sábado, 7 de janeiro de 2012

ORAÇÃO


III

Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. A vontade divina é incontrastável tanto no lado material como no lado espiritual do universo. Deus é onipotente, onisciente e onipresente. A sua vontade soberana independe do assentimento humano. Literalmente, essa frase da oração carece de sentido. Entretanto, ela indica a disposição do fiel de se submeter à vontade divina. No Getsêmani, na iminência da prisão e do flagelo, Jesus deu exemplo de submissão: “Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia, não se faça o que eu quero, mas, sim, o que tu queres.” (Mt 26: 39).

O pão nosso de cada dia nos dai hoje. No amplo sentido, o vocábulo pão aplica-se ao essencial à vida: ar, água, alimento e abrigo. Este último elemento (abrigo) inclui: (i) roupa, que protege o indivíduo do clima e cobre a nudez; (ii) casa, que o protege das forças telúricas, das agressões externas e enseja privacidade no lar; (iii) oficina, que o protege da ociosidade e propicia ganho honesto; (iv) escola, que o protege da ignorância e o exercita na convivência com seu semelhante; (v) hospital, que o protege da doença e o ajuda a recuperar a saúde; (vi) templo, que o protege das tentações e lhe permite cultivar o amor transcendental. O devoto pede esse pão ao deus providencial (Pai celeste). O judeu reza a um deus temperamental (Jeová): “Tirarás dela (terra) com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias da tua vida. Tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto.” O autor do Gênesis (primeiro livro do Antigo Testamento) faz Jeová humilhar Adão e Eva, personagens do romance, e castigá-los por desobediência. Apesar de raivoso, Jeová mostra habilidade como alfaiate e costureiro: sob medida, esse deus confecciona túnicas de peles para Adão e Eva. A origem das peles não é informada (Gen 3: 17-19, 21). A doutrina cristã inclui a confiança na providência divina: Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? (...) vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isto. Buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo (Mt 6: 31-34). A súplica “nos dai hoje” não implica passividade. O devoto obtém o sustento ativamente em sintonia com a natureza e com a justiça divina (buscai). O apóstolo João considera Jesus o pão da vida que desceu do céu (Jo 6: 35-51). No sul do Brasil, anos 60, século XX, moço bonito era chamado pão pelas moças. Na última ceia, em momento narrado por Mateus (26: 26-29), Marcos (14: 22-25) e Lucas (22: 17-20), Jesus corta o pão e distribui aos discípulos, dizendo ser a sua carne. Faz o cálice de vinho (copo, caneca, graal) circular entre eles para que bebam, dizendo ser o seu sangue. Jesus adaptou à cerimônia, o ritual de celebração da primavera realizado nas antigas escolas de mistérios quando, segundo a tradição, cada participante come pequena porção de cereal e bebe três goles de vinho. No simbolismo daquelas escolas a conotação é agrária. No simbolismo da última ceia, a conotação é antropofágica. Gente comer carne de gente é antropofagia. Outrora, gente era sacrificada para agradar aos deuses. Depois, o animal racional foi substituído pelo animal irracional. Os hebreus passaram a sacrificar cordeiros. Jesus representou-se no pão e vinho e substituiu o cordeiro por ele próprio. Os seguidores aproveitaram o episódio para exibir Jesus em moldura judaica: cordeiro expiatório dos pecados do mundo. O modelo expiatório dos judeus foi abolido entre os cristãos. O deus de Jesus não exige aquele tipo de sacrifício exigido pelo deus de Moisés. Na missa católica, o oficiante imita Jesus: eleva a hóstia e o vinho, carne e sangue de Jesus, e os come e bebe. Distribui hóstias entre os fiéis e guarda o vinho. Os fiéis comem a carne, mas não bebem o sangue.

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