A idéia central da páscoa cristã
é a ressurreição de Jesus, o Cristo. Demonstrada a falsidade dessa idéia, a
comemoração perde o sentido. Se não houver morte, não haverá ressurreição. A
morte do corpo humano ocorre quando cessam as funções respiratória, cardíaca e
cerebral; não mais atuam instinto, desejo, vontade, sentimento, pensamento. Ao
processo de integração sucede o de desintegração. Se o cérebro deixa de
funcionar, os procedimentos para revitalizar o organismo são inócuos; quando
muito, recuperam vida vegetativa. A história da medicina e a crônica vulgar
registram casos de morte aparente, perda temporária dos sentidos físicos. A
morte definitiva resulta do processo de mutação universal no mundo físico
citado por Heráclito e Lavoisier. Para o místico, a morte do ser humano
significa passagem do mundo material ao mundo espiritual com o acervo
consciente da personalidade.
O ciclo vital do ser humano
provoca o sonho da eternidade. A bíblia hebraica (antigo testamento) e cristã
(novo testamento) vem embalada neste sonho. A ressurreição faz parte deste
sonho. Da leitura do episódio narrado pelos evangelistas – do qual falta
registro exotérico historicamente válido – verifica-se que Jesus foi retirado
da cruz ainda com vida; que não houve ressurreição e sim artimanha. A
crucifixão serviu para facilitar a aceitação e a difusão da doutrina de Jesus;
com este propósito, foi estabelecida a crença na morte e ressurreição. Herodes
Antipas, tetrarca da Galiléia, autoridade competente para decidir o caso criado
pelo sacerdócio judeu, absolveu Jesus. Pilatos acatou a decisão do tetrarca e
declarou Jesus inocente. Os sacerdotes acusaram o general de proteger um
subversivo e ameaçaram levar o fato ao conhecimento do imperador romano.
Pilatos lavou as mãos. Para não se complicar, permitiu a aplicação da lei
romana (morte por crucificação) já que a lei judaica (morte por apedrejamento)
não podia ser aplicada – não só por causa da páscoa no sábado – como também por
determinação legal de Roma.
Convicto da inocência de Jesus,
Pilatos autorizou José de Arimatéia a retirar o corpo da cruz sem que lhe
fossem quebradas as pernas. O curto período na cruz foi insuficiente para
causar a morte. Além de Jesus, dois crucificados permaneciam vivos;
quebraram-lhes as pernas para apressar a morte. Pilatos cumpriu o seu dever:
(i) como soldado, perante o imperador, ao permitir que Jesus fosse crucificado
por subversão denunciada pelos sacerdotes; (ii) como civil, perante a sua
consciência, ao permitir que Jesus fosse retirado da cruz ainda com vida. De um
lado, Pilatos atendeu aos judeus; de outro, aos cristãos. O apóstolo Marcos
menciona o testemunho do centurião sobre a morte de Jesus (Mc 15: 44,45),
formalidade que Pilatos validou prontamente. No direito romano, a forma era
essencial à validade de certos atos. O centurião recebera propina para dar esse
testemunho (Mt 28: 12).
Jesus foi socorrido no sepulcro de propriedade de
Arimatéia; mudou o visual para não ser reconhecido pelos fariseus; nem Maria
Madalena o reconheceu (Jo 20: 11,15); os demais discípulos só ficaram
convencidos após verem as feridas deixadas nas mãos de Jesus e assistirem à sua
refeição (Mt 28: 17; Mc 16: 14; Lc 24: 16, 36, 43; Jo 21: 4). Durante sete
anos, aproximadamente, os apóstolos conviveram com um nazareno, homem de
cabelos longos, barba comprida, bigode, vestindo túnica branca e calçando
sandálias. Ao se defrontarem com um homem de rosto liso, cabeça raspada,
vestuário comum, que se apresentava como o rabi crucificado, a reação de
descrédito foi natural e imediata. Cumpridos os votos e a missão, os nazarenos
podiam cortar os cabelos, a barba, o bigode, usar trajes do costume social e
encetar vida comum. Encerrada a sua missão, Jesus retira-se da vida pública e
termina seus dias longe de Jerusalém, ao lado da sua amada.
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