IV
Perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos
devedores. Pondo-se de acordo com o sistema capitalista e cuidando para que
os fiéis ricos não se afastassem com suas generosas doações, a igreja moderna
substituiu, no evangelho de Mateus, a expressão original, de fundo econômico, perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós
perdoamos aos nossos devedores, que recitávamos na infância, por essa outra de fundo moral: perdoai-nos as nossas ofensas, assim como
nós perdoamos aos que nos ofenderam. A expressão original conformava-se com
a doutrina cristã e reforçava a diferença diante da doutrina judaica. A riqueza
para os judeus é bênção divina. Já o cristão não pode servir a Deus e à
riqueza; deve emprestar sem nada esperar, dar a quem pedir e não reclamar de
que quem lhe tira alguma coisa (Mt 5: 42 + 6: 24) (Lc 6: 30, 35). No plano dos
fatos, raramente se vê cristão perdoar dívida. O devedor inadimplente é
processado, preso e perde seus bens. Há cristão que perdoa ofensas. O
presidente Luis Inácio perdoou dívida de país africano, mas não era ele o
credor e sim o Estado brasileiro.
Não
nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Tentação compreende o fato de tentar. Inclui ensaio,
indução, por à prova, provocar desejo, atração concupiscente. Na esfera
religiosa, entende-se por tentação: (i) série de provas postas por deuses para
avaliar a fidelidade dos homens; (ii) atração para o sensualismo e o
materialismo; (iii) tendência para o mal. Ao pé da montanha, Jesus ensinava
como os seus ouvintes deviam rezar. Falava no plural, incluindo ele próprio, em
toda a extensão da prece. Ele sabia das fraquezas humanas e indicava à platéia
o caminho para superá-las: idoneidade moral, prece, comunhão com Deus. “Vigiai
e orai para que não entreis em
tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt
26: 41). Jesus também sofrera tentações, pois o mal tem domicilio na mente e no
coração dos humanos. Impotente para vencer a tentação, o crente pede ajuda
divina. O crente sincero livra-se do mal quando ama a Deus acima de todas as
coisas e ao próximo como si mesmo. Jesus notou o germe da discórdia no seio da
confraria quando a mãe de Thiago e de João, deles acompanhada, veio solicitar
ao mestre, em favor dos filhos, especial atenção na terra e no céu. Isto gerou
discussão entre os apóstolos sobre quem teria privilégios e quem seria o líder.
Jesus os repreendeu, dizendo que os chefes das nações as subjugam e que isto
não devia acontecer na confraria; todo
aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo (Mt 20:
20-28 + Mc 10: 35-45 + Lc 22: 24-30). Posteriormente, na última ceia, Jesus dá
exemplo de humildade e igualdade ao lavar os pés dos apóstolos. A seguir diz
que, se ele mestre fizera aquilo, o mesmo deviam fazer os discípulos: lavei os vossos pés, também vós deveis
lavar-vos os pés uns dos outros. Ao fim da reunião, antes de sair para o
jardim das oliveiras e pensando nos laços do amor fraterno, ele acrescentou
novo mandamento: amai-vos uns aos outros
((Jo 13: 13-16, 34 + 15: 12). Prezando a igualdade, Jesus havia organizado o
colégio apostólico com número par de membros (12), sem hierarquia, sem apóstolo
ímpar. Apesar disto, havia rivalidades e disputas por liderança. Apóstolos,
sucessores e demais seguidores do Cristo sucumbiram à tentação. Organizaram o
clero hierarquizado, dividiram-se e guerrearam-se durante séculos. Mataram,
torturaram, roubaram, fraudaram, violaram os mandamentos e frustraram a
doutrina cristã. Dedicaram-se a Cezar e deixaram Deus na prateleira. A imagem do
profeta Jesus decora o cenário. Todos o invocam, mas cada qual puxa a brasa
para a sua sardinha. As epístolas escritas 20 anos após a crucifixão e 10 anos
antes do primeiro evangelho, já advertiam para as tentações. Os cristãos caíram
na idolatria (I Cor 10: 14). Permitiram que o lado diabólico da personalidade
humana dominasse suas mentes e seus corações (Thiago 4: 7). Deixaram-se
arrebatar pelo engano dos abomináveis. Ignoraram a piedade que poderia
livrá-los do mal (II Pedro 2: 9 + 3: 17).
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