domingo, 15 de abril de 2012

ABORTO


Abortar significa frustrar um processo natural ou cultural; impedir que um resultado se produza. O abortamento pode ser casual quando ocorre sem a intervenção da vontade como, por exemplo: semeadura perdida em conseqüência da estiagem ou do excesso de chuva, obra que não se completa em virtude da morte do escritor, prenhez gorada por disfunção orgânica. O abortamento é intencional quando intervém a vontade como, por exemplo: operação militar obstada em virtude de razões estratégicas, colheita agrícola arrasada em virtude de razões econômicas, gravidez interrompida por motivos pessoais. Este último exemplo interessa ao direito penal. A voluntária expulsão do feto antes do final da gestação é tipificada como crime no código penal (art. 124): “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. O delito se configura só quando o nascituro apresenta sinais vitais. Feto já morto no ventre materno pode ser retirado sem que isto caracterize ação criminosa.

O bem tutelado pela norma penal é a vida humana e não qualquer tipo de vida vegetal ou animal. Crimes contra a flora e a fauna são tratados em lei extravagante (9.605/98). Ao magistrado enquanto no desempenho da função judicante não cabe: (i) explicar a origem e o desenvolvimento do fenômeno biológico e o ciclo vital dos seres humanos, tarefa que cabe ao cientista; (ii) especular sobre o significado da vida, tarefa que cabe ao filósofo e ao teólogo. Como diz o povo bem humorado: “cada macaco no seu galho”. Cabe ao cientista explicar o fato natural; ao jurista, o fato cultural. A lei natural vincula-se à necessidade lógica; a lei cultural refere-se à conveniência dos negócios humanos. Sob ângulo prático – e não especulativo – o legislador designa o início e o fim da vida humana para efeitos jurídicos. Vida em sociedade, vida privada, vida escolar, vida pregressa, vida reclusa, são expressões utilizadas judicial e extrajudicialmente longe do significado biológico.

Ponderada a substantiva importância da necessidade, da utilidade ou do interesse em jogo, a lei é elaborada visando a determinado objetivo. A lei enforma a sociedade, disciplina a conduta humana e informa o caso concreto nas relações sociais. A sua eficácia ocorre de modo pacífico no meio social, regularmente. Quando há conflito ou dúvida, a solução jurídica obtém-se mediante a atuação de conciliadores, árbitros, juízes e tribunais, no devido processo legal. Busca-se a solução mais adequada ao caso e que melhor se afeiçoe à Constituição e à lei. Ao analisar os casos submetidos à sua apreciação, o juiz não se divorcia das suas crenças e convicções morais, religiosas, místicas e filosóficas. Em conseqüência, os julgamentos podem ser eventualmente tendenciosos. Julgamento viciado pela corrupção do magistrado é fato notório e antigo no mundo. Esse tipo de juiz constitui minoria, segundo opinião geral.    

A interrupção voluntária da gravidez se inscreve entre os crimes contra a vida (homicídio, induzimento ao suicídio, infanticídio e aborto). Por sua vez, tais crimes pertencem ao gênero dos crimes contra a pessoa (crimes contra a vida, a honra e a liberdade individual; lesões corporais, rixa e periclitação da vida e da saúde). A república brasileira tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (CF 1º, III). A inviolabilidade do direito à vida é garantida a brasileiros e a estrangeiros residentes no país, ou seja, garantida a pessoas humanas; logo, nascidas e vivas (CF 5º, caput). No aborto provocado sem o consentimento da gestante, a vítima é a mulher (pessoa). No aborto provocado com o consentimento da gestante, a vítima é o feto (que não é pessoa). De acordo com a lei civil brasileira, pessoa é o ser humano que nasce com vida e, assim, adquire personalidade civil. Destarte, o nascituro será pessoa se nascer com vida, caso em que, sujeito de direitos e deveres na ordem civil, poderá exercê-los mediante representante legal. O aborto impede o nascituro de chegar ao estado de pessoa. Em não sendo pessoa, o nascituro não pode ser vítima de crime contra a pessoa. Cuida-se de conclusão lógica de solar evidência.

Nenhum comentário: