir de algo é o mesmo que ser percebido. A teoria das idéias
de Locke é incompatível com a teoria representativa do conhecimento. Berkeley
expõe suas teorias no “Ensaio para uma Nova Teoria da Visão” e nos “Princípios
do Conhecimento Humano”. O enigma de ver as coisas em posição normal apesar de
ser invertida a imagem que se forma na retina tem solução simples: vemos com os
nossos olhos mas não olhando para trás como se olhássemos uma tela. As
percepções visuais não são de coisas externas, mas simplesmente de idéias na
mente. Todas as percepções produzem idéias de sensação apenas na mente. A
matéria é portadora metafísica das únicas qualidades que dão origem às
experiências que são conteúdos mentais. Ser
é ser percebido. Somente na experiência e através dela faz sentido falar de
algo como existente. As chamadas idéias abstratas na realidade são apenas nomes
gerais que se referem a uma coisa de um grupo de coisas. A palavra “triângulo”,
por exemplo, refere-se a qualquer triângulo, mas não a uma abstração. Se toda
experiência constitui-se de idéias de sensação e reflexão, não se pode afirmar
então que as idéias correspondem a objetos que não são conhecidos e nem
cognoscíveis. No discurso ouvimos o conteúdo da fala mais do que os
significados verbais isolados uns dos outros e depois encadeados como contas de
um colar.
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