sexta-feira, 6 de abril de 2012

FUTEBOL


Em “Tempos Modernos”, filme de 1936, Charles Chaplin mostrou, com humor, a robotização do homem: produção industrial em série faz do operário um especialista em apertar parafuso. O automatismo na atividade externa parece provir dos movimentos involuntários do corpo humano (reação imunológica, secreção glandular, circulação do sangue, mecanismo instintivo, sístole, diástole, digestão, respiração). A ação robótica tornou-se forma econômica do trabalho em setores da sociedade e do estado, fundada no planejamento racional prévio que visa a maior produtividade e a boa qualidade de bens e serviços. Incide a norma: evite pensar; siga as instruções. No jogo de xadrez, pensar é essencial; há tempo. No caratê, pensar atrapalha; a ação reflexa é mais eficaz; resulta de treinamento com exaustivas repetições. No futebol, enquanto pensa, ainda que por cinco segundos, o jogador perde a bola. Agilidade mental e física é essencial. Importa mais direcionar eficazmente a bola do que correr com ela nos pés. A atividade mental do jogador no momento do lance deve ser reflexa e não reflexiva. Por implicar análise e demandar tempo, ainda que breve, o pensamento reflexivo é mais adequado às pausas (quando o jogador não está com a bola ou o jogo está suspenso).

A partir da década de 70, tomando-se como referência a seleção holandesa de 1974, verifica-se que a robotização aprimorou a técnica de jogar coletivamente e diminuiu o espaço da criatividade individual e do improviso. A técnica sufocou a arte. Houve sensível melhora no rendimento das equipes em todo o mundo desde que se adotou o planejamento tático, a análise dos filmes de jogos, o ensaio das jogadas, a disciplina coletiva, a formação de jogadores a partir das categorias infantil, juvenil e aspirante. Venezuela, Dinamarca, Japão, Nigéria, Austrália, ilustram essa evolução. Para o saudável condicionamento do corpo utilizam-se aparelhos da última geração tecnológica e dieta recomendada por nutricionistas. Ao conforto dos jogadores em campo são destinadas camisas, chuteiras e caneleiras de material e modelo especiais. Os jogadores são assistidos por médicos, psicólogos, massagistas e professores de educação física. Os jogadores de ponta são cercados de regalias.

O aprimoramento técnico do jogador exige disciplina, esforço, dedicação, repetições de movimentos. Condicionam-se reflexos. Formam-se automatismos. Busca-se o resultado coletivo ótimo. A boa capacidade técnica faz um bom jogador; unida ao talento, faz um excelente jogador. Técnica e arte bem conjugadas fazem um craque. Técnica se adquire. Talento é inato mas inútil se não houver cultivo, meio e ensejo de se manifestar. O indivíduo pode ser um asno em História e Geografia (intelecto bruto) e um gênio no esporte (inteligência lúdica). A genialidade em repouso no código genético manifesta-se quando reunidas condições naturais e culturais favoráveis à expressão técnica, artística, científica ou filosófica. A tal propósito, em passagem que faz parecer acidental, Marcel Proust escreve: “(...) o que fazia pensar nesses atores ou romancistas medíocres que em certas épocas desfrutam de uma reputação de gênios, seja devido à mediocridade dos confrades, entre os quais nenhum artista superior é capaz de mostrar o que é o talento verdadeiro, seja pela mediocridade do público, o qual, caso existisse uma extraordinária individualidade, seria incapaz de compreendê-la.” (“A Prisioneira”, volume III da série “Em Busca do Tempo Perdido”, Rio, Ediouro, 2002, p. 208).

Há jogadores brasileiros desfibrados, como se viu na decisão do campeonato mundial de clubes: os santistas submissos aos catalães. Assim como os santistas, há jogadores de outros clubes com essa têmpera de banana, lânguidos em decorrência das mordomias e dos mimos. Ao contacto físico com o adversário rolam metros e metros no gramado, contorcem-se como se estivessem na iminência de ir para o hospital. Parecem meninos com dodói chamando a mamãe. Afagados pelo médico, massagista, preparador físico, transportados para fora do campo, logo se recompõem e retornam fagueiros. Visível a intenção de comover a torcida, de chamar para si as câmeras de televisão e colocar sua imagem na tela. Seria bom ver na seleção brasileira jogadores com têmpera de aço na copa mundial de 2018. Para a de 2014 não há tempo. A forja está fria.

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