Abortar significa frustrar um processo natural ou cultural; impedir
que um resultado se produza. O abortamento pode ser casual quando ocorre sem a
intervenção da vontade como, por exemplo: semeadura perdida em conseqüência da
estiagem ou do excesso de chuva, obra que não se completa em virtude da morte
do escritor, prenhez gorada por disfunção orgânica. O abortamento é intencional
quando intervém a vontade como, por exemplo: operação militar obstada em
virtude de razões estratégicas, colheita agrícola arrasada em virtude de razões
econômicas, gravidez interrompida por motivos pessoais. Este último exemplo
interessa ao direito penal. A voluntária expulsão do feto antes do final da
gestação é tipificada como crime no código penal (art. 124): “Provocar aborto em
si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. O delito se configura só quando
o nascituro apresenta sinais vitais. Feto já morto no ventre materno pode ser
retirado sem que isto caracterize ação criminosa.
O bem tutelado pela norma penal é
a vida humana e não qualquer tipo de vida vegetal ou animal. Crimes contra a
flora e a fauna são tratados em lei extravagante (9.605/98). Ao magistrado enquanto no desempenho da função judicante
não cabe: (i) explicar a origem e o desenvolvimento do fenômeno biológico e o
ciclo vital dos seres humanos, tarefa que cabe ao cientista; (ii) especular
sobre o significado da vida, tarefa que cabe ao filósofo e ao teólogo. Como diz
o povo bem humorado: “cada macaco no seu galho”. Cabe ao cientista explicar o
fato natural; ao jurista, o fato cultural. A lei natural vincula-se à
necessidade lógica; a lei cultural refere-se à conveniência dos negócios
humanos. Sob ângulo prático – e não especulativo – o legislador designa o
início e o fim da vida humana para
efeitos jurídicos. Vida em sociedade, vida privada, vida escolar, vida
pregressa, vida reclusa, são expressões utilizadas judicial e
extrajudicialmente longe do significado biológico.
Ponderada a substantiva
importância da necessidade, da utilidade ou do interesse em jogo, a lei é
elaborada visando a determinado objetivo. A lei enforma a sociedade, disciplina
a conduta humana e informa o caso concreto nas relações sociais. A sua eficácia
ocorre de modo pacífico no meio social, regularmente. Quando há conflito ou
dúvida, a solução jurídica obtém-se mediante a atuação de conciliadores,
árbitros, juízes e tribunais, no devido processo legal. Busca-se a solução mais
adequada ao caso e que melhor se afeiçoe à Constituição e à lei. Ao analisar os
casos submetidos à sua apreciação, o juiz não se divorcia das suas crenças e
convicções morais, religiosas, místicas e filosóficas. Em conseqüência, os
julgamentos podem ser eventualmente tendenciosos. Julgamento viciado pela
corrupção do magistrado é fato notório e antigo no mundo. Esse tipo de juiz
constitui minoria, segundo opinião geral.
A interrupção voluntária da gravidez se inscreve entre
os crimes contra a vida (homicídio,
induzimento ao suicídio, infanticídio e aborto). Por sua vez, tais crimes
pertencem ao gênero dos crimes contra a pessoa
(crimes contra a vida, a honra e a liberdade individual; lesões corporais, rixa
e periclitação da vida e da saúde). A república brasileira tem como um dos seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana (CF
1º, III). A inviolabilidade do direito à vida é garantida a brasileiros e a
estrangeiros residentes no país, ou seja, garantida a pessoas humanas; logo, nascidas e vivas (CF 5º, caput). No aborto provocado sem o
consentimento da gestante, a vítima é a mulher (pessoa). No aborto provocado com
o consentimento da gestante, a vítima é o feto (que não é pessoa). De acordo
com a lei civil brasileira, pessoa é o ser humano que nasce com vida e, assim,
adquire personalidade civil. Destarte, o nascituro será pessoa se nascer com
vida, caso em que, sujeito de direitos e deveres na ordem civil, poderá
exercê-los mediante representante legal. O aborto impede o nascituro de chegar
ao estado de pessoa. Em não sendo pessoa, o nascituro não pode ser vítima de
crime contra a pessoa. Cuida-se de conclusão lógica de solar evidência.
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