sábado, 21 de abril de 2012

ABORTO3


A proibição legal do aborto assenta-se em proposições de índole religiosa tais como: a vida é um dom divino; o ser humano foi criado por Deus; o ser humano em gestação é sagrado e intocável; a sua proteção é um imperativo da consciência cristã. Segundo esse pensamento, a proteção do nascituro deve ser prevista em lei e garantida pelo Estado. A regra estatal brota do pensamento, do sentimento e da vontade do legislador, sob condicionamentos culturais integrados por idéias de justiça, verdade, bondade, beleza e santidade. O interesse, a utilidade e a necessidade são forças propulsoras do processo de gestação das regras de direito.

No julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental em 13/04/2012 (ADPF 54) o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legítima a interrupção da gravidez quando ao nascituro faltar encéfalo. Crânio sem essa parte significativa do sistema nervoso faz o animal parecer vegetal. Há humanos com o crânio cheio de massa encefálica, mas vazio de idéias. Nascem com encéfalo, mas não sabem usá-lo. Os doentes mentais são isentos de pena quando praticam delitos sem consciência da ilicitude. Há pessoas que usam o cérebro com finalidade perversa. Algumas são punidas; outras, não. Há criminosos de boa saúde mental que dificilmente são punidos: políticos corruptos e banqueiros estelionatários.

A ação judicial denominada argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) tem por finalidade evitar ou reparar lesão resultante de ato do poder público. Sem indicação do ato lesivo, a medida judicial não deve ser admitida “ex vi legis” (9.982/99, 3º, II). A citada ação foi discutida em abstrato visando a excluir do tipo penal aquela modalidade de aborto. O artigo 128 do código penal livra de punição o aborto praticado por médico em duas hipóteses: (i) quando há risco de morte para a gestante (ii) quando a gravidez resulta de estupro. O STF superou os entraves processuais, admitiu a mencionada ação e acolheu a pretensão ali deduzida. Em conseqüência, o código penal passa a ter norma oculta: terceira hipótese de impunidade de aborto praticado por médico. Segundo o vetusto princípio da separação dos poderes, cabia ao poder legislativo incluir essa norma no código penal. A ADPF 54 cumpriu papel de mandado de injunção: supriu a omissão do legislador.

No julgamento em tela, a rigidez lógica cedeu passo à flacidez do razoável. A suavidade do bom senso temperou a força da razão. Entre o feto e a gestante, o legislador optou pela mulher nas duas hipóteses legais de impunidade. O tribunal procedeu de igual maneira: entre o feto e a gestante, optou pela mulher e criou uma terceira hipótese de impunidade.

O tribunal decidiu com prudência. No caso de anencefalia do nascituro, reconheceu a liberdade da mulher, tanto para levar a gestação até o fim, como para interrompê-la. Atribuiu poder de decisão à gestante. Nem todos suportam o sofrimento de igual maneira. Algumas gestantes, por motivos religiosos ou para sentir a ventura de ser mãe, mantêm a gravidez até o final; desejam embalar aquele filho nos braços, ainda que por poucas horas. Outras gestantes não suportam a idéia e o sofrimento de parir aquele filho que nascerá morto ou terá vida curta e inconsciente, filho que jamais será um Alberto Limonta, formado em medicina.

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