segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

ORAÇÃO


III

Cheia de graça, o senhor é convosco.

O vocábulo graça tem significado múltiplo. No plural (graças), significa agradecimento. No singular (graça), significa favor, dádiva sem exigência de retribuição, compensação ou pagamento. Especificamente, graça significa: (i) no uso social: nome de batismo, chiste, fala espirituosa, gestos humorísticos; (ii) no sentido jurídico: perdão concedido pelo Estado a um delinqüente; (iii) no sentido moral: benevolência; (iv) no sentido estético: elegância, encanto, aparência agradável; (v) no sentido religioso: favor divino, dádiva de Deus, dom sobrenatural que santifica a pessoa, benefício recebido de Deus independente de penitência. Na oração, graça significa o privilégio de Maria ser escolhida por Deus. A expressão “o senhor é convosco” indica que esse privilégio foi o de conceber do espírito santo e o de ser mãe do filho de Deus. Por força de repetição, o cristão acredita, sem análise racional, no conteúdo da prece. Funciona o sinal sonoro (ladainha) que condiciona a mente do devoto (experiência de Pavlov). 

Bendita sois vós entre as mulheres.

O modelo patriarcal da sociedade palestina daquela época influiu no pensamento de Lucas ao criar a frase: bendita és tu entre as mulheres. Essa frase do versículo 28, do primeiro capítulo, do evangelho de Lucas, não consta da bíblia católica da Editora Ave Maria, nem da bíblia protestante editada pela Sociedade Bíblica. Consta, porém, da bíblia católica editada pela Barsa e do novo testamento editado pelos Gideões Internacionais. Por ocasião da visita a Izabel, sua prima, Maria foi saudada com as seguintes palavras: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1: 42). Mateus, Marcos e João nada falam sobre essa visita. Por seu caráter simbólico e valor histórico, tal visita teria sido registrada também por esses evangelistas se houvesse acontecido de fato. Médico, apóstolo da segunda hora, Lucas revela-se escritor dotado de imaginação criadora. Maria é abençoada entre as mulheres, mas não entre os homens. Benção discriminatória. O anjo Gabriel mostrou-se machista. Aliás, a mulher é discriminada em toda a extensão da bíblia, nos testamentos antigo e novo. Retirada de uma costela do macho, na esperta e facciosa versão do escritor do Gênesis, a mulher deve submissão ao homem. A mulher deve se conformar com o papel subalterno na sociedade machista dos hebreus (israelitas + judeus). Os evangelhos mantêm a discriminação na sociedade dos cristãos. Paulo, apóstolo da segunda hora, fundador da igreja católica, expõe, nas suas epístolas, vigorosa repulsa à mulher.

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