III
Cheia de graça, o senhor é convosco.
O vocábulo graça tem significado múltiplo. No plural (graças), significa
agradecimento. No singular (graça), significa favor, dádiva sem exigência de
retribuição, compensação ou pagamento. Especificamente, graça significa: (i) no uso social: nome de batismo, chiste, fala
espirituosa, gestos humorísticos; (ii) no sentido jurídico: perdão concedido
pelo Estado a um delinqüente; (iii) no sentido moral: benevolência; (iv) no
sentido estético: elegância, encanto, aparência agradável; (v) no sentido
religioso: favor divino, dádiva de Deus, dom sobrenatural que santifica a
pessoa, benefício recebido de Deus independente de penitência. Na oração, graça significa o privilégio de Maria
ser escolhida por Deus. A expressão “o senhor é convosco” indica que esse
privilégio foi o de conceber do espírito santo e o de ser mãe do filho de Deus.
Por força de repetição, o cristão acredita, sem análise racional, no conteúdo
da prece. Funciona o sinal sonoro (ladainha) que condiciona a mente do devoto
(experiência de Pavlov).
Bendita sois vós entre as mulheres.
O modelo patriarcal da sociedade palestina daquela
época influiu no pensamento de Lucas ao criar a frase: bendita és tu entre as mulheres. Essa frase do versículo 28, do
primeiro capítulo, do evangelho de Lucas, não consta da bíblia católica da
Editora Ave Maria, nem da bíblia protestante editada pela Sociedade Bíblica.
Consta, porém, da bíblia católica editada pela Barsa e do novo testamento
editado pelos Gideões Internacionais. Por ocasião da visita a Izabel, sua
prima, Maria foi saudada com as seguintes palavras: “Bendita és tu entre as
mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1: 42). Mateus, Marcos e João
nada falam sobre essa visita. Por seu caráter simbólico e valor histórico, tal
visita teria sido registrada também por esses evangelistas se houvesse
acontecido de fato. Médico, apóstolo da segunda hora, Lucas revela-se escritor
dotado de imaginação criadora. Maria é abençoada entre as mulheres, mas não
entre os homens. Benção discriminatória. O anjo Gabriel mostrou-se machista.
Aliás, a mulher é discriminada em toda a extensão da bíblia, nos testamentos
antigo e novo. Retirada de uma costela do macho, na esperta e facciosa versão
do escritor do Gênesis, a mulher deve submissão ao homem. A mulher deve se
conformar com o papel subalterno na sociedade machista dos hebreus (israelitas
+ judeus). Os evangelhos mantêm a discriminação na sociedade dos cristãos.
Paulo, apóstolo da segunda hora, fundador da igreja católica, expõe, nas suas
epístolas, vigorosa repulsa à mulher.
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