Em “Tempos Modernos”, filme de
1936, Charles Chaplin mostrou, com humor, a robotização do homem: produção
industrial em série faz do operário um especialista em apertar parafuso. O
automatismo na atividade externa parece provir dos movimentos involuntários do
corpo humano (reação imunológica, secreção glandular, circulação do sangue, mecanismo
instintivo, sístole, diástole, digestão, respiração). A ação robótica tornou-se
forma econômica do trabalho em setores da sociedade e do estado, fundada no
planejamento racional prévio que visa a maior produtividade e a boa qualidade
de bens e serviços. Incide a norma: evite
pensar; siga as instruções. No jogo de xadrez, pensar é essencial; há tempo.
No caratê, pensar atrapalha; a ação reflexa é mais eficaz; resulta de treinamento
com exaustivas repetições. No futebol, enquanto pensa, ainda que por cinco
segundos, o jogador perde a bola. Agilidade mental e física é essencial.
Importa mais direcionar eficazmente a bola do que correr com ela nos pés. A
atividade mental do jogador no momento do lance deve ser reflexa e não
reflexiva. Por implicar análise e demandar tempo, ainda que breve, o pensamento
reflexivo é mais adequado às pausas (quando o jogador não está com a bola ou o
jogo está suspenso).
A partir da década de 70, tomando-se
como referência a seleção holandesa de 1974, verifica-se que a robotização aprimorou
a técnica de jogar coletivamente e diminuiu o espaço da criatividade individual
e do improviso. A técnica sufocou a arte. Houve sensível melhora no rendimento
das equipes em todo o mundo desde que se adotou o planejamento tático, a análise
dos filmes de jogos, o ensaio das jogadas, a disciplina coletiva, a formação de
jogadores a partir das categorias infantil, juvenil e aspirante. Venezuela, Dinamarca,
Japão, Nigéria, Austrália, ilustram essa evolução. Para o saudável condicionamento
do corpo utilizam-se aparelhos da última geração tecnológica e dieta
recomendada por nutricionistas. Ao conforto dos jogadores em campo são
destinadas camisas, chuteiras e caneleiras de material e modelo especiais. Os
jogadores são assistidos por médicos, psicólogos, massagistas e professores de
educação física. Os jogadores de ponta são cercados de regalias.
O aprimoramento técnico do
jogador exige disciplina, esforço, dedicação, repetições de movimentos. Condicionam-se
reflexos. Formam-se automatismos. Busca-se o resultado coletivo ótimo. A boa
capacidade técnica faz um bom jogador; unida ao talento, faz um excelente jogador.
Técnica e arte bem conjugadas fazem um craque. Técnica se adquire. Talento é inato
mas inútil se não houver cultivo, meio e ensejo de se manifestar. O indivíduo
pode ser um asno em História e Geografia (intelecto bruto) e um gênio no
esporte (inteligência lúdica). A genialidade em repouso no código genético
manifesta-se quando reunidas condições naturais e culturais favoráveis à
expressão técnica, artística, científica ou filosófica. A tal propósito, em
passagem que faz parecer acidental, Marcel Proust escreve: “(...) o que fazia pensar nesses atores ou
romancistas medíocres que em certas épocas desfrutam de uma reputação de
gênios, seja devido à mediocridade dos confrades, entre os quais nenhum artista
superior é capaz de mostrar o que é o talento verdadeiro, seja pela
mediocridade do público, o qual, caso existisse uma extraordinária individualidade,
seria incapaz de compreendê-la.” (“A Prisioneira”, volume III da série “Em
Busca do Tempo Perdido”, Rio, Ediouro, 2002, p. 208).
Há jogadores brasileiros desfibrados, como se viu na
decisão do campeonato mundial de clubes: os santistas submissos aos catalães.
Assim como os santistas, há jogadores de outros clubes com essa têmpera de
banana, lânguidos em decorrência das mordomias e dos mimos. Ao contacto físico
com o adversário rolam metros e metros no gramado, contorcem-se como se
estivessem na iminência de ir para o hospital. Parecem meninos com dodói
chamando a mamãe. Afagados pelo médico, massagista, preparador físico,
transportados para fora do campo, logo se recompõem e retornam fagueiros.
Visível a intenção de comover a torcida, de chamar para si as câmeras de
televisão e colocar sua imagem na tela. Seria bom ver na seleção brasileira jogadores
com têmpera de aço na copa mundial de 2018. Para a de 2014 não há tempo. A
forja está fria.
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