II
Ave, Maria.
O clero católico serviu-se da
saudação contida no evangelho de Lucas: ave,
cheia de graça, o senhor é contigo (Lc 1: 28). Na bíblia protestante, a expressão cheia de graça é substituída por agraciada. Lucas afirma que: (i) Maria foi saudada pelo anjo
Gabriel; (ii) ela ainda era virgem, embora desposada por um homem chamado José,
da casa de Davi; (iii) o anjo anunciou futura gravidez por obra do espírito
santo.
Interessante o acréscimo “da casa
de Davi”. Bastava o escritor mencionar o nome do esposo. O malicioso acréscimo
foi para colocar o renovo na descendência daquele rei e assim ajustar-se à
profecia do Antigo Testamento.
No evangelho de Mateus: (i) não
há saudação; (ii) o anjo não tem nome; (iii) o anjo apareceu a José e não a Maria;
(iv) o anjo apareceu em sonho e não em vigília; (v) José e Maria estavam
casados, mas ainda não coabitavam; (vi) os dois não se relacionavam
sexualmente; (vii) Maria já estava grávida e concebera do espírito santo;
(viii) cita a virgem da profecia de Isaías e não a virgindade de Maria (Mt 1:
18-25).
Ainda que não coabitassem, se
José e Maria eram esposos, a abstinência sexual não tem sentido, salvo se a
gravidez de Maria resultou de relação extraconjugal, como sugere Mateus. A
vingar esta hipótese, o casal teria resolvido aguardar o parto. Marcos e João
silenciam sobre o assunto em seus evangelhos. Nenhum dos quatro evangelistas
sabe a verdade, pois sequer eram nascidos à época da gravidez de Maria. Neste e
em outros assuntos, os evangelistas apóiam-se na tradição oral, no que ouviram
dizer. A origem dessa tradição é obscura. Pode ser relato: (i) de pessoas
contemporâneas da família de José; (ii) da própria Maria aos apóstolos; (iii)
de algum texto apócrifo, como o evangelho de Tiago, irmão de Jesus.
A aparição do anjo e o diálogo com mulher em vigília,
se fossem verdadeiros, dificilmente deixariam de ser registrados pelos outros
evangelistas, principalmente por João, o mais fanático dos apóstolos. No
entanto, só Lucas narra o episódio. Isto indica que Lucas, provavelmente,
inventou o episódio para: (i) zombar da credulidade alheia; (ii) evitar que
José fosse visto como esposo traído e Maria como esposa adúltera; (iii)
estabelecer a crença na origem divina da semente depositada no útero de Maria.
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