sábado, 14 de janeiro de 2012

ORAÇÃO


II

Ave, Maria.

O clero católico serviu-se da saudação contida no evangelho de Lucas: ave, cheia de graça, o senhor é contigo (Lc 1: 28). Na bíblia protestante, a expressão cheia de graça é substituída por agraciada. Lucas afirma que: (i) Maria foi saudada pelo anjo Gabriel; (ii) ela ainda era virgem, embora desposada por um homem chamado José, da casa de Davi; (iii) o anjo anunciou futura gravidez por obra do espírito santo.

Interessante o acréscimo “da casa de Davi”. Bastava o escritor mencionar o nome do esposo. O malicioso acréscimo foi para colocar o renovo na descendência daquele rei e assim ajustar-se à profecia do Antigo Testamento.  

No evangelho de Mateus: (i) não há saudação; (ii) o anjo não tem nome; (iii) o anjo apareceu a José e não a Maria; (iv) o anjo apareceu em sonho e não em vigília; (v) José e Maria estavam casados, mas ainda não coabitavam; (vi) os dois não se relacionavam sexualmente; (vii) Maria já estava grávida e concebera do espírito santo; (viii) cita a virgem da profecia de Isaías e não a virgindade de Maria (Mt 1: 18-25).

Ainda que não coabitassem, se José e Maria eram esposos, a abstinência sexual não tem sentido, salvo se a gravidez de Maria resultou de relação extraconjugal, como sugere Mateus. A vingar esta hipótese, o casal teria resolvido aguardar o parto. Marcos e João silenciam sobre o assunto em seus evangelhos. Nenhum dos quatro evangelistas sabe a verdade, pois sequer eram nascidos à época da gravidez de Maria. Neste e em outros assuntos, os evangelistas apóiam-se na tradição oral, no que ouviram dizer. A origem dessa tradição é obscura. Pode ser relato: (i) de pessoas contemporâneas da família de José; (ii) da própria Maria aos apóstolos; (iii) de algum texto apócrifo, como o evangelho de Tiago, irmão de Jesus.

A aparição do anjo e o diálogo com mulher em vigília, se fossem verdadeiros, dificilmente deixariam de ser registrados pelos outros evangelistas, principalmente por João, o mais fanático dos apóstolos. No entanto, só Lucas narra o episódio. Isto indica que Lucas, provavelmente, inventou o episódio para: (i) zombar da credulidade alheia; (ii) evitar que José fosse visto como esposo traído e Maria como esposa adúltera; (iii) estabelecer a crença na origem divina da semente depositada no útero de Maria.

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