EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
Segundo
John Locke, a capacidade da mente humana não está limitada pela sensação e
reflexão. O seu vôo vai além das estrelas
e não pode ser confinado neste mundo material. As poucas idéias simples são
suficientes para empregar o mais rápido pensamento ou a mais ampla capacidade e
fornecer os materiais de toda essa variedade de conhecimentos, opiniões e
fantasias. Com poucas letras e poucos números formamos, pela combinação, uma
infinidade de palavras e grandezas. A faculdade da mente de discernir e
distinguir na multidão de idéias é essencial ao conhecimento. Sem discernimento
não há conhecimento. Comparação e composição constituem operações
da mente. Implicam relação
entre as idéias. A idéia de relação é
central. Comparar as idéias entre si
é operação da mente da qual decorre enorme quantidade de idéias abarcadas pela
relação. Compor é operação da mente
que reúne idéias simples em
complexas. As idéias de prazer e dor vêm misturadas com quase
todas as idéias contidas em nosso patrimônio ideal. A idéia de prazer arrasta
as idéias de deleite, satisfação e felicidade. A idéia de dor arrasta as idéias
de inquietude, aborrecimento, tormento, angústia e miséria. Diante disto, a
nossa mente escolhe entre uma ação e outra, entre o movimento e o repouso. Os
pensamentos e ações que proporcionam prazer são preferidos {salvo distúrbio
psicológico}. A ampliação é um tipo
de combinação quantitativa em que umas idéias são acrescentadas a outras sem
alterar suas propriedades. Denominação é a operação da mente que atribui sinais às idéias para bem
fixá-las; forma, assim, um vocabulário literal e numérico {nomenclatura}. As idéias complexas podem ser reduzidas a
três tipos: (1) Modos, idéias que não
subsistem por si mesmas; (2) Substâncias,
combinações de idéias simples assumidas para representar distintas coisas
particulares e que subsistem por si mesmas; (3) Relações, comparação de uma idéia com outra.
Os
nomes dos modos indicam classes ou
espécies de coisas cada qual tendo sua essência peculiar que nada mais são do
que idéias abstratas. As essências ou idéias abstratas são formadas pelo
entendimento humano, de forma arbitrária, sem modelos ou referência a qualquer
existência real. O uso da linguagem consiste, em resumo, em sons para dar a entender
com facilidade e rapidez conceitos gerais em que não apenas a abundância de
pormenores deve ser contida, mas também, uma grande variedade de idéias
independentes agrupadas em uma complexa. A idéia de matar pode ser unida com a idéia de pai para formar uma espécie distinta daquela de matar o filho de um
estranho {parricídio x homicídio}. Consideram-se, no caso, os graus de ódio e
os castigos devidos ao assassinato do pai diferentes dos que devem ser
aplicados ao assassinato de um estranho. O legislador considera necessário mencionar
esses crimes por nomes distintos correspondendo a essa distinta combinação. {Homicídio = ato de um humano matar outro
humano. Costuma-se reservar o nome de assassinato
ao homicídio intencional (doloso). Quando o agente do crime é pai ou filho e o paciente
é filho ou pai, o legislador, fundado em valores éticos e religiosos, qualifica
o homicídio com maior rigor e estabelece um castigo mais severo}.
A idéia de substância
é obscura: suporte das qualidades que descobrimos existir e que imaginamos não
poder subsistir sine re substante. Tal suporte é um suposto sem
existência real. A substância da idéia diamante, por exemplo, consiste em um
conjunto de qualidades que coexistem unidas no mesmo objeto. A substância supõe
algo além da extensão, forma, solidez, movimento, pensamento ou de outras
idéias observáveis, apesar de não sabermos exatamente o que seja. Todas essas
idéias, quando reunidas em um único ser, supõem um substrato geral denominado substância.
Por acreditarmos que essas idéias não podem subsistir por si mesmas, concluímos
pela existência desse substrato geral. A substância pode se referir à matéria e
ao espírito.
A idéia de relação
supõe uma idéia referida a outra na qual não está confinada. Exemplo: Mário
é marido de Maria. A idéia “marido” supõe relação conjugal entre Mário e
Maria. A relação é uma maneira de comparar ou considerar duas coisas reunidas e
dar uma denominação. A idéia de causa e efeito é uma relação mais
compreensiva que deriva das duas fontes de todo o nosso conhecimento: a
sensação e a reflexão. Causa é tudo aquilo que dá começo a outra coisa.
A idéia que produz outra é a causa; a idéia produzida é o efeito. Dá-se a criação
quando a idéia ou a coisa é inteiramente nova sem qualquer antecedente. Exemplo:
o surgimento de uma nova partícula de matéria que antes não existia e que
começa a existir in rerum natura. Dá-se a geração quando uma
coisa ou substância é produzida no curso ordinário da natureza por um princípio
interno, embora posta a trabalhar e recebida de algum agente externo ou causa,
operando por meios insensíveis que não percebemos. Dá-se a fabricação
quando a coisa é produzida por um princípio ou fator extrínseco, mediante
separação sensível ou justaposição de partes discerníveis, como acontece com
todas as coisas artificiais. Dá-se a alteração quando qualquer idéia ou
coisa é introduzida ou retirada do objeto primitivo. {Exemplos: (1) o mundo é criado
por Deus; (2) a criança é gerada pelos pais; (3) a casa é fabricada
pelo construtor; (4) a partitura é alterada pelo arranjador}.
O espaço é um contínuo imóvel. A separação entre uma porção e outra
do espaço é aparente. Removido o corpo {divisor do espaço} surge o espaço na
sua inteireza e plenitude. O movimento de um corpo ocorre no espaço como
mudança da distância entre dois pontos quaisquer, mas o espaço em si fica
imóvel e sem resistência. A mente humana retira as idéias de duração e de
sucessão do seu próprio funcionamento ao observar que as idéias surgem ou são
produzidas em seqüência (uma idéia após a outra). A distância entre uma idéia e
outra nessa sucessão denomina-se duração.
A idéia dura enquanto permanece no foco da nossa consciência. Tempo é a
duração estabelecida pelas medidas (horas, dias, meses, anos, séculos, épocas,
períodos, movimento dos astros). A divisão total da duração em partes iguais é
um modo de medir o tempo. As revoluções do Sol e da Lua são medidas do tempo
apropriadas para a humanidade. Pela adição infinita dos períodos do tempo
adquirimos a idéia de eternidade. A
mais simples e universal das idéias é a de número,
especialmente a de número um,
constantemente sugerido por nossa mente. Finito e infinito são
modificações da expansão e duração. A idéia de finito é apreendida pela mente
das porções da extensão que impressionam os nossos sentidos. A idéia de
infinito é apreendida pelo poder de adicionar espaços e números sem limites.
Não haveria movimento sem espaço entre um corpo e outro ou entre uma partícula
e outra da matéria.
Poder é capacidade de realizar (ativo) ou de suportar
(passivo) qualquer mudança. Encerra um tipo de relação. Inclui-se entre as
idéias simples. As coisas sensíveis fornecem a idéia de poder passivo. Do espírito deriva a idéia mais clara de poder ativo, que é o significado mais
adequado da palavra poder. Todo poder relaciona-se com a ação.
Entendimento e vontade são dois poderes da mente. Entendimento é o poder
de percepção e compreende três tipos: (1) percepção das idéias em nossas
mentes; (2) percepção do significado dos sinais; (3) percepção da conexão,
rejeição, acordo e desacordo que há entre as idéias. Vontade é o poder
da mente para: (1) ordenar a escolha de qualquer idéia ou deixar de escolhê-la
e (2) orientar o movimento do corpo. Toda ação é voluntária quando resulta da vontade e involuntária quando não resulta do exercício desse poder. {Na seara
do direito, isto interessa ao tema da responsabilidade, à presença ou ausência
da culpa}. Os poderes da mente (perceber e preferir) são chamados, usualmente,
de faculdades. As idéias de liberdade e necessidade nascem
em função da extensão desses poderes da mente sobre as ações humanas (começar,
interromper, continuar, terminar, fazer, não fazer, dar, não dar, agir,
omitir).
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